A comunicação tem por finalidade investigar os saberes docentes construídos e mobilizados pelas práticas de ensino da história escolar, através das possibilidades descentramentode epistêmico incitadas pelas Leis nº 10.639/2003. Para cumprimos o objetivo, elegemos para este estudo as práticas emancipatórias desenvolvidas pelos projetos do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência[1], vinculados ao curso de História da Universidade Federal de Alfenas, alocada no Sul de Minas. [2] Selecionamos três projetos de sequências didáticas, cujo tema central se dirigia para o ensino de História da África, realizados no segundo semestre de 2014. As equipes pibidianas realizavam subprojetos específicos atrelados ao Projeto Institucional da Universidade. Durante a realização das sequências didáticas, os/as alunos/as acadêmicos desenvolveram um mapeamento da cultura escolar[3], as avaliações de diagnóstico e, ao longo da experiência de formação, alteraram e revisaram posturas, metodologias e conceitos de ensino-aprendizagem.
De modo geral, as equipes pibidianas constataram em suas avaliações de diagnóstico, a reificação do continente africano, ou seja, a ideia do continente como “país”, além de outros preconceitos do senso comum, como o exotismo das culturas africanas, a pobreza endêmica de suas populações, como um dado a-histórico,a naturalização do negro como escravo e uma série de outros paradigmas que reforçam cotidianamente as narrativas do colonizador. Narrativas estas que desumanizam, invisibilizam e reificam os sujeitos colonizados, destituindo-lhes o papel de sujeitos históricos e agentes com capacidade de historicizar suas próprias memórias e experiências de mundo. Outro dado notável consistiu na ausência do tema tanto nos livros didáticos adotados, como nos currículos em ação praticados nas escolas. A África era exotizada, tida como espaço da barbárie, do local das constantes guerras da “não-civilização”. Este olhar viciado sobre o continente reportava-se também às visões midiáticas e outros discursos não escolares que reverberam, de forma contundente, a narrativa impregnada da voz do colonizador, tão presente no habitus[4]de nossas leituras enviesadas, colonizadas pela visão eurocêntrica, acostumada a naturalizar os processos de violência e exaltar os lugares hegemônicos de poder e de saber. Os/as acadêmicos/as em formação se depararam com os primeiros desafios da docência: problematizar preconceitos e estereótipos, construir conhecimentos significativos, dialogar com as acepções prévias dos sujeitos escolares, desenvolver pedagogias alternativas distanciadas das concepções eurocentradas de história.
Nesse sentido, nossa comunicação fundamenta-se nas perspectivas teóricas pós-coloniais, mais especificamente na proposta de desenvolvimento e reflexão da pedagogia decolonial definida como campo do saber contra-hegemônico (WALSH, 2009). Tal abordagem tem por objetivo descolonizar práticas, pensamentos e atitudes na cultura escolar e na estruturação das políticas públicas curriculares, ao tecer críticas ao eurocentrismo e redimensionar grupos invisibilizados pelas narrativas universalizantes. Nesta perspectiva, a crítica decolonial desestabiliza o paradigma iluminista do conhecimento, ao confrontar-se diretamente com o ideal de neutralidade pretendido pela universalidade eurocêntrica excludente.
Com efeito, a Lei nº 10.639/2003 questiona diretamente a lógica hegemônica de base eurocêntrica. Ao se propor um deslocamento epistêmico, tal reformulação abre possibilidades para pedagogias outras e práticas e saberes emancipatórios, redimensionando, assim, o papel dos sujeitos silenciados e a produção da diferença cultural demarcada pela racialização de corpos dos grupos subjugados por processos coloniais. Consoante, Nilma Gomes (2012, p. 100), descolonizar o currículo escolar significa redimensionar os lugares epistêmicos, a construção de subjetividades e os modos de se posicionar no mundo, dentro e fora da escola. Deste modo, desenvolver uma educação anti-racista significa não só a ruptura com a história linear, etnocêntrica e factual, uma vez que a História da África não deve ser entendida como apêndice da história ocidental. Para cumprirmos nosso objetivo, analisamos os projetos de intervenção, relatórios, relatos de experiências e atas de reuniões do PIBID referentes às intervenções em questão. Ademais, utilizamos da metodologia da história oral[5] para compreender a produção de subjetividades das docentes em formação no que diz respeito à construção de sentidos da temática da história da África ensinada.
Referências bibliográficas
ALBERTI, Verena. Fontes Orais. Histórias dentro da História. In.: PINSKY, Carla (Org.) Fontes Históricas. 3ª Ed. São Paulo: Contexto, 2011, pp. 155-202.
BOURDIEU, P. Razões práticas. Sobre a teoria da ação. 8ª Ed. Campinas-SP: Papiros, 2007.
FRAGO, AntonioVinao. A história das disciplinas escolares. Rede Brasileira da História da Educação, Maringá, v. 8, n. 3 [18], 2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 25ª Ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GOMES, Nilma Lino. Relações étnico-raciais, educação e descolonização dos currículos. Currículo sem Fronteira, v. 12, n. 1, , abril-jan, 2012, p 98-109.
RÜSEN, Jörn. Razão histórica - Teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Trad. Estevão de Rezende Martins. Brasília: UnB, 2001.
WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir e re-viver. IN: CANDAU, Vera (org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 12-43.
[1]O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, regulamentado em 2010 pelo Ministério da Educação, consiste em um incentivo à docência financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES). O programa visa integrar os espaços entre escola e universidade, aprimorando as áreas de licenciatura, através da pesquisa associada ao ensino e desenvolvimento de projetos de intervenção nas culturas escolares.
[2]Localizada no Sul de Minas Gerais, a Universidade Federal de Alfenas foi criada no contexto da Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI, Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007). Hoje a instituição oferece nove cursos de licenciatura, além dos cursos em bacharelado distribuídos nos campi: Alfenas, Poços de Caldas e Varginha.. ( Projeto Institucional, 2013, p. 02).
[3]Segundo AntonioVignaoFrago (2008, p. 87), a cultura escolar consiste em: “[um] conjunto de teorias, ideias, princípios, normas, modelos, rituais, inércias, hábitos e práticas (formas de fazer e pensar, mentalidades e comportamentos) sedimentadas ao longo do tempo em forma de tradições, regularidades e regras de jogo não interditas e compartilhadas por seus atores, no seio das instituições educativas. Tradições, regularidades e regras do jogo que se transmitem de geração em geração e que proporcionam estratégias.”
[4]Segundo Bourdieu (2007, p. 107), o conceito de habitus consiste na interiorização individual das proibições — estas impostas incialmente por coerções sociais —transformadas em economia psíquica capazes de fortalecer os mecanismos de autocontrole exercidos sobre as pulsões emocionais para o exercício das ações em sociedade.
[5] O objetivo em trabalhar com a oralidade reporta-se à necessidade de compreendermos as subjetividades presentes no processo de formação dos saberes docentes e seus vínculos com as concepções de sociedade, direitos, exclusão social e posicionamentos do cidadão no mundo (ALBERTI, 2011, p.171).
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