Resumo
Apresentamos algumas inquietações epistemológicas acerca da Arte/Educação a partir do pensamento decolonial, propondo a desobediência docente como uma alternativa para a decolonialidade desse campo de conhecimentos. Relacionamos o pensamento decolonial latino-americano à arte, à educação e a formação docente de modo a contrapor as grandes narrativas modernistas e propondo o que a desobediência docente pela decolonialidade dos processos e ações formativas em arte na América Latina na perspectiva de produzir ensinos e aprendizagens em Arte que contribuam para o (re)conhecimento de quem somos. Trata-se, portanto, de pensar a opção decolonial no debate sobre as contradições e a hegemonia eurocêntrica/estadunidense na Arte/Educação em contextos latino-americanos.
Palavras-chave: Arte/Educação; Desobediência docente; Inquietações epistemológicas; Pensamento decolonial.
Inquietações
O ponto de partida das inquietações, neste debate, está na “colonialidade do poder”, do saber e do ser na América Latina, de que trata o sociólogo Aníbal Quijano (2005), a qual, refletida na arte, na educação, nas academias, nos cursos/currículos e nos processos de formação docente em arte e, consequentemente na Arte/Educação, privilegia uma matriz de conhecimentos eurocêntrica/estadunidense e deslegitima epistemes outras.
A desobediência docente, aqui referida como uma alternativa para pensar a decolonialidade da Arte/Educação, encontra suas bases no que o semiótico argentino Walter Mignolo (2008) chama de “desobediência epistêmica”. Assim, a “desobediência docente” (MOURA, 2019; 2018) só faz sentido se for epistêmica e mira a decolonialidade intelectual de formadores/as para a docência em arte.
O centro das inquietações aqui trazidas está na uni-versalidade, ou seja, uma única versão: europeia/estadunidense para a produção de conhecimentos e as impossibilidades de produção de saberes desde outras histórias, outras culturas, outras artes, excluídas pela visão hegemônica.
Desobediência epistêmica e (re)pensamento crítico
As feridas abertas pelo eurocentrismo, excludente e hegemônico, estão latentes no pensamento latino-americano. Nesse território, o pensar, seja ele, artístico, educacional, social, político, histórico, filosófico, antropológico etc, passa pela Europa, o que leva a questionar: e antes da invasão, como pensavam os povos autóctones? Era possível pensar? São possíveis hoje outras formas de (re)pensar o mundo? É possível (re)pensar o mundo desde a América Latina e de suas realidades?
Não se trata de excluir uma forma de pensar e substituí-la por outra. Trata-se de incluir outras formas de pensar. Ainda, não se trata de criar novas periferias e novos centros. Trata-se de (re)pensar criticamente a colonialidade intelectual que opera sobre as epistemes latino-americanas.
O pensar decolonial, segundo Mignolo (2008), não implica “deslegitimar”, mas “ultrapassar os limites” das teorias eurocêntricas (marxismo, freudismo, lacanianismo, foucaultianismo etc.), o sentido decolonial implica pensar a partir das categorias não incluídas nos fundamentos do pensamento ocidental; implica legitimar formas de pensar e conhecer gestadas apesar dos silenciamentos/apagamentos teóricos e da inferiorização de pensadores e pensadoras de contextos não-europeus, especialmente da América Latina.
De/colonialidade da Arte/Educação
A Arte/Educadora brasileira Ana Mae Barbosa (2016) vem explorando e expondo o “colonialismo intelectual” que impera no campo da educação em geral, na Arte/educação e na formação docente em arte e critica os modismos que invadem os campos artístico e educacional.
Pensar uma Arte/Educação decolonial não implica deslegitimar os conhecimentos em arte de matriz europeia (diferente de uma perspectiva eurocêntrica); implica legitimar os saberes em arte de matriz latino-americana. Trata-se do que Mignolo (2008) chama “opção decolonial”. Aproximando essa mirada ao campo da Arte/Educação, o vemos como um campo de conhecimentos explorado para a reprodução dos ideais opressores do colonizador, um campo em que a matriz colonial de poder ganha legitimidade, é sustentada e mantida pelas estratégias da colonialidade do poder, do ser e do saber.
Direcionando o olhar para espaços de ações arte/educadoras é possível observar que se erigiu uma cegueira em relação às expressões artísticas, aos/às produtores/as e à produção artística latino-americana. Tal cegueira contribui para o desconhecimento das histórias, das culturas e das expressões artísticas latino-americanas como representações identitárias e mestiças dos povos dessa região.
É desassossegador pensar que parece não existir, sequer, o questionamento sobre essa hegemonia por parte tanto de formadores/as quanto de formandos/as para docência em arte. Há um predomínio, nos espaços educativos brasileiros, sejam eles formais ou não-formais, de um (único) ensino de arte, de matriz eurocêntrica/estadunidense, que opera de forma neocolonial e acrítica, que é reflexo de uma formação docente na mesma perspectiva.
O desafio de pensar a Arte/Educação pela opção decolonial implica produzir saberes, desde a formação inicial docente em arte, a partir de outras epistemes e, pela via antropofágica, deglutir os códigos que não refletem a imagem do que é a América Latina e seus povos, na busca pela legitimação das imagens que os/as representem.
A desobediência docente como alternativa
Questionamos o sentido de formar docentes em arte na América Latina com referenciais que privilegiam a arte e a história europeias e o sentido de uma Arte/Educação que privilegia a matriz de conhecimentos eurocêntrica? Nessa perspectiva, dado o eurocentrismo impregnado nas academias e nos currículos de formação, observamos, não somente a hegemonia de uma forma de pensar e fazer a formação docente, mas também de uma versão única de ensino/aprendizagem de arte, decorrente da reprodução via colonialidade.
A desobediência docente de que tratamos não se limita a conhecer arte latino-americana ou inserir no currículo dos cursos de formação docente em arte componentes curriculares, referências bibliográficas ou conteúdos de arte latino-americana; vai além: reclama uma desobediência docente que só fará sentido se for epistemológica que, para Mignolo (2008), implica “aprender a desaprender para reaprender”.
A ideia de desobediência docente deve ser pensada ainda como uma edificação cujo alicerce sejam os/as docentes em arte, mas não exclusivamente, capazes de imprimir as marcas de um projeto decolonizador das formas de pensar arte/ conhecer arte/ fazer arte, cujos olhares se voltem às realidades latino-americanas, ao invés de aquiescer a legitimação de uma história única: ocidental-europeia-estadunidense.
Referências
BARBOSA, Ana Mae. Arte/Educação: formando professores. Revista CLEA nº 2, p. 7-29, 2016. Disponível em: <https://goo.gl/ANGNny> Acesso em: 03 fev. 2019.
MIGNOLO, Walter. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, n. 34, p. 287-324, 2008.
MOURA, Eduardo Junio Santos. Des/obediência na de/colonialidade da formação docente em Arte na América Latina (Brasil/Colômbia). 2018. 249f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
______. Des/obediência docente na de/colonialidade da arte/educação na América Latina. 313 Revista GEARTE, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 313-325, maio/ago. 2019. http://dx.doi.org/10.22456/2357-9854.92905
QUIJANO, Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina. Em: LANDER, Edgardo (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Colección Sur Sur. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina: CLACSO, 2005.
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