PORTUGUÊS
Em Sociedade do Cansaço (2015), Byung-Chul Han argumenta que o mundo contemporâneo substituiu a sociedade disciplinar, conforme teorizada por Foucault, por uma sociedade que prioriza desempenho e produtividade. Essa nova organização social, marcada por um excesso de positividade e baseada em relações dinâmicas, rápidas e, consequentemente, superficiais — ou líquidas —, se consolidou por meio de desdobramentos sociopolíticos que culminaram no avanço do neoliberalismo.
Dada a estreita relação entre cultura e ideologia, pode-se inferir que o contexto supracitado influenciou diretamente as manifestações artísticas e as mídias de modo geral. Ao longo da história, governos e elites dominantes frequentemente se apropriaram das artes como instrumento de propaganda ideológica. Ao mesmo tempo, sensíveis às transformações sociais e políticas, artistas responderam a essas demandas criando obras que dialogam — criticamente ou não — com o espírito de sua época. Essa relação dialética entre arte e contextos sociopolíticos atravessa a história do Ocidente.
No século XX, observa-se essa dinâmica no monopólio artístico sob regimes totalitários, evidenciado, por exemplo, nas diretrizes de Goebbels para o regime nazista de Adolf Hitler e na doutrina de Andrei Jdanov para o regime soviético de Stalin. A capacidade de transmitir significados e, com isso, mobilizar e influenciar sociedades fez do cinema um veículo privilegiado. No período pós-II Guerra Mundial, sobretudo nos anos 1950, a indústria cinematográfica, especialmente a estadunidense, soube explorar de modo incisivo as ansiedades psicológicas da Guerra Fria, capturando os temores e incertezas do cidadão médio diante da possibilidade de um ataque nuclear iminente. Nesse sentido, uma série de filmes de ficção científica se pautou em temas como exploração espacial, experimentos laboratoriais malsucedidos e invasões alienígenas que colocavam a humanidade em constante estado de alerta. Este tipo de temática respondia às demandas sociais por dialogar com um público sensível ao contexto sociopolítico de sua época.
Juliano de Oliveira (2018) destaca que a música soube empregar códigos musicais cujo potencial de alienar ou humanizar elementos da narrativa fílmica permitiu que ela atuasse como um poderoso instrumento de expressão simbólica, capaz de interagir com as dimensões poéticas e ideológicas do meio audiovisual. Dentre estes códigos, durante os anos 1950, tornou-se comum a associação de instrumentos eletrônicos e elementos da vanguarda musical com temáticas de ficção científica e terror, sobretudo envolvendo contatos com seres alienígenas, exploração espacial e experiências científicas malsucedidas.
Observando os desdobramentos das mídias ao longo do século XX e XXI, pode-se questionar até que ponto os meios audiovisuais e, em particular, a música dialogam com a sociedade contemporânea, caracterizada por sua dinâmica acelerada, fluidez, excesso de positividade, “adrenalina” e ênfase na produtividade — a “sociedade do cansaço” descrita por Byung-Chul Han.
Se, neste milênio, estamos vivendo uma nova versão da Guerra Fria — agora protagonizada pelas duas maiores potências globais, Estados Unidos e China — até que ponto os meios multimídia, conforme definidos por Cook (1998), refletem os anseios e tensões dessa nova configuração geopolítica? Como as narrativas expressam a complexidade contemporânea? Os gêneros cinematográficos clássicos seriam eficazes para explorar as ansiedades e expectativas de nossa época? Como a música se insere nesse sistema intersemiótico?
Este é o tema que norteia o 21º Encontro Internacional de Música e Mídia. O MusiMid convida profissionais do meio acadêmico, estudantes, além de pesquisadores independentes a participarem deste debate. Serão três dias de programação intensa, incluindo sessões temáticas, mesas-redondas, palestras, apresentações artísticas, seguindo três eixos principais:
- Paisagens sonoras na produção audiovisual contemporânea: As poéticas praticadas pela equipe de produção audiovisual/ cinematográfica, com especial destaque para o trabalho do roteirista e do compositor de trilhas musicais.
- A sociedade do cansaço: manifestações e práxis: Pesquisa conduzida pela empresa de consultoria CAUSE em parceria com o Instituto de Pesquisa IDEIA e PiniOn apontam que o vocábulo foi o mais citado em 2024. Vivemos o “espírito de uma era de transformações rápidas e, muitas vezes, desorientadoras” (Machado apud Maraccini, 2024). Como as obras audiovisuais estimulam as percepções de ansiedade e cansaço?
- Produtividade, adrenalina e endorfina: Considerando-se a atual configuração geopolítica, como as narrativas lidam com a complexidade contemporânea? Se ainda são válidas as divisões em gêneros do cinema clássico, quais seriam mais eficazes em explorar as ansiedades e expectativas de nossa época a partir da música?
Datas importantes:
Chamada para trabalhos: 1º de abril a 16 de junho
Resultado da seleção: 30 de junho
Envio dos trabalhos completos: de 04 a 29de agosto.
Data: 17 a 19 de setembro de 2025.
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ENGLISH VERSION
In Burnout Society (2015), Byung-Chul Han argues that the contemporary world has replaced the disciplinary society, as theorized by Foucault, with a society prioritizing performance and productivity. This new social organization, marked by an excess of positivity and based on dynamic relations, fast and consequently superficial—or liquid -, was consolidated through socio-political developments that culminated in the advance of neoliberalism.
Given the close relationship between culture and ideology, it can be inferred that the context directly influenced artistic manifestations and media in general. Throughout history, governments and ruling elites have often appropriated the arts as an instrument of ideological propaganda. At the same time, sensitive to social and political transformations, artists responded to these demands by creating works that dialogue - critically or not - with the spirit of their era. This dialectical relationship between art and socio-political contexts crosses the history of the West.
In the twentieth century, this dynamic is observed in the artistic monopoly under totalitarian regimes, evidenced, for example, in the guidelines of Goebbels to the Nazi regime of Adolf Hitler and the doctrine of Andrei Jdanov to the Soviet regime of Stalin. The intrinsic capacity to transmit meanings and, with that, mobilize and influence societies will be a privileged vehicle. In the post-World War II period, especially in the 1950s, the film industry knew how to exploit in an incisive way the psychological anxieties of the Cold War, capturing the fears and uncertainties of the average citizen before the possibility of an imminent nuclear attack. In this sense, a series of sci-fi films were based on themes such as space exploration, failed laboratory experiments and alien invasions that put humanity in constant state of alert. This type of theme responded to the social demands for dialogue with a public sensitive to the socio-political context of its time.
Oliveira (2018) highlights that music employed musical codes whose potential to alienate or humanize elements of the film narrative allowed it to act as a powerful instrument of symbolic expression, able to interact with the poetic and ideological dimensions of the audiovisual medium. Among these codes, during the 1950s, it became common to associate electronic instruments and elements of the musical avant-garde with themes of science fiction and terror, especially involving contacts with alien beings, space exploration and unsuccessful scientific experiments.
Observing the developments of the media throughout the twentieth and twenty-first centuries, it is worth questioning to what extent audiovisual media and music dialogue with contemporary society, characterized by its accelerated dynamics, fluidity, positivity excess, "adrenaline" and emphasis on productivity - the "burnout society" described by Byung-Chul Han.
If, in this millennium, we are living a new version of the Cold War—now starring the two major global powers, the United States and China—to what extent do multimedia media, as defined by Cook (1998), reflect the desires and tensions of this new geopolitical configuration? How do narratives express contemporary complexity? Would classic film genres effectively explore the anxieties and expectations of our time? How does music fit into this intersemiotic system?
This theme guides the 21st International Meeting of Music and Media. MusiMid invites academic professionals, students and independent researchers to participate in this debate. There will be three days of intense programming, including thematic sessions, round tables, lectures, and artistic presentations, following three main axes:
- Soundscapes in contemporary audiovisual production: The poetics practiced by the audiovisual/ cinematographic production team, with special emphasis on the work of the scriptwriter and composer of musical tracks.
- The burnout society: as if manifestations and praxis: Research conducted by the consulting company CAUSE in partnership with the Research Institute IDEA and PiniOn point out that the word was the most cited in 2024. We live in the "spirit of an era of rapid and often disorienting transformations" (Machado apud Maraccini, 2024). How do audiovisual works stimulate perceptions of anxiety and tiredness?
- Productivity, adrenaline and endorphins: How do narratives deal with contemporary complexity considering the current geopolitical configuration? If the divisions in genres of classical cinema are still valid, which would be more effective in exploring the anxieties and expectations of our time from music?
Deadlines
Call for papers: 1st. April to 16th. June
Selection result: 30th. June
Submission of the completed papers: from 4th. to 29th. August.
Date: 17 to 19 September 2025.