O presente relato de experiência apresenta os desdobramentos de uma atividade de campo realizada em Santana do Cariri, no estado do Ceará, que resultou na descoberta do acervo fotográfico de Alaíde Izidorio Cruz. Trata-se de uma coleção composta por imagens tiradas e reveladas pela própria Alaíde em sua residência, além de outras fotografias de autoria desconhecida, que em conjunto formam uma narrativa visual de caráter tanto familiar quanto histórico da região. A partir desse encontro, foi desenvolvida uma ação de extensão vinculada ao projeto Ensino de Geologia e Paleontologia, com foco na criação de uma exposição fotográfica a ser realizada na Casa da Pedra da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), localizada no bairro Inhumas, em Santana do Cariri. A proposta tem como intenção principal valorizar o patrimônio afetivo-familiar e resgatar a memória social da cidade por meio de um olhar feminino. O projeto fundamenta-se nas reflexões teóricas de Kossoy (2001), Dubois (2014) e Mauad (2005), que compreendem a fotografia como instrumento de construção da memória, da história e das identidades.
A ação extensionista tem como objetivo organizar uma exposição fotográfica a partir do acervo de Alaíde Izidorio Cruz, destacando sua individualidade enquanto mulher e o contexto histórico em que esteve inserida. Visa, ainda, à valorização do patrimônio material e imaterial de Santana do Cariri presente nas imagens, promovendo articulações entre memória pessoal e coletiva.
O acervo foi encontrado durante um trabalho de campo da disciplina Paleogeografia, realizado em janeiro de 2025, que investigava construções feitas com calcário laminado, material com forte presença na economia e na cultura local. Durante essa pesquisa, conversas com moradores da região trouxeram à tona memórias sobre o período dos coronéis, as pedreiras e as atividades agrícolas. Ao registrar as ruínas de um antigo moinho, foi mencionado que o sobrinho do coronel Felinto Cruz possuía imagens e informações que poderiam contribuir com a pesquisa. A partir dessa indicação, chegou-se ao acervo de Alaíde Izidorio Cruz, apresentado por Walter Sobreira da Cruz e Flávia Izidorio Cruz Bráulio. Alaíde reuniu, ao longo dos anos, registros visuais de sua autoria e de terceiros, compondo um arquivo de grande valor afetivo, documental e histórico.
Dessa descoberta surgiu a proposta de organizar uma exposição fotográfica, que teve como ponto de partida o processo de digitalização, edição, ampliação e estudo das imagens. Foram fotografados dois álbuns compostos por registros em sua maioria não datados, mas situados entre as décadas de 1950 e 1970 com base na análise visual e nos relatos orais da família. Além da catalogação do acervo, foi gravada uma entrevista de aproximadamente duas horas com Walter Sobreira da Cruz, realizada de forma espontânea, marcada por lembranças e afetos, e que contribui para a reconstrução da trajetória de Alaíde. As partes mais relevantes do áudio serão transcritas e arquivadas para futuras consultas e possíveis usos acadêmicos e museológicos.
Atualmente, o projeto se encontra na fase de seleção e edição das fotografias, etapa que será seguida pela análise e transcrição da entrevista gravada. À luz das contribuições teóricas de Kossoy (2001), Dubois (2014) e Mauad (2005), entende-se que a fotografia, para além de sua função documental, é capaz de revelar valores, práticas e modos de vida de uma época, além de participar ativamente na constituição da memória e da identidade. A fotografia doméstica, em especial, permite adentrar experiências subjetivas e coletivas, revelando formas particulares de existir, conviver e resistir. O projeto busca, portanto, interpretar a cidade de Santana do Cariri por meio do olhar de Alaíde, reconhecendo nas imagens uma representação sensível da vida local e uma forma legítima de construção de narrativa histórica. Além disso, a proposta contribui para ampliar a valorização do feminino, ao reconhecer em Alaíde uma autora sensível que, mesmo sem uma formação artística formal, tornou-se uma importante agente da memória coletiva por meio de seus registros fotográficos.
Transformar o acervo de Alaíde Izidorio Cruz em uma exposição pública é um gesto de reconhecimento das memórias privadas como parte do patrimônio cultural. A ação evidencia o potencial da fotografia familiar como ferramenta tanto de pesquisa quanto de extensão, abrindo espaço para leituras afetivas e territoriais do passado e do presente. O reencontro com essas imagens promove não apenas a preservação de histórias locais, mas também estimula reflexões sobre o papel das mulheres na constituição da memória social, revelando como seus olhares, muitas vezes invisibilizados, são fundamentais para a compreensão da história de uma comunidade.