OS LIMITES DA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO:
VIAGENS FILOSÓFICAS c. 1780-1790
Ronald Raminelli
UFF – CNPq - Faperj
A Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira percorreu as capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá entre 1783 e 1792. O grupo era composto por Ferreira (naturalista), Agostinho do Cabo (jardineiro botânico), José Ferreira Jorge (criado), José Codina e José Joaquim Freire (riscadores/desenhistas). Contava ainda com a colaboração de comunidades indígenas, moradores e autoridades portuguesas que residiam ao longo do percurso. O conhecimento sobre a geografia, plantas e animais dependia do saber local, do controle das comunidades sobre os processos naturais. A ciência não se fazia sem colaboração. Essas viagens buscavam controlar e explorar o imenso território no interior das conquistas portuguesas.
Em Portugal, as viagens de exploração se tornaram mais grandiosas e organizadas a partir de 1783, quando deixaram de priorizar a cartografia e passaram a compilar uma verdadeira enciclopédia sobre as possessões americanas e africanas. As viagens filosóficas portuguesas foram concebidas sob os auspícios da Academia das Ciências de Lisboa, Secretaria de Estado de Negócios e Domínios Ultramarinos e planejadas
pelo naturalista paduano Domenico Vandelli. Sob o atento controle do secretário Martinho de Melo e Castro, partiram de Lisboa as expedições destinadas ao Pará, Cabo Verde, Angola, Goa e Moçambique, percorrendo as partes do império ainda pouco conhecidas.
Entretanto, nas Viagens Filosóficas os ditames da ciência setecentista não eram o principal guia dos exploradores. Os naturalistas estavam cientes da agenda da monarquia, preocupada em dinamizar o comércio, demarcar as fronteiras e explorar os sertões das possessões ultramarinas. Na América, propiciavam meios de melhor conservar os territórios ainda incertos e disputados por reinos rivais. Para tanto, observavam a fragilidade das fronteiras, a circulação de armas e manufaturas contrabandeadas.
Por isso o ciclo de acumulação de conhecimento apresentava muitas imperfeições. Os entraves administrativos e materiais nem sempre viabilizavam a acumulação e a produção de conhecimento. Na primeira parte do ciclo, coleta de informações e espécies, os naturalistas deveriam contar com boas equipes durante a viagem e apoio de Lisboa. Enfrentaram doenças, adversidades do clima e impedimentos impostos pelas autoridades locais. Eram guiados pelo secretário de Estado ao invés de contar com a sabedoria do naturalista italiano, idealizador das viagens. A expedição ao Pará foi privilegiada e produziu uma coleção valiosa de diários, estampas, memórias e remessas. No entanto, o material não formou boas coleções, tampouco resultou em publicações. Na segunda parte do ciclo, em Lisboa e Coimbra, Ferreira encontrou o material disperso e muito danificado nos museus e laboratórios. Após a viagem, o empreendimento padeceu da falta de uma equipe de naturalistas que pudessem preparar as remessas e formar as coleções. A terceira parte do ciclo estava então prejudicada. O material estava disperso e pouco estudado, inviabilizando a análise e publicação dos seus resultados, sobretudo, na Academia das Ciências. Entre os naturalistas da Viagem Filosófica, somente José da Silva Feijó e suas memórias sobre Cabo Verde vieram a público e fecharam os três ciclos de acumulação idealizados pelo antropólogo Bruno Latour.