Giovanna Fachada Abrahão, Mestranda, UFF, email: giovannafachada@gmail.com
Kamilly Souza, Mestranda, UFF, emal: kamilly.araujo.1@cp2.edu.br
Túlio Franco Batista, Doutor, UFF, email: tuliofranco@id.uff.br
Pedro Victorino, Doutor, UFF, email: pedrovictorino@id.uff.br
No interior das práticas de saúde, operam-se dispositivos de poder que não apenas tratam doenças, mas regulam corpos, subjetividades e modos de vida. Inspirado na noção de biopolítica, desenvolvida por Michel Foucault, este projeto parte do entendimento de que o cuidado, longe de ser neutro, é atravessado por racionalidades de governo que operam sob a lógica da normalização, controle e produtividade. A saúde, nesse contexto, torna-se terreno estratégico de gestão da vida, onde o cuidado pode ser capturado por protocolos, indicadores e discursos técnico-normativos que desconsideram os saberes que os sujeitos produzem sobre si. Contudo, experiências e práticas contra-hegemônicas mostram que o cuidado também pode operar como resistência. A valorização do saber do outro sobre si, a escuta ativa e a valorização da diversidade emergem como forças que tensionam o cuidado regulador e reatualizam sua dimensão ética, relacional e micropolítica. Este projeto visa investiga como as lógicas biopolíticas se manifestam na produção do cuidado e de que forma essas racionalidades são contestadas ou deslocadas por práticas que reconhecem os sujeitos como protagonistas de seus modos de existir e cuidar-se.
Analisar como as lógicas biopolíticas e produtivistas operam na produção do cuidado em saúde e investigar práticas que resistem a essa racionalidade por meio do reconhecimento dos saberes dos sujeitos sobre si.
A pesquisa se utiliza da abordagem qualitativa, por compreender que os processos sociais e histórico atravessam a produção do cuidado de forma simbólica, política e estrutural. Partindo da premissa de Minayo (2010), adota-se a perspectiva de que os significados construídos pelos sujeitos em seus contextos concretos são centrais para a análise. A investigação foi realizada através de uma revisão bibliográfica crítica a fim de identificar a relação entres as biopolíticas e as lógicas atuais de produção de cuidado.
A pesquisa realizada permitiu identificar como a produção do cuidado está profundamente atravessada por dispositivos biopolíticos e marcas coloniais que regulam os modos de cuidar, de viver e de morrer. Essa racionalidade biopolítica, aliada ao legado da colonialidade contribui para a hierarquização dos saberes e dos sujeitos, reforçando a hegemonia de uma ciência ocidental, branca e produtivista que frequentemente silencia ou deslegitima outras formas de saber e de existir. O cuidado, nesse contexto, tende a ser capturado por uma lógica normativa e instrumental que privilegia metas, eficiência e padronização, em detrimento da escuta, do vínculo e da singularidade. No entanto há brechas dentro dessas estruturas em que o cuidado pode ser reinventado como uma prática micropolítica, capaz de resistir aos imperativos da tutela e da normatização. Nesses espaços, os profissionais podem reconhecer os sujeitos como legítimos produtores de sentido sobre suas vidas e como portadores de saberes potentes que não apenas merecem ser escutados, mas também devem compor ativamente a construção do cuidado.
A partir da revisão crítica da literatura, foi possível compreender que o cuidado em saúde não é neutro nem universal, mas construído historicamente a partir de disputas entre diferentes racionalidades, saberes e projetos de mundo. As biopolíticas modernas e contemporâneas, ao pretenderem gerir a vida e maximizar sua utilidade, produziram formas de cuidado que muitas vezes operam mais como dispositivos de controle do que como práticas de acolhimento e emancipação. Quando somadas à lógica colonial que persiste na hierarquia entre saberes e na deslegitimação das vozes subalternizadas, essas práticas de cuidado tendem a reforçar desigualdades e a invisibilizar subjetividades. Diante desse cenário, torna-se fundamental deslocar o eixo do cuidado da mera aplicação de protocolos para uma escuta sensível dos sujeitos e uma valorização ativa dos saberes que constroem sobre si mesmos, suas dores, seus territórios e seus modos de vida. O cuidado, nesse sentido, deve ser entendido como uma prática ética e política que se dá no encontro, na relação, no reconhecimento e na construção coletiva. Assim, este trabalho reafirma a importância de uma crítica às racionalidades que sustentam a produção hegemônica do cuidado, ao mesmo tempo em que propõe o fortalecimento de práticas contra-hegemônicas.
FOUCAULT, M. et al. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008.
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999.
MBEMBE, Achille. Políticas de Inimizade. Lisboa: Antígona, 2017.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 2010.
PELBAERT, Peter Pál. Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo:Iluminuras, 2003.