O trabalho intitulado “Tape Porã: Divulgação Científica por Meio da Cosmovisão Mbyá-Guarani no Planetário”, desenvolvido por Rafaela Ribeiro da Silva (Museu Ciência e Vida/Cecierj e mestranda no IOC/Fiocruz) em parceria com Carolina de Assis (Museu Ciência e Vida/Cecierj), propõe uma experiência de divulgação científica que integra saberes tradicionais indígenas e astronomia ocidental, a partir de uma abordagem poética, intercultural e descolonizante. Realizada no Museu Ciência e Vida, localizado em Duque de Caxias (RJ), a sessão “Tape Porã: O Caminho das Estrelas dos Mbyá-Guarani” utilizou o planetário digital como palco para uma narrativa que valoriza o conhecimento ancestral do povo Mbyá-Guarani, relacionando suas constelações e práticas culturais aos conceitos científicos tradicionais da astronomia.
A proposta parte da compreensão de que a astronomia cultural é uma ferramenta poderosa para promover o letramento científico, especialmente entre crianças e jovens. Ao entrelaçar a observação do céu com narrativas simbólicas e culturais, cria-se um espaço fértil para o diálogo entre diferentes formas de entender o universo. A sessão, realizada em maio de 2025, teve como público-alvo estudantes do sexto ano do Ensino Fundamental e visitantes em geral, muitos deles moradores da Baixada Fluminense uma região marcada por vulnerabilidades sociais, mas também por grande riqueza cultural e histórica.
Durante 60 minutos, os participantes foram conduzidos por uma jornada visual e simbólica, onde o céu noturno foi povoado por constelações da cosmovisão Mbyá-Guarani, como Tuyai (o Homem Velho), Ema Branca e Anta do Norte. Essas figuras celestes, projetadas com o auxílio do software Stellarium, foram apresentadas em conexão com os ciclos naturais e as práticas sazonais do povo Guarani, como o tempo de plantio, colheita, chuvas (ara pyau) e secas (ara ymã). As histórias contadas durante a sessão tinham caráter poético e educativo, com o objetivo de despertar o fascínio pelo céu e, ao mesmo tempo, valorizar os saberes tradicionais como forma legítima de conhecimento sobre o mundo natural.
O projeto se inspira em referenciais teóricos como Frantz Fanon, especialmente sua defesa da descolonização do conhecimento, e em estudos educacionais brasileiros contemporâneos que apontam para a importância de práticas pedagógicas que reconhecem a diversidade cultural. Ao promover o diálogo entre a ciência ocidental e a sabedoria indígena, a sessão se alinha aos esforços por uma educação mais inclusiva, antirracista e representativa.
Não houve coleta formal de dados quantitativos, já que a atividade tinha caráter formativo e de sensibilização, mas foram observados altos níveis de engajamento e encantamento por parte dos participantes, especialmente das crianças. A linguagem poética, aliada às imagens projetadas e à ambientação do planetário, favoreceu uma escuta atenta e emocionada. O uso das constelações indígenas, pouco conhecidas do público geral, despertou curiosidade e promoveu reflexões sobre outras formas de se relacionar com o céu e com a natureza, estimulando a valorização da ancestralidade e das culturas originárias.
Além de fortalecer o vínculo dos visitantes com a astronomia, a sessão também contribuiu para reposicionar os planetários como espaços de convivência intercultural e de reconstrução de memórias coletivas. A atividade demonstrou que é possível fazer divulgação científica sem recorrer apenas ao discurso técnico, mas sim ampliando as vozes presentes no ambiente museal. Estudos recentes (Flório et al., 2022; Oliveira e Santos, 2022) confirmam que o uso de elementos poéticos e simbólicos em planetários contribui significativamente para o interesse e o envolvimento do público infantojuvenil, especialmente quando inseridos em territórios periféricos ou historicamente excluídos dos processos de produção científica.
Dessa forma, a sessão “Tape Porã” exemplifica uma prática concreta de educação não formal que une ciência, cultura e território. Ela revela o potencial dos museus como espaços de escuta e troca, onde a ciência pode ser ensinada sem apagar a diversidade de saberes existentes nas comunidades. A escolha de apresentar constelações indígenas no planetário rompe com a hegemonia das narrativas greco-romanas que tradicionalmente dominam esses espaços e oferece ao público a oportunidade de ver o céu sob uma nova perspectiva ou, para muitos, reencontrar um céu ancestral que havia sido silenciado.
Como apontam as considerações finais do trabalho, a experiência do “Tape Porã” poderá ser replicada e expandida, com o desenvolvimento de novas sessões que integrem outras cosmovisões indígenas, além da formação de professores e mediadores culturais capacitados para trabalhar essa abordagem. A proposta também reforça a importância de políticas públicas que valorizem práticas culturais e científicas de forma integrada, especialmente em regiões como a Baixada Fluminense. Ao promover uma divulgação científica sensível, plural e acessível, o projeto contribui para uma educação mais conectada com os desafios contemporâneos, abrindo caminho para uma ciência mais justa, diversa e enraizada nas realidades locais.