Clube da Física: Uma proposta didática para além da sala de aula.

Clube da Física: Uma proposta didática para além da sala de aula.

• Autor
• Manuelly Rayla de Morais Lacerda
• Co-autores
• Felipe Gomes Barbosa , Tallis da Silva Coelho , Micael Kaian Bezerra Nogueira , Diego Marceli Rocha
• Resumo

• INTRODUÇÃO: O cenário escolar atravessa mudanças substanciais e contínuas através do tempo, a fim de adequar-se às exigências de cada período e melhor capacitar discentes e docentes para lidar com essas adversidades (MEC, 2024). Dessa forma, aspira-se desenvolver estratégias pedagógicas e buscar meios que priorizem uma aprendizagem mais dinâmica, significativa e integrada. A metodologia por projeto visa engajar os discentes de maneira ativa e permitir-lhes desenvolver uma maior autonomia no processo de construção do conhecimento, mediante situações-problema que tangenciam suas vivências (PIETROCOLA, 2004). Tal enfoque, além da mera captura do interesse dos educandos, almeja promover a percepção da ressignificação dos conteúdos, bem como cultivar o olhar crítico frente à realidade.  Dessa forma, a referida abordagem de ensino visa integrar distintos campos do conhecimento, propiciando uma percepção abrangente e interdisciplinar. Isto posto, a análise das relações entre diversas áreas é explorada de modo mais orgânico, possibilitando a reflexão da natureza da produção científica. Fomenta-se a autonomia discente mediante o exercício de um papel mais ativo, bem como a percepção do professor como mediador do processo educativo, concedendo uma autonomia intelectual aos discentes e à educação, uma função emancipadora e transformadora do sujeito perante a sociedade (FREIRE, 2004). Evidenciamos uma discrepância entre a experiência dos estudantes com a Ciência e a Tecnologia no mundo real e a sua abordagem nas disciplinas escolares, sobretudo, da Física. Apesar do momento de eventos relevantes relacionados ao progresso científico e tecnológico, o ensino institucionalizado das Ciências não se adequa a esses debates. Como consequência, os docentes destacam, frequentemente, a desafiante ausência de motivação por parte dos alunos no processo de ensino e aprendizagem. (RICARDO, 2010). No que tange o ensino não convencional da Física, a transposição didática reveste-se de importância primordial para compreender o significado do conhecimento físico no cenário escolar contemporâneo. Ao estabelecer conexões entre os fundamentos físicos e as áreas de interesse dos estudantes, o professor se empenha em realizar uma didatização dos saberes que, se exitosa, pode aprofundar a compreensão das aplicações e implicações do saber científico. Tal perspectiva denota a conversão do conhecimento científico em um objeto de ensino acessível e significativo (CHEVALLARD, 1991). Assim, Ciência, Tecnologia e Sociedade interagem para permitir uma compreensão ampla e contextual da relação entre os avanços científicos, o desenvolvimento tecnológico e os impactos sociais decorrentes destes (BRASIL, 2002). Logo, problematização, contextualização e interdisciplinaridade encontram-se entrelaçadas, a fim de mesclar diversos elementos, conteúdos curriculares, experiências e realidades, possibilitando o melhor engajamento em sala de aula e contribuindo para um ambiente mais dinâmico e significativo. DESENVOLVIMENTO: A proposição do projeto de ensino em questão ocorreu no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) 22/24, subprojeto Física, do Centro de Formação de Professores da Universidade Federal de Campina Grande (CFP/UFCG). Objetivando buscar uma aproximação entre os saberes físicos concernentes à ondulatória, eletromagnetismo e termodinâmica, e o panorama contemporâneo, no qual os educandos estão imersos, bem como, o contexto sócio-histórico de tais descobertas. A iniciativa foi realizada pelo grupo acadêmico denominado Clube da Física, destinada às turmas do terceiro ano do Ensino Médio da Escola Cidadã Integral e Técnica Cristiano Cartaxo, localizada em Cajazeiras–PB. O desígnio inicial deste estudo foi instigar o desabrochar do interesse e da motivação dos estudantes para o estudo da Física, pretendendo não apenas a resolução de exercícios, a memorização e reprodução de conceitos, mas a ampliação das perspectivas do conhecimento científico. Para tanto, almejou-se incentivar a curiosidade e a criticidade acerca dos saberes físicos, trabalhados de maneira interdisciplinar e problematizada. O desenvolvimento do exposto constou com cinco encontros remotos entremeados por dois encontros presenciais. Durante essas sessões, os conceitos físicos foram abordados de forma não convencional, conforme sua cronologia histórica, juntamente à apresentação de suas descrições e descobertas, estabelecendo ligações com os produtos de suas aplicações e outras áreas da cultura humana, como a Literatura. Os encontros destinados ao estudo da Ondulatória foram conduzidos remotamente. Tal decisão decorreu da adesão massiva da turma de terceiro ano, cujo curso técnico versa sobre a Informática. Por conseguinte, aproveitou-se a oportunidade para investigar a natureza física e tecnológica do Wi-Fi, analisando suas características como onda eletromagnética. Ulteriormente, foram explorados os diversos tipos de onda e as aplicações tecnológicas dos fenômenos eletromagnéticos. Destaca-se que tal abordagem encontra consonância com a modalidade CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente), a qual objetiva integrar os conhecimentos científicos e tecnológicos com as dimensões sociais, culturais e ambientais, com vistas a promover uma compreensão interdisciplinar e contextualizada da Física (RICARDO, 2007). Utilizou-se a maquete da planta baixa de uma residência genérica para discutir acerca do melhor local para a instalação do modem de internet, pretendendo aproveitar melhor a rede em toda a morada. Os estudantes retomaram ideias apresentadas anteriormente acerca das ondas, sua natureza e propriedades, concluindo que a localização preferível para a instalação seria o centro do domicílio, aplicando suas próprias residências como exemplo. Além disso, desenvolveu-se a ideia de que, apesar de as ondas eletromagnéticas não necessitarem de um meio físico para se propagar, obstáculos físicos, como paredes e portas de metal, interferem na conexão à internet. No terceiro encontro, explorou-se a natureza eletromagnética da Ondulatória. A abordagem foi caracterizada por um enfoque histórico-cultural, tendo em vista delinear as interseções entre a Ciência, a cultura, as artes e a sociedade, destacando as repercussões de precedentes avanços científicos nos âmbitos cultural e social. Evocou-se a obra clássica da literatura contemporânea, o Magnum Opus considerado pioneiro da ficção científica, “Frankenstein” de Mary Shelley (1797–1851), para observar a evolução das ideias e interpretações acerca do eletromagnetismo. Uma vez que o romance relata a trajetória acadêmica de Victor Frankenstein e o clímax da obra se dá no capítulo V, quando o jovem consegue infundir vida num corpo construído por ele, tendo a intenção de ser o pai de uma nova raça, superior à humana (ANDREUZZI, 2019). O encontro seguinte abordou a evolução da internet e os progressos científico-tecnológicos baseados na Ondulatória e no Eletromagnetismo, com a melhoria da banda larga e suas contribuições sociais. Dessa forma, os estudantes tiveram a oportunidade de discutir uma perspectiva nova em relação à sua área de atuação. O último encontro remoto abordou a Termodinâmica no estudo da Astronomia, baseando-se na Ondulatória e no Eletromagnetismo para a construção de ferramentas e instrumentos contemporaneamente importantes. Ao fim da atividade proposta, foi feita uma relação com os fenômenos da Astronomia, abordando estrelas, em especial, o Sol. Concluindo esta iniciativa confeccionou-se um jogo de cartas intitulado Batalha Científica, onde se utilizou a jogabilidade do sistema Role-Playing Game (RPG) e Yu-Gi-Oh. Os alunos foram apresentados, em sala de aula, a uma situação lúdica em que figuras históricas que influenciaram os estudos de ondulatória, eletromagnetismo e termodinâmica detinham poderes relacionados às referidas áreas, utilizando-se de cartas-monstro com características semelhantes para derrotá-los. Monstros com atributos ondulatórios foram utilizados contra Michael Faraday (eletromagnético), já com poderes eletromagnéticos seguiram vantajosos contra Heinrich Hertz (ondulatório), enquanto o tipo termodinâmico contrastava positivamente a Gabriel Fahrenheit. DISCUSSÃO: De acordo com Ricardo (2007), afastar ferramentas que limitam a compreensão dos conceitos de uma área da Física e empregar metodologias que visam diminuir a distância entre os conceitos de uma área e o real, aparentou culminar na promoção do pensamento crítico, reflexão ética aprofundada e conscientização perscrutada dos efeitos multidimensionais da Ciência e tecnologia na sociedade, cultura, política e meio ambiente, fundamental no contexto atual. Uma vez que se faz necessário capacitar os estudantes para atuarem de forma responsável em um mundo marcado pela crescente complexidade tecnológica e pela interconexão global. Essa abordagem educacional aspirou preparar os discentes para lidar com os desafios surgidos nesse cenário e contribuir para a construção de um futuro que supere seus desafios. Ao propor uma abordagem da Física que foge da pressão escolar rotineira, onde os discentes se concentram apenas em obter aprovação, o estudo anelou fomentar a capacidade crítica e investigativa dos discentes. A análise literária evidenciou os efeitos desencadeados pelas inovações científicas nos campos da Física e da Ciência, não somente o impacto sobre a perspectiva dos fenômenos naturais e suas aplicações tecnológicas, demonstrando o potencial inspirador dessas descobertas na criação de histórias ficcionais que despertam um fascínio no imaginário coletivo e conquistam os leitores através da sua narrativa envolvente. Em consonância com as ideias de Ricardo (2007), a estratégia utilizada não fez com que o estudante trabalhasse mecanicamente questões e problemas físicos, pelo contrário, o foco foi demonstrar áreas da Física e gerar a curiosidade a partir de tecnologias e informações diretamente conectadas aos mesmos. Em todas as reuniões, adotou-se uma abordagem aberta em relação aos tópicos discutidos, uma vez que, ao reconhecer a sua condição como sujeito passível de indagações e disposto a aprender com os seus alunos, o educador assume a função de mediador do conhecimento, e não de detentor dele (FREIRE, 2004). Durante o desenvolvimento do projeto de ensino, notou-se maior engajamento e curiosidade por parte dos educandos, além da aplicação do conhecimento construído em encontros remotos e presenciais no produto, superando os obstáculos propostos no jogo. CONCLUSÕES: A abordagem baseada em projetos emerge como uma estratégia pedagógica pertinente no enfrentamento do atual contexto educacional. Ao enfatizar a relevância e aplicabilidade histórica dos conteúdos instruídos e empregar situações-problema concretas que refletem a realidade dos discentes, a abordagem dá ao saber institucionalizado proximidade com os mesmos. Tal modalidade de ensino mostrou ampliar a motivação e o engajamento dos educandos no processo de construção do saber, ao tornar os conhecimentos compreensíveis e tangíveis, permitindo-lhes utilizar a mestria em um instrumento para influenciar e modificar a própria realidade social na qual estão imersos. A análise dos desdobramentos evidenciou o impacto positivo dessa aplicação na interpretação dos conceitos fundamentais da Física, bem como na promoção do desenvolvimento do pensamento crítico e da capacidade de resolver problemas. Finalmente, este relato demonstra a relevância de metodologias educacionais inovadoras na disciplina de Física, especialmente em contextos técnicos, para desconstruir a percepção desta como um desafio de memorização e reprodução de conceitos.

  REFERÊNCIAS:

  ANDREUZZI, Thiago Leonello. Frankenstein e a construção de um mito moderno: manufaturando monstros a partir de corpos subjugados. 2019. 1 recurso online (123 p.) Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, SP. Disponível em: <https://hdl.handle.net/20.500.12733/1636381>. Acesso em: 06 mar. 2024.

  CHEVALLARD, Yves. La transposición didáctica: del saber sabio al saber enseñado. Buenos Aires: Aique Grupo Editor S. A., 1991.

  FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2004. 148p.

  MEC. 2024. Conheça a história da educação brasileira. Mec.gov.br. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/pet/33771-institucional/83591-conheca-a-evolucao-da-educacao-brasileira>. Acesso em: 21 mar. 2024.

  PIETROCOLA, M. Metodologia de Trabalho por projetos, Versão preliminar do texto presente na Obra: Água hoje e sempre: Consumo sustentável, Secretaria de Educação SP, 2004. Disponível em: <https://sites.usp.br/nupic/wp-content/uploads/sites/293/2016/05/Metodologia-de-Projetos.pdf>.

  RICADO, Elio Carlos. Educação CTSA: obstáculos e possibilidades para sua implementação no contexto escolar. Ciência & Ensino, vol. 1, n. especial, 2007. Disponível em: <https://fasam.edu.br/wp-content/uploads/2020/07/Educação-CTSA.pdf>. Acesso em 4 mar. 2024.

  RICARDO, Elio Carlos. Problematização e Contextualização no Ensino de Física. In: Anna Maria Pessoa de Carvalho. (Org.). Ensino de Física (Coleção Ideias em Ação). 1ed. São Paulo: Cengage Learning, 2010, p. 29-51.

   

  SHELLEY, Mary Wollstonecraft. Frankenstein. Tradução de Márcia Xavier de Brito e Carlos Primati. Rio de Janeiro: DarkSide Books, 2017.

• Palavras-chave
• Clube da Física, PIBID, integração, ondulatória, eletromagnetismo, termodinâmica
• Modalidade
• Comunicação oral
• Área Temática
• Física, Ensino de Física e Tecnologias Aplicadas