É comum que crianças surdas sejam filhas de pais ouvintes e convivam na maioria de seu tempo com os mesmos. A falta de conhecimento ou de contato com uma língua de sinais institucionalizada faz com que a família desenvolva meios para se comunicar com a criança surda, podendo emergir dessa comunicação o que chamamos no campo linguístico de sinais caseiros ou língua de sinais emergente (De vos e Pfau, 2015). Os sinais caseiros/emergentes são comuns também em comunidades mais afastadas do centros urbanos, onde os surdos lá residentes não tiveram contato com a libras por diversos fatores, como por exemplo, a Cena (Almeida-Silva e Nevins, 2020), língua de sinais emergente da comunidade surda de Várzea Queimada (PI). Direcionando nosso foco para as línguas de sinais caseiras produzidas em comunidades familiares, encontramos uma família de surdos em Buriti dos Lopes - PI que utiliza seu próprio sistema linguístico manual-visual pois nunca aprenderam a língua de sinais institucionalizada no Brasil (Libras), sendo esse sistema linguístico caseiro o objeto de estudo e interesse desta pesquisa. A família composta por dois irmãos surdos e uma irmã surdo-cega desenvolveu um sistema linguístico visual utilizado por eles no dia-a-dia e além de desenvolverem, precisaram também adaptar o sistema de forma tátil, para que a irmã, antes surda e agora surdo-cega, conseguisse continuar se comunicando com os irmãos. Por não terem recebido o input linguístico de qualquer outra língua, esse sistema torna-se extremamente relevante pela naturalidade dos fatos, nos dando a possibilidade para análise desse sistema em diversos níveis (fonológico, morfológico e sintático) e suas modalidades (oral, visual e tátil), visto que seria inviável projetar esse acontecimento de forma controlada em laboratório devido às restrições éticas.
Langendoen (1978) inicia seus estudos com foco nas construções recíprocas em línguas orais, apontando a dificuldade nas análises desse tipo de construção devido às diferentes estratégias encontradas para construir reciprocidade em uma língua oral. Lichtenberk (1985) deixa claro a existência dessas estratégias e as nomeia, conceituando construções recíprocas como meios linguísticos específicos para codificar situações recíprocas. Também presentes nas línguas de sinais, as construções recíprocas vem tornando-se alvo de pesquisas que comprovam sua presença nas duas modalidades de língua. Figueiredo (2024) investiga as construções recíprocas na Libras e propõe que os verbos recíprocos nessa língua de sinais apresentam como característica a bimanualidade, ou seja, todos os sinais recíprocos em libras são realizados com as duas mãos do sinalizante e identifica também padrões de movimentos, definidos pela autora como movimento simples (ou repetitivo) e movimento alternado. Pesquisas anteriores realizadas por Gleitman et al. (2019) e Ergin et al. (2020) revelam a presença de construções recíprocas em línguas de sinais caseiras/emergentes. A partir desses estudos, temos como objetivo geral identificar construções recíprocas presentes no sistema linguístico da família surda de Buriti dos Lopes - PI, tendo também como objetivos específicos: i. analisar o corpus já registrado em formato de vídeo, a fim de identificar essas construções no diálogo natural dos usuários desse sistema, a transcrição do conteúdo do corpus com o auxílio do ELAN e do SignWriting; ii. identificar se as construções recíprocas são bimanuais desde o início (origem) dos sistemas linguísticos e por fim iii. identificar quais estratégias recíprocas são utilizadas para construir as estruturas que causam reciprocidade dentro do sistema linguístico. De abordagem quanti-qualitativa, essa pesquisa visa também gerar conhecimentos científicos para avanço da linguística, mas especificamente nas línguas de sinais. O corpus com os dados da referida família contém mais ou menos 1 hora de gravações em que os membros da família surda de Buriti dos Lopes (PI) se comunicam de forma natural e espontânea.
Resultados parciais: Através das análises realizadas no corpus até o então momento, conseguimos identificar 4 verbos recíprocos, sendo eles ABRAÇAR, CASAR, NAMORAR E SEPARAR-DIVORCIAR, no sistema linguístico utilizado pela família surda de Buriti dos Lopes (PI), em que todos são realizados por movimento simples, mas nem todos são inerentemente bimanuais, como propõe Figueiredo (2024) para a libras. Portanto, podemos concluir que sinais recíprocos não são necessariamente bimanuais desde de sua origem, podendo vir a ser com o tempo, avanço e refinamento do sistema linguístico. Algo que ainda precisa ser debatido com mais vagar.
Comissão Organizadora
Dr. Humberto Meira de Araujo Neto (UFAL)
Dr. Jair Barbosa da Silva (UFAL)
Dr. Alexandre Melo de Souza (UFAL)
Dr. Nágib José Mendes dos Santos (UFAL)
Dr. Paulo Rogério Stella (UFAL)
Me. Thiago Bruno de Souza Santos (UFAL)
Comissão Científica
Dr. Alexandre Melo de Souza (UFAL)
Dr. Anderson Almeida da Silva (UFPE)
Dr. Bruno Gonçalves Carneiro (UFT)
Dra. Camila Tavares Leite (UFU)
Dr. Charley Pereira Soares (UFMG)
Dra. Dayane Celestino de Almeida (Unicamp)
Dr. Guilherme Lourenço de Souza (UFMG)
Dr. Humberto Meira de Araujo Neto (UFAL)
Dr. Jair Barbosa da Silva (UFAL)
Dra. Lígia dos Santos Ferreira (UFAL)
Dra. Lorena Araújo de Oliveira Borges (UFAL)
Dra. Miriam Royer (UFCA)
Dr. Nágib José Mendes dos Santos (UFAL)
Dr. Paulo Rogério Stella (UFAL)
Dra. Rita de Cássia Souto Maior Siqueira Lima (UFAL)
congressointernellis@gmail.com
Publicação dos anais do II Congresso Internacional de Estudos em Linguística de Línguas de Sinais | Internellis - celebrando os 10 anos do curso de Letras-Libras da UFAL.
ISBN: 978-65-01-25702-0