Conquistas nos cenários institucionais brasileiro, como a aprovação da Lei 10.436 de 2002, que reconhece a Libras como língua e o Decreto 5.626, de 2005, que dentre outras providências, determina a inserção desta língua como disciplina em cursos superiores, e a recente aprovação da Lei 14.191/21, que determina a educação bilíngue como modalidade de ensino na educação de surdos, marcam as últimas décadas (BRASIL, 2005; BRASIL, 2002; BRASIL, 2021). Apesar desses avanços e do lugar de visibilidade ocupado pela Libras no cenário social e acadêmico, as relações comunicativas entre mães ouvintes e filhos surdos parecem permanecer no que Solé (2005, p. 59) chama de ‘estrangeiridade’, “na qual não há uma língua comum que possa mediar essa relação”.
Diante dessa “estrangeiridade” nos perguntamos o que as mães ouvintes têm a dizer sobre a relação comunicativa com seus filhos surdos. Realizamos, então, no Programa de Pós-graduação em Psicologia (UFAL), uma pesquisa do tipo estudo de casos, de natureza idiográfica (VALSINER, 2012). Cujo objetivo geral foi investigar processos comunicativos emergentes a partir de histórias contadas por mães ouvintes não fluentes em Libras, sobre sua relação com um filho surdo. E os objetivos específicos foram: destacar estratégias comunicativas utilizadas pelas mães na ausência da Libras. Destacar processos nas narrativas das mães implicados na relação entre comunicação e desenvolvimento de Surdos. Salientamos que, aqui nos ocuparemos em apresentar apenas um recorte dos resultados gerais da pesquisa, no qual evidenciamos o percurso evolutivo das estratégias comunicativas utilizadas pelas mães ouvintes.
No nosso desenho metodológico, trabalhamos com narrativas autobiográficas (BRUNER, 2004), enquanto instrumento teórico e metodológico da Psicologia Cultural (VALSINER, 2012) que viabilizou a análise de significados historicamente construídos pelos narradores. Participaram da pesquisa três mães ouvintes não fluentes em Libras, que têm um filho surdo em atendimento em um Centro de Capacitação de Profissionais de Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez – CAS. Para fomentar as narrativas autobiográficas foram realizadas de forma individual cinco entrevistas episódicas (FLICK, 2009), para focalizar experiências passadas, atuais e expectativas futuras da relação comunicativa das mães participantes com seu filho surdo. Ao fim da etapa das entrevistas, reunimos um total de quinze histórias (narrativas autobiográficas), cinco de cada mãe: duas no passado, duas no presente e uma no futuro. Efetivamente, as narrativas foram analisadas a partir dos procedimentos (decisões) descritos abaixo:
1) Releitura da transcrição das entrevistas após sua transformação em formato de histórias. A releitura foi conduzida sem parâmetros a priori, para favorecer a captura de processos próprios da história de cada participante. Com esse procedimento exercemos pressupostos de uma perspectiva idiográfica da pesquisa científica no campo da Psicologia, que se refere à configuração singular das informações analisadas. Além disso, exercemos também funções descritas no ciclo epistêmico ou ciclo metodológico (VALSINER, 2012), relacionadas com o papel ativo da intuição e conhecimentos prévios do pesquisador.
2) Seleção de trechos nos quais às mães se referiam ao processo de comunicação. Como critério para essa seleção, observamos, primeiramente o uso da palavra comunicação. Mas não limitamos a seleção à presença dessa palavra; consideramos também, para seleção desses trechos, situações nas quais observamos que a mãe se referia, como sentido, à comunicação, à interação ou às formas de falar e escutar o filho.
3) Através desses trechos, observamos o uso de estratégias comunicativas e sua evolução ao longo da história narrada pelas mães. Construímos, então, figuras (1, 2 e 3) nas quais nomeamos as estratégias e indicamos os trechos correspondentes nas narrativas que ilustram o uso das diferentes estratégias.
4) Análise da evolução no uso das estratégias, na medida em que também destacamos as transformações/negociação de sentidos das mães acerca da comunicação com seu filho surdo. Isto é, relacionamos, analiticamente, a evolução/diferenciação no uso de estratégias comunicativas à negociação de sentidos das mães acerca da comunicação com o filho surdo; além disso, discutimos a relação entre a variação no uso de estratégia e a mudança na forma de pensar sobre a comunicação com o filho surdo.
Na análise das narrativas apontamos características da relação comunicativa entre mãe e filho, a partir do percurso das estratégias comunicativas utilizadas por cada mãe e confirmamos a hipótese do lugar constitutivo que a Libras ocupa no desenvolvimento de Surdos, mediante dialogo com os postulados teóricos de Vygotsky (2008; 2010).
Diante dos resultados obtidos na pesquisa, defendemos que a Libras precisa atravessar os corpos maternos ouvintes, de maneira que ela se torne o elo mediador na relação comunicativa entre mães ouvintes e filhos surdos sinalizadores.
Comissão Organizadora
Dr. Humberto Meira de Araujo Neto (UFAL)
Dr. Jair Barbosa da Silva (UFAL)
Dr. Alexandre Melo de Souza (UFAL)
Dr. Nágib José Mendes dos Santos (UFAL)
Dr. Paulo Rogério Stella (UFAL)
Me. Thiago Bruno de Souza Santos (UFAL)
Comissão Científica
Dr. Alexandre Melo de Souza (UFAL)
Dr. Anderson Almeida da Silva (UFPE)
Dr. Bruno Gonçalves Carneiro (UFT)
Dra. Camila Tavares Leite (UFU)
Dr. Charley Pereira Soares (UFMG)
Dra. Dayane Celestino de Almeida (Unicamp)
Dr. Guilherme Lourenço de Souza (UFMG)
Dr. Humberto Meira de Araujo Neto (UFAL)
Dr. Jair Barbosa da Silva (UFAL)
Dra. Lígia dos Santos Ferreira (UFAL)
Dra. Lorena Araújo de Oliveira Borges (UFAL)
Dra. Miriam Royer (UFCA)
Dr. Nágib José Mendes dos Santos (UFAL)
Dr. Paulo Rogério Stella (UFAL)
Dra. Rita de Cássia Souto Maior Siqueira Lima (UFAL)
congressointernellis@gmail.com
Publicação dos anais do II Congresso Internacional de Estudos em Linguística de Línguas de Sinais | Internellis - celebrando os 10 anos do curso de Letras-Libras da UFAL.
ISBN: 978-65-01-25702-0