A investigação sobre qual ou quais idiomas possuem o status de língua oficial demanda uma análise dos efeitos de sentido dessa expressão, tarefa que é fundamental para a compreensão das implicações sociopolíticas relacionadas ao tratamento jurídico direcionado às línguas no território brasileiro. O Brasil, país continental e heterogêneo em seu aspecto populacional e cultural, apresenta grupos sociais diversos, de modo que, na sociedade, coexistem falantes de línguas distintas. Entre esses sujeitos, situa-se a população usuária da Língua Brasileira de Sinais - Libras, que não vive isolada, convive em espaços sociais, comerciais, educacionais e políticos. Este artigo tem como objetivo geral observar as implicações do posicionamento jurídico da Libras sobre o currículo da educação básica brasileira. Para atingir esse propósito, a pesquisa busca avaliar o posicionamento desse idioma frente ao contexto social, político e jurídico atual, com vistas a averiguar sua relação com a Língua Portuguesa e analisar a propriedade da afirmação de que aquela, assim como esta, se classifica como língua oficial do Estado. Para atingir o escopo, utilizou-se a pesquisa qualitativa de natureza exploratória, documental e bibliográfica, a partir da coleta de dados em instrumentos normativos que tratam do caráter jurídico, político e social das línguas; bem como em produções acadêmicas e científicas fundamentadas na análise do discurso materialista. A concepção de pessoa surda adotada neste trabalho parte das contribuições de Skliar (1998) e Klein e Formozo (2009), alinhando-se à perspectiva sócio-antropológica da surdez, a qual compreende o sujeito surdo a partir do discurso da diferença cultural. Entende-se, consoante Pêcheux (1988), que a Libras configura-se como um elemento de constituição e estruturação do sujeito surdo. Um idioma oficial é aquele adotado por um Estado para utilização em seus atos legais e formais, ainda que existam outras línguas no país, de modo que a língua oficial é elevada, por uma decisão política, a uma posição de poder, impondo-se necessariamente sobre outras em contextos públicos institucionais (Guimarães, 2005). A Constituição Federal de 1988 reconhece a Língua Portuguesa como o idioma oficial do Estado brasileiro, tratamento jurídico que não foi o mesmo com relação à Libras. Nem a Constituição Federal nem a Lei 10.436/2002 elevam-na a esse patamar, estabelecendo-se uma situação de ausência de clareza normativa que ocasiona ruídos na comunicação do Estado para com a sociedade a respeito do lugar – e do (não) lugar, conforme Abreu (2018) – ocupado pela Libras no país. É possível identificar discursos divergentes proferidos por várias instituições públicas e privadas, inclusive, relacionadas à educação e à comunicação massiva, de modo que ora a Libras é enunciada como um idioma oficial, ora se lhe nega esse estatuto jurídico. Essa conjuntura produz efeitos de sentido e determinações políticas, históricas e culturais relacionadas a uma posição de desigualdade entre as línguas e no tratamento aos direitos de surdos e ouvintes, questão que pode ser percebida também quando da análise da estrutura da educação básica preconizada pela Base Nacional Comum Curricular – BNCC, que, a despeito de afirmar expressamente ser a Libras um idioma oficializado pela Lei 10.436/2002, não a inclui como um componente curricular da área de Linguagens – ou de qualquer outra –, nem determina a obrigatoriedade de seu ensino, como o faz com o Português e até mesmo com Inglês, um idioma estrangeiro. Na BNCC, em cinco ocasiões, em discursos bem semelhantes, o caráter de língua atinente à Libras chega a ser destituído, uma vez que o documento a insere no rol das linguagens, caracterizando-a como uma linguagem verbal visual-motora. Em relação à Língua Brasileira de Sinais, reconhece-se, pois, a partir das contribuições de Orlandi (2007), a presença de um silêncio significante e de uma incompletude no currículo da educação básica, cuja consequência consiste na produção de posições-sujeito que restringem a comunidade surda (sujeitos surdos e seus familiares, professores de Libras e tradutores e intérpretes de Libras e Português) a um patamar de invisibilidade e silenciamento. Desse modo, evidencia-se a importância de desmascarar a relação conflituosa de poder, a predominância e a valorização do Português em detrimento da Libras no ordenamento jurídico brasileiro, com vistas ao desenvolvimento e à aplicação de políticas linguísticas que atendam aos direitos linguísticos, políticos e educacionais da comunidade surda no país. Ressalta-se que este artigo não nega a possibilidade e a necessidade de que a Libras seja reconhecida, de fato e de direito, como outra língua oficial do Brasil. Contudo, para que esse patamar seja alcançado, é preciso que haja mudanças concretas e estruturais no funcionamento da política, educação e relações sociais no país.
Comissão Organizadora
Dr. Humberto Meira de Araujo Neto (UFAL)
Dr. Jair Barbosa da Silva (UFAL)
Dr. Alexandre Melo de Souza (UFAL)
Dr. Nágib José Mendes dos Santos (UFAL)
Dr. Paulo Rogério Stella (UFAL)
Me. Thiago Bruno de Souza Santos (UFAL)
Comissão Científica
Dr. Alexandre Melo de Souza (UFAL)
Dr. Anderson Almeida da Silva (UFPE)
Dr. Bruno Gonçalves Carneiro (UFT)
Dra. Camila Tavares Leite (UFU)
Dr. Charley Pereira Soares (UFMG)
Dra. Dayane Celestino de Almeida (Unicamp)
Dr. Guilherme Lourenço de Souza (UFMG)
Dr. Humberto Meira de Araujo Neto (UFAL)
Dr. Jair Barbosa da Silva (UFAL)
Dra. Lígia dos Santos Ferreira (UFAL)
Dra. Lorena Araújo de Oliveira Borges (UFAL)
Dra. Miriam Royer (UFCA)
Dr. Nágib José Mendes dos Santos (UFAL)
Dr. Paulo Rogério Stella (UFAL)
Dra. Rita de Cássia Souto Maior Siqueira Lima (UFAL)
congressointernellis@gmail.com
Publicação dos anais do II Congresso Internacional de Estudos em Linguística de Línguas de Sinais | Internellis - celebrando os 10 anos do curso de Letras-Libras da UFAL.
ISBN: 978-65-01-25702-0