O (NÃO) RECONHECIMENTO DA LIBRAS COMO LÍNGUA OFICIAL DO BRASIL PELA LEI 10.436/2002: IMPLICAÇÕES SOBRE O CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

  • Autor
  • Larissa da Motta Xavier
  • Co-autores
  • Taciana Gacelin-Oliveira
  • Resumo
  •  

    A investigação sobre qual ou quais idiomas possuem o status de língua oficial demanda uma análise dos efeitos de sentido dessa expressão, tarefa que é fundamental para a compreensão das implicações sociopolíticas relacionadas ao tratamento jurídico direcionado às línguas no território brasileiro. O Brasil, país continental e heterogêneo em seu aspecto populacional e cultural, apresenta grupos sociais diversos, de modo que, na sociedade, coexistem falantes de línguas distintas. Entre esses sujeitos, situa-se a população usuária da Língua Brasileira de Sinais - Libras, que não vive isolada, convive em espaços sociais, comerciais, educacionais e políticos. Este artigo tem como objetivo geral observar as implicações do posicionamento jurídico da Libras sobre o currículo da educação básica brasileira. Para atingir esse propósito, a pesquisa busca avaliar o posicionamento desse idioma frente ao contexto social, político e jurídico atual, com vistas a averiguar sua relação com a Língua Portuguesa e analisar a propriedade da afirmação de que aquela, assim como esta, se classifica como língua oficial do Estado. Para atingir o escopo, utilizou-se a pesquisa qualitativa de natureza exploratória, documental e bibliográfica, a partir da coleta de dados em instrumentos normativos que tratam do caráter jurídico, político e social das línguas; bem como em produções acadêmicas e científicas fundamentadas na análise do discurso materialista. A concepção de pessoa surda adotada neste trabalho parte das contribuições de Skliar (1998) e Klein e Formozo (2009), alinhando-se à perspectiva sócio-antropológica da surdez, a qual compreende o sujeito surdo a partir do discurso da diferença cultural. Entende-se, consoante Pêcheux (1988), que a Libras configura-se como um elemento de constituição e estruturação do sujeito surdo. Um idioma oficial é aquele adotado por um Estado para utilização em seus atos legais e formais, ainda que existam outras línguas no país, de modo que a língua oficial é elevada, por uma decisão política, a uma posição de poder, impondo-se necessariamente sobre outras em contextos públicos institucionais (Guimarães, 2005). A Constituição Federal de 1988 reconhece a Língua Portuguesa como o idioma oficial do Estado brasileiro, tratamento jurídico que não foi o mesmo com relação à Libras. Nem a Constituição Federal nem a Lei 10.436/2002 elevam-na a esse patamar, estabelecendo-se uma situação de ausência de clareza normativa que ocasiona ruídos na comunicação do Estado para com a sociedade a respeito do lugar – e do (não) lugar, conforme Abreu (2018) – ocupado pela Libras no país. É possível identificar discursos divergentes proferidos por várias instituições públicas e privadas, inclusive, relacionadas à educação e à comunicação massiva, de modo que ora a Libras é enunciada como um idioma oficial, ora se lhe nega esse estatuto jurídico. Essa conjuntura produz efeitos de sentido e determinações políticas, históricas e culturais relacionadas a uma posição de desigualdade entre as línguas e no tratamento aos direitos de surdos e ouvintes, questão que pode ser percebida também quando da análise da estrutura da educação básica preconizada pela Base Nacional Comum Curricular – BNCC, que, a despeito de afirmar expressamente ser a Libras um idioma oficializado pela Lei 10.436/2002, não a inclui como um componente curricular da área de Linguagens – ou de qualquer outra –, nem determina a obrigatoriedade de seu ensino, como o faz com o Português e até mesmo com Inglês, um idioma estrangeiro. Na BNCC, em cinco ocasiões, em discursos bem semelhantes, o caráter de língua atinente à Libras chega a ser destituído, uma vez que o documento a insere no rol das linguagens, caracterizando-a como uma linguagem verbal visual-motora. Em relação à Língua Brasileira de Sinais, reconhece-se, pois, a partir das contribuições de Orlandi (2007), a presença de um silêncio significante e de uma incompletude no currículo da educação básica, cuja consequência consiste na produção de posições-sujeito que restringem a comunidade surda (sujeitos surdos e seus familiares, professores de Libras e tradutores e intérpretes de Libras e Português) a um patamar de invisibilidade e silenciamento. Desse modo, evidencia-se a importância de desmascarar a relação conflituosa de poder, a predominância e a valorização do Português em detrimento da Libras no ordenamento jurídico brasileiro, com vistas ao desenvolvimento e à aplicação de políticas linguísticas que atendam aos direitos linguísticos, políticos e educacionais da comunidade surda no país. Ressalta-se que este artigo não nega a possibilidade e a necessidade de que a Libras seja reconhecida, de fato e de direito, como outra língua oficial do Brasil. Contudo, para que esse patamar seja alcançado, é preciso que haja mudanças concretas e estruturais no funcionamento da política, educação e relações sociais no país.

  • Palavras-chave
  • Língua oficial, Língua Brasileira de Sinais, Currículo.
  • Modalidade
  • Comunicação oral
  • Área Temática
  • Políticas linguísticas e currículo
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