A crescente intensidade e imprevisibilidade dos eventos climáticos na Amazônia, como a seca extrema de 2023, expõem a vulnerabilidade das populações ribeirinhas e indígenas que vivem às margens dos rios. Na comunidade São João (RDS Tupé), o Rio Negro recuou a níveis alarmantes, convertendo o leito em extensas áreas de areia e lamaçal, o que dificultou o deslocamento e o transporte de água, alimentos e outros suprimentos essenciais, isolando famílias inteiras. Este cenário de crise socioambiental impactou diretamente a rotina da Escola Municipal São João, forçando a abreviação do calendário escolar e prejudicando o processo de ensino-aprendizagem. Em resposta a esta realidade, o projeto "Observatório da Estiagem" foi concebido como uma iniciativa pedagógica para transformar os alunos em protagonistas na busca por soluções. O objetivo do projeto foi orientar alunos pesquisadores da educação básica – de etnias como Desano, Tucano, Tatuyo e Tuiuca – a monitorar os componentes físicos e naturais (temperatura, nível da água, precipitação) durante a estiagem, utilizando uma abordagem que integra tecnologias de baixo custo, tecnologias sociais e o diálogo com os saberes tradicionais para gerar dados relevantes para a comunidade. A metodologia consistiu em uma imersão completa no fazer científico, fundamentada no tripé conceitual da ciência cidadã, que envolve a participação ativa dos alunos na coleta e análise de dados; da educação ambiental crítica, que promove a reflexão sobre as causas e consequências dos problemas; e da etnociência, que integra dados técnicos às percepções e saberes da comunidade . Por meio de oficinas, os alunos aprenderam a construir um sistema de monitoramento com tecnologias convencionais (sensor ultrassônico HC-SR04) e tecnologias sociais (pluviômetros e réguas linimétricas artesanais). A coleta diária de dados foi complementada por entrevistas com moradores mais experientes. As informações foram tabuladas, comparadas com dados do INMET e disseminadas na comunidade por meio de redes sociais. Os impactos foram multifacetados. No âmbito pedagógico e social, o principal resultado foi a formação de jovens pesquisadores, que desenvolveram pensamento crítico e habilidades de comunicação científica para se tornarem protagonistas na gestão de seu próprio território. O diálogo intergeracional fortaleceu a identidade cultural e os laços entre escola e comunidade. No âmbito científico e tecnológico, o projeto deixou um legado concreto: o observatório da estiagem, um sistema de monitoramento funcional que produziu dados microclimáticos inéditos e desmistificou a tecnologia, mostrando ser possível construir soluções para problemas reais com recursos simples. Em conclusão, o observatório da estiagem demonstrou ser um modelo educacional replicável e de alto impacto, capaz de empoderar comunidades, gerar conhecimento localmente relevante e fortalecer a resiliência socioambiental na Amazônia através da educação científica e do diálogo de saberes.
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