Introdução
O agravamento das mudanças climáticas, aliado à crescente pressão por fontes energéticas sustentáveis, evidencia a urgência na busca por alternativas ao uso intensivo de combustíveis fósseis. Nesse cenário, os biocombustíveis - como o biodiesel - ganham relevância como soluções viáveis e sustentáveis, sobretudo em países como o Brasil, cuja matriz energética já possui uma base renovável significativa. Contudo, culturas tradicionais como a soja e o dendê enfrentam limitações produtivas devido à escassez hídrica e vulnerabilidade climática. Diante disso, espécies adaptadas a regiões secas, como a palmeira Acrocomia totai (bocaiúva), surgem como alternativas promissoras, com produtividade de óleo que pode superar significativamente a de outras oleaginosas.
Apesar dessas características agronômicas e ecológicas vantajosas, a propagação tradicional de A. totai ainda enfrenta entraves. Suas sementes apresentam dormência prolongada, com taxas de germinação baixas, irregulares e lentas. Além disso, altas taxas de polinização cruzada dificultam a obtenção de populações geneticamente homogêneas, limitando o melhoramento e o cultivo comercial da espécie. Não somente, a ausência de meristemas axilares bem definidos e o longo período juvenil dificultam a adoção de estratégias convencionais de propagação em larga escala.
Neste contexto, micropropagação via cultura de tecidos vegetais surge como uma alternativa promissora para superar tais desafios. Essa técnica permite a multiplicação clonal de genótipos superiores de forma rápida, em ambiente controlado e com garantia de uniformidade genética e sanitária. O processo de cultura de tecidos é composto por etapas sucessivas — coleta do explante, desinfestação, introdução em meio de cultura, multiplicação, enraizamento e aclimatação —, sendo que o sucesso do protocolo depende de variáveis como a origem do explante, os agentes de assepsia e os reguladores de crescimento utilizados.
Contudo, não existem protocolos de micropropagação estabelecidos para A. totai, e métodos desenvolvidos para outras palmeiras utilizam o meristema apical caulinar (palmito), um procedimento letal para a planta matriz. Este projeto propõe uma abordagem inovadora e não destrutiva: a utilização do meristema apical radicular como explante. Este tecido, de intensa atividade mitótica e totipotência, pode ser acessado de forma menos destrutiva, tornando-se uma alternativa promissora ainda não explorada na literatura científica.
Paralelamente, uma etapa crítica para o sucesso da cultura de tecidos vegetais é o estabelecimento de um protocolo eficiente de desinfestação dos explantes, pois, especialmente quando se trata de raízes, que estão naturalmente expostas a grande quantidade de microrganismos do solo. A presença de fungos e bactérias pode comprometer todo o processo de regeneração in vitro, tornando essencial o desenvolvimento de protocolos eficientes e específicos para a desinfestação de raízes de A. totai.
Este projeto, portanto, posiciona-se na interface entre a fisiologia vegetal e a biologia molecular. O objetivo primário é estabelecer um protocolo de regeneração in vitro a partir de um explante inovador. O objetivo secundário, que confere robustez molecular ao estudo, é validar a fidelidade genética dos clones regenerados em relação à planta matriz, utilizando marcadores moleculares de DNA. Essa validação é crucial para garantir que o processo de cultura in vitro não induziu variações somaclonais, assegurando a entrega de material propagativo geneticamente idêntico ao genótipo superior selecionado.
Metodologia
O projeto será desenvolvido ao longo de 12 meses, com as seguintes etapas:
Meses 1-3: Seleção e coleta do material vegetal. As raízes e sementes de A. totai serão coletadas por meio de expedições em áreas de ocorrência natural no Mato Grosso do Sul e em acessos do Instituto Agronômico de Campinas (IAC).
Meses 1-4: Etapa de desinfestação do material vegetal coletado. A esterilização será realizada com etanol 70% por 3 minutos, seguida de imersão em solução de hipoclorito de sódio por 20 minutos e três lavagens subsequentes com água destilada estéril. Serão testadas variações no tempo de exposição aos desinfetantes para otimização do protocolo.
Meses 4-10: Estabelecimento e multiplicação in vitro. Os explantes desinfestados serão inoculados em meio MS (Murashige e Skoog, 1962) com metade da concentração de sais (MS ½), suplementado com sacarose 3%, BAP (0,5 a 1,5 ?M) e 2,4-D (0,5 a 1,5 ?M), com ou sem solidificação em ágar 0,7%. As culturas serão mantidas no escuro por 30 dias e, posteriormente, sob luz. Subcultivos ocorrerão a cada 20 dias, totalizando três ciclos. Ao final de 80 dias, serão avaliadas as seguintes variáveis: porcentagem de oxidação, formação de calo, formação de brotações e número médio de brotos por explante.
Meses 11-12: Manutenção das plantas formadas e preparação para etapas futuras de regeneração e aclimatação. Paralelamente, será executada a etapa de validação molecular:
Extração de DNA: O DNA genômico será extraído de amostras de folhas da planta matriz original e de folhas de múltiplos clones regenerados in vitro.
Seleção de Marcadores: Serão utilizados marcadores moleculares microssatélites (SSR – Simple Sequence Repeats), conhecidos por seu alto polimorfismo e eficácia na identificação de genótipos. Serão selecionados iniciadores (primers) de SSR já descritos na literatura para o gênero Acrocomia ou para a família Arecaceae.
Reação em Cadeia da Polimerase (PCR): O DNA extraído será submetido à amplificação via PCR utilizando os primers de SSR selecionados.
Análise dos Fragmentos: Os produtos da PCR serão separados por eletroforese em gel e os perfis de bandas gerados pelos clones serão comparados diretamente com o perfil da planta matriz. Um perfil idêntico confirmará a fidelidade clonal.
Resultados Esperados
Espera-se que este projeto resulte em um protocolo inicial reprodutível para o cultivo in vitro de A. totai, com a definição de um método eficaz de desinfestação de raízes e a validação do uso do meristema apical radicular como explante viável e não destrutivo. A obtenção de brotações a partir desse tecido representará um avanço metodológico importante, com potencial aplicação para outras palmeiras nativas.
Ao final do projeto, pretende-se disponibilizar um protocolo que possa ser escalonado e integrado a iniciativas de propagação massiva da espécie, contribuindo para a estruturação de cadeias produtivas sustentáveis baseadas na macaúba. Os impactos potenciais incluem a ampliação da oferta de matéria-prima para a produção de biocombustíveis, o fortalecimento da bioeconomia em regiões do Cerrado e o incentivo à conservação de espécies nativas por meio de práticas tecnológicas inovadoras e sustentáveis.
Comissão Organizadora
Estudantes de biologia da Universidade Estadual de Campinas.
Em caso de dúvida, envie um email para contato@caeb.com.br