Introdução: O glaucoma é a principal causa de cegueira irreversível no mundo, acometendo aproximadamente 70 milhões de pessoas. Dentre seus diversos subtipos, o glaucoma primário de ângulo fechado (GPAF), que corresponde a aproximadamente 26% dos casos, representa uma forma importante e relativamente comum, caracterizada pelo contato entre a íris periférica e a malha trabecular e consequente estreitamento do ângulo da câmara anterior, o que obstrui o escoamento do humor aquoso e resulta no aumento da pressão intraocular (PIO). Tal aumento é um fator central na progressão da doença e na perda gradual da visão. Outros fatores contribuem para o desenvolvimento do GPAF, onde se destaca a herdabilidade de ângulos estreitos, fator anatômico frequentemente observado em familiares de pacientes com GPAF. Estudos indicam que parentes de primeiro grau têm quase 50% de chance de ter ângulos mais estreitos e são cerca de sete vezes mais propensos a desenvolver GPAF do que a população geral. Com o avanço das técnicas genômicas, diversas estratégias têm sido aplicadas para a identificação de genes associados ao GPAF. Os estudos de genes candidatos já avaliaram mais de 50 genes, porém, a replicação dos achados em diferentes populações permanece limitada. Por sua vez, estudos de associação genômica ampla (GWAS) têm demonstrado maior robustez e, até o momento, foram identificados pelo menos oito loci significativamente associados ao GPAF. Embora menos frequentes na literatura, estudos baseados no sequenciamento de exomas vêm ganhando destaque, pois possibilitam a identificação de variantes raras com potencial papel funcional, tanto em genes previamente conhecidos, quanto em novos genes ainda não associados à fisiopatologia do glaucoma. Os avanços nesses métodos têm contribuído significativamente para a compreensão dos mecanismos genéticos envolvidos no GPAF, possibilitando novas perspectivas para o diagnóstico precoce, estratificação de risco e desenvolvimento de terapias mais específicas. No entanto, grande parte dos estudos até o momento foi realizada em populações asiáticas, onde o GPAF é mais prevalente, e europeias, havendo uma lacuna importante de dados genéticos em populações latino-americanas e miscigenadas, como a brasileira. Objetivo: Este estudo foi conduzido com o objetivo de investigar variantes genéticas potencialmente associadas ao glaucoma primário de ângulo fechado (GPAF) em indivíduos pertencentes a duas famílias brasileiras com histórico da doença. Foram avaliados oito indivíduos, sendo quatro de cada família (família A e família B). Métodos: Na família A, participaram um pai e um filho afetados, e na família B, uma mãe e uma filha afetadas. Ambos os núcleos familiares contavam ainda com dois indivíduos não afetados. As amostras de DNA genômico foram extraídas a partir de sangue periférico e submetidas ao sequenciamento de exomas. Após o sequenciamento, os arquivos brutos foram submetidos a uma triagem de qualidade utilizando a ferramenta FastQC (versão 0.12.0). As sequências (reads) com cobertura igual ou superior a 20 foram consideradas para as etapas subsequentes. O alinhamento das reads foi realizado com o genoma de referência humano GRCh38, utilizando o software BWA (versão 0.6). O processamento pós-alinhamento, incluindo marcação de duplicatas e recalibração da qualidade foi realizado com as ferramentas Picard e GATK, por meio do gerenciador de ambientes Miniconda3 (versão 24.5.0). A identificação de variantes do tipo SNVs e indels foi realizada também com a ferramenta GATK. A anotação funcional das variantes identificadas foi conduzida utilizando o Variant Effect Predictor (VEP), disponibilizado pelo Ensembl, visando priorizar aquelas com potencial relevância biológica. Por fim, a inspeção visual e validação das variantes candidatas foi feita no Integrative Genomics Viewer (IGV), permitindo avaliar a qualidade e consistência das alterações genéticas encontradas. Resultados: Na família A foram selecionadas duas variantes missense de maior interesse: ABCC5 (rs776943581) e CHAT (rs80097077). Na família B, nenhuma variante relevante foi identificada, seja em genes candidatos ou não candidatos. A variante no gene ABCC5, expresso em estruturas do segmento anterior do olho (íris, corpo ciliar, cristalino e córnea), foi classificada como de significado clínico incerto (VUS) em sua forma germinativa, com frequência de 6,201e-7 na base de dados gnomAD. Embora o mecanismo exato de sua associação ao GPAF ainda não seja conhecido, estudos em zebrafish sugerem que a inibição de ABCC5 pode estar relacionada à redução significativa do comprimento ocular. A variante no gene CHAT, responsável pela codificação da enzima colina O-acetiltransferase — essencial para a síntese da acetilcolina (ACh) —, foi classificada como benigna em sua forma germinativa, com frequência alélica de 0,009602 na base gnomAD. Alterações nesse gene podem influenciar o risco de GPAF por meio da modulação da ACh e de seus efeitos sobre a anatomia ocular. Conclusão: As variantes identificadas podem estar associadas à etiologia do GPAF, embora ainda sejam necessárias etapas adicionais de validação para confirmar a presença das variantes e essa associação. O próximo passo será a validação por meio do sequenciamento de Sanger. Caso as variantes sejam confirmadas, será realizada a investigação em uma coorte independente de pacientes com GPAF e em indivíduos sem a doença, recrutados no serviço de Glaucoma do Hospital das Clínicas da Unicamp.
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Estudantes de biologia da Universidade Estadual de Campinas.
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