INTRODUÇÃO
As asas de borboletas e mariposas destacam-se por exibirem os mais variados padrões de cores, permitindo elaboradas sinalizações que facilitam a comunicação intra ou interespecífica (Vane-Wright e Boppré, 1993). Dentre esses, as manchas ocelares são definidas como marcas circulares, coloridas e conspícuas, compostas por um aglomerado de escamas claras (“focus”), localizado dentro de um círculo de cor sólida (“pupila”), circundado por um ou mais anéis concêntricos (Nijhout, 1991; Monteiro, 2008). Devido à alta variação em número, tamanho, cor e posição das manchas ocelares (Nijhout,1991), seu significado adaptativo é atribuído a duas teorias principais, não excludentes entre si. A primeira é a de defesa contra predadores, que inclui a hipótese de deflexão: na qual pequenas e numerosas manchas marginais atraem o ataque de predadores; e a hipótese de intimidação: que sugere que manchas grandes e centrais confundem os predadores ao se assemelharem a olhos de vertebrados (Blest, 1957; Poulton, 1890). A segunda teoria associada à presença de manchas ocelares é a de sinalização sexual, segundo a qual essas são características sexualmente selecionadas e que facilitam a dinâmica de acasalamento, promovendo a presença de alto dimorfismo sexual (Breuker e Brakefield, 2002). As manchas ocelares são consideradas parte do plano básico de coloração da família Nymphalidae, sendo muito estudadas nesse grupo (Nijhout, 1991). No entanto, também estão presentes em outras famílias, como Riodinidae, historicamente a menos pesquisada dentre as borboletas (DeVries, 1997) e que conta com uma grande diversidade morfológica e ecológica (Seraphim et al, 2018). O presente trabalho visa caracterizar as manchas ocelares presentes em uma rica comunidade de riodinidae do Sul da Amazônia.
MÉTODOS
A comunidade de Riodinidae estudada foi a do Cristalino Lodge, município de Alta Floresta, Mato Grosso, Brasil, que conta com 221 espécies. A análise de espécimes foi feita utilizando fotografias de indivíduos coletados na localidade e depositados no Museu de Diversidade Biológica (MDBio) da UNICAMP. Foram utilizadas também as imagens de borboletas vivas tiradas no local e indicadas em Mota et al. (2022), além do site Butterflies of America (Warren et al, 2024). As manchas ocelares foram subdivididas em 5 categorias: 1) Mancha ocelar verdadeira, quando apresenta os 3 elementos (pupila, anel e “focus”) bem definidos; 2) Mancha ocelar primária, quando apresenta dois dos três elementos; 3) Mancha contornada: manchas pouco definidas e com um anel semelhante a uma linha; 4) Mancha contornada alongada: manchas de padrão elíptico alongado, possuindo ao menos dois elementos dentre os três, e 5) Manchas com umbra: manchas pouco definidas, de coloração levemente mais pálida que o fundo. Para cada fenótipo analisado (incluindo as 221 espécies e considerando o dimorfismo sexual) foi identificada a presença ou ausência das manchas ocelares, o número, a subcategoria e a localização (asa anterior ou posterior, superfície ventral ou dorsal e posição basal, medial ou marginal). O tamanho da maior mancha ocelar de cada fenótipo foi medido como a proporção da mancha em relação ao espaço intervenal que ela ocupa. Imagens de espécimes vivos foram usadas para verificar a posição das asas durante o repouso, a fim de averiguar se as manchas ocelares ficam expostas. Pranchas comparativas foram elaboradas com o software GIMP e fotos de espécimes depositados no MDBio.
RESULTADOS
No total foram analisados 246 fenótipos, devido ao dimorfismo sexual em algumas espécies. Dentre estes, 61% possuem manchas ocelares e 39% não as possuem. A subcategoria mancha ocelar primária foi encontrada em 39% dos fenótipos; seguida pelas verdadeiras, em 18% fenótipos; contornadas, em 16% dos fenótipos; com padrão de umbra, em 12% dos fenótipos e contornada alongada, em 11% dos fenótipos. As tribos de Riodinidae diferiram nas proporções e tipos de manchas ocelares. Eurybiini apresentou a maior proporção de fenótipos com manchas ocelares (92%), bem como a maior proporção de manchas ocelares verdadeiras (72%). Em seguida vieram Euselasiini, (com 73% dos fenótipos com manchas ocelares, sendo 47% primárias) e Nymphidiini (com manchas ocelares em 73% dos fenótipos, sendo 87% manchas primárias). Calydnini apresentou 60% dos fenótipos com manchas ocelares, sendo 67% manchas primárias. A tribo Riodinini apresentou 38% dos fenótipos contendo manchas, dos quais 72% são primárias. Helicopini apresentou 27% dos fenótipos com manchas, todas primárias e contornadas. Em Emesidini, 62% dos fenótipos apresentaram manchas ocelares, todas com padrão de umbra. Por fim, em Symmachiini, o único fenótipo com mancha ocelar está na subcategoria mancha com umbra. O padrão de pouso variou em cada tribo e pode relacionar-se com a localização das manchas ocelares. Euselasiini, por exemplo, pousa de asa fechada e possui apenas manchas ventrais, de modo que as manchas ficam expostas enquanto a borboleta está pousada e podem estar associadas a deflexão. Em contrapartida, borboletas da tribo Eurybiini geralmente apresentam manchas ocelares tanto na face dorsal quanto ventral, sendo a maioria posicionada na região medial. Todas as espécies analisadas dessa tribo pousam de asas abertas ou semi-abertas, o que expõe essas manchas maiores e centrais, sugerindo a hipótese de intimidação. Ademais, foi observado que existem manchas ocelares bastante inconspícuas que podem ajudar a formar um padrão críptico ou disruptivo no qual a borboleta pode passar despercebida pelos predadores, ao invés de intimidá-los ou direcionar o ataque. Por fim, o dimorfismo sexual com relação às manchas ocelares também foi encontrado em um grande número de espécies. Na tribo Euselasiini, em todos os machos que apresentam manchas, elas são conspícua entre amarelo e marrom escuro, enquanto as fêmeas frequentemente têm manchas em tons claros de cinza e marrom. Essa diferença pode estar relacionada à comunicação entre machos e seleção por parte das fêmeas.
CONCLUSÃO
O projeto revelou forte presença e alta variedade de manchas ocelares dentro da comunidade amazônica de Riodinidae. Embora a maioria das manchas ocelares encontradas nessa família não seja tão definida e não chegue a formar manchas ocelares verdadeiras (como reportado em Nymphalidae), a significativa presença e diversidade de subcategorias, tamanhos e posições indica que tais manchas possuem relevância ecológica e evolutiva nesse grupo, podendo relacionar-se à seleção sexual e diferentes estratégias de defesa contra predadores.
Comissão Organizadora
Estudantes de biologia da Universidade Estadual de Campinas.
Em caso de dúvida, envie um email para contato@caeb.com.br