Obras-Vivas: os Saberes Etnobiológicos de Comunidades Tradicionais e o Diálogo com a Academia

  • Autor
  • Angel Ricci Moreira
  • Co-autores
  • Eduardo Galembeck , Flavio Dias Passos
  • Resumo
  • A pesca artesanal em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, representa não apenas a principal fonte de renda para muitas famílias, mas também é um pilar cultural sustentado por saberes transmitidos entre gerações. Porém, essas comunidades enfrentam diversos desafios, entre eles é possível destacar o impacto da bioincrustação, especialmente causada por moluscos xilófagos, como os teredinídeos, nas embarcações de madeira, reduzindo sua durabilidade e exigindo manutenção constante. Frente à escassez de recursos financeiros, os pescadores recorrem a métodos alternativos e, muitas vezes, ineficazes para conter a ação desses organismos, como o uso de tintas industriais não apropriadas, queima controlada da madeira e formulações caseiras.

    Nesse contexto, desenvolvemos o projeto de extensão universitária “Obras Vivas”, que busca compatibilizar a preservação do ambiente marinho com a manutenção sustentável das embarcações artesanais, além de destacar a importância da pesca artesanal. A proposta visa integrar o conhecimento científico com os saberes tradicionais, promovendo ações de educação ambiental, pesquisa e intercâmbio de experiências entre a universidade, a comunidade pesqueira e estudantes.

    O projeto é estruturado em seis eixos principais: (1) mapeamento da biota incrustante, (2) educação e conscientização, (3) intervenções sustentáveis, (4) parceria com a prefeitura e pescadores locais, (5) monitoramento e avaliação, e (6) capacitação comunitária. Ao longo do ano de 2024 e início de 2025, realizamos doze visitas à Colônia de Pescadores Z6 e ao Estaleiro Municipal de Ilhabela, promovendo trocas de saberes, registros fotográficos, levantamento de práticas de manutenção e identificação de lacunas conceituais, como a confusão recorrente entre diferentes grupos de invertebrados marinhos.

    Paralelamente, foi oferecido o curso de extensão “Introdução à Biologia Marinha: bioincrustantes e métodos de pesquisa”, voltado a estudantes cursando Meio Ambiente na Escola Técnica de São Sebastião–SP. O curso, em modalidade de difusão e formato semipresencial, contou com 21 participantes ao longo de quatro encontros presenciais realizados entre outubro e dezembro de 2024. A proposta pedagógica envolveu sensibilização, atividades práticas e dramatizações, visando desenvolver o pensamento científico, a análise crítica e a compreensão das relações ecológicas no ambiente marinho. Os alunos elaboraram projetos investigativos em grupo e participaram de uma apresentação teatral, cujo vídeo foi disponibilizado como material de divulgação e registro.

    Entre as atividades de pesquisa, destacam-se os testes com corpos de prova lançados ao mar em frente ao CEBIMar, com diferentes tratamentos de madeira para avaliação da bioincrustação. Esses corpos de prova foram utilizados como ferramenta educativa no curso e como base para a elaboração de um folheto informativo, com linguagem acessível e ilustrações, que será distribuído à comunidade escolar e pesqueira. O folheto reúne os principais aprendizados do projeto, os métodos estudados e recomendações de práticas sustentáveis para mitigar os impactos dos moluscos xilófagos.

    Os resultados do projeto até o momento indicam avanços significativos na valorização mútua entre diferentes formas de saber. Os pescadores passaram a conhecer e ter acesso a estratégias ecologicamente viáveis baseadas em evidências científicas, enquanto os pesquisadores ampliaram sua compreensão sobre as soluções empíricas desenvolvidas pela comunidade.

    Entre os estudantes, observou-se o fortalecimento de competências investigativas, o desenvolvimento do pensamento crítico e um maior engajamento com temas ligados à conservação marinha e ao papel da ciência em contextos locais. A dramatização final demonstrou a apropriação criativa e crítica dos conteúdos abordados, evidenciando o vínculo construído entre ciência, cultura e território.

    Ao final do curso, os participantes relataram mudanças significativas na forma como percebiam os organismos incrustantes e suas implicações ecológicas. Além disso, destacaram sentir-se mais preparados para aplicar os conhecimentos adquiridos em novos projetos investigativos, tanto no ambiente escolar quanto em suas comunidades.

    Entretanto, identificamos que a assimilação de novos conceitos não ocorre de maneira imediata. Barreiras linguísticas, culturais e socioeconômicas ainda limitam a comunicação e a adoção de práticas sustentáveis. Um exemplo disso é a confusão persistente sobre o grupo dos “busanos”, com interpretações locais que nem sempre correspondem à classificação científica dos teredinídeos. Essa lacuna reforça a importância de ações educativas permanentes e continuadas, que respeitem os tempos e as realidades locais, fomentando o diálogo e a construção conjunta de soluções.

     

    Concluímos que a integração entre ciência, tradição e educação é essencial para enfrentar desafios ambientais complexos e promover práticas sustentáveis culturalmente enraizadas. O projeto “Obras Vivas” demonstra que é possível articular pesquisa, ensino e extensão de forma integrada, contribuindo para a conservação da biodiversidade marinha, a valorização dos saberes tradicionais e o fortalecimento da autonomia comunitária.

     

     

     

     

     

     

     

     

     

  • Palavras-chave
  • Bioincrustação, Conservação marinha, Educação ambiental, Moluscos xilófagos, Saberes tradicionais, Teredinidae
  • Modalidade
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Comissão Organizadora

Estudantes de biologia da Universidade Estadual de Campinas. 

 

 

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