Estimativas populacionais consistem em informações fundamentais para a avaliação do status de conservação de espécies e formulação de estratégias de manejo das populações in situ. No entanto, a obtenção de dados populacionais pode ser um desafio para espécies de comportamentos esquivos e crípticos. Essa dificuldade torna imprescindível a adoção de métodos alternativos eficientes e adaptados às condições específicas de cada espécie e tipo de ambiente para garantir dados mais confiáveis e subsidiar políticas de manejo eficazes. A utilização de cães farejadores tem se consolidado como uma ferramenta promissora em pesquisas ecológicas aplicadas, especialmente em estudos que envolvem a detecção de fezes. A elevada sensibilidade olfativa desses animais proporciona taxas de detecção superiores às obtidas por humanos, permitindo um aumento das precisões nos dados obtidos. A combinação de cães farejadores ao método Faecal Standing Crop (FSC) — baseado na contagem de fezes acumuladas em uma determinada área e tempo — tem se mostrado particularmente eficaz nas estimativas populacionais, elevando significativamente a confiabilidade dos resultados. Contudo, a eficiência dos cães farejadores pode variar de acordo com fatores bióticos e abióticos. A vegetação densa em ambientes florestais pode dificultar o deslocamento do cão e a detecção das fezes, enquanto em áreas abertas o vento pode dispersar ou dificultar a concentração de odores. Adicionalmente, a atividade de besouros coprófagos e o tempo de exposição das amostras fecais ao ambiente podem influenciar na degradabilidade e na persistência das fezes no ambiente. Além disso, o esforço físico investido pelo cão na busca afeta diretamente sua fisiologia, reduzindo sua capacidade olfativa empregada para a termorregulação em decorrência da ofegação. Nesse contexto, este estudo teve como objetivos 1) estimar o deslocamento percorrido pelo cão em relação ao trecho do transecto amostrado e 2) avaliar a detectabilidade do cão farejador em função do trecho do transecto amostrado, do tipo de habitat (floresta e campo) e do tempo de exposição (idade) das amostras fecais no ambiente. Nós conduzimos a pesquisa no Campus da UNESP em Jaboticabal-SP, região de Cerrado, entre janeiro e maio de 2025. Selecionamos duas áreas das fitofisionomias florestal e campestre, nas quais se instalaram quatro transectos, sendo dois em cada fitofisionomia, de 400 m cada. Em cada transecto, 20 amostras fecais de veado-catingueiro (Subulo gouazoubira), coletadas em cativeiro, foram distribuídas ao longo do transecto (a cada 20 m) e perpendicularmente ao transecto em diferentes distâncias (0, 5, 10 e 15 m) e em quatro períodos temporais (1, 8, 12 e 14 dias). Após a última deposição, foi realizada a procura por amostras fecais no transecto por um cão farejador treinado para encontrar amostras de cervídeos e equipado com um GPS para estimar sua trajetória. Nós conduzimos a busca em linha reta e velocidade constante, permitindo a livre movimentação do cão. Ao encontrar as amostras, o cão foi recompensado e a busca foi retomada até o fim do transecto. Avaliamos a detectabilidade do cão por meio da razão da quantidade de amostras encontradas pela quantidade de amostras disponíveis no local. A detectabilidade em relação ao trecho de transecto percorrido, ao tipo hábitat e à idade das amostras foram avaliadas, respectivamente, em trechos com cinco classes de distância (a cada 80 m), entre transectos de cada hábitat e entre as amostras com diferentes idades. Para isso, avaliamos o deslocamento do cão e sua detectabilidade em relação ao trecho de transecto amostrado utilizando o teste de Kruskal-Wallis. Adicionalmente, o mesmo teste foi utilizado para avaliar a detectabilidade em relação à idade da amostra fecal. Por fim, avaliamos o efeito do habitat no deslocamento do cão e na detectabilidade das fezes pelo teste de Wilcoxon. O nível de significância que utilizamos foi de 0.05 e todas as análises estatísticas foram realizadas no programa R. O deslocamento médio do cão foi de 226,50 m +/- 71.7 a cada 80 m (trecho) de transecto e não houve diferenças de deslocamento entre os trechos percorridos (p = 0.7) e entre os habitats (p = 0.09). Em contrapartida, a detectabilidade no primeiro trecho apresentou desempenho superior (35%) em comparação aos trechos subsequentes (18.1%; p = 0.005), indicando que o cão possui maior eficiência de detecção até os 80 metros iniciais do transecto. A partir desse ponto, o desempenho tende a diminuir e se estabilizar. Assim, embora o deslocamento do cão continue estável ao longo de todo transecto, a ofegação causada pelo cansaço e esforço físico pode atrapalhar na detecção das amostras fecais após os primeiros 80 metros. Ainda, houve diferença significativa da detectabilidade em relação à idade das amostras (p < 0.001), sendo a maior parte das fezes detectadas aquelas depositadas no mesmo dia da busca, ou seja, fezes frescas (46,6%). A maior detecção de fezes frescas deve-se, possivelmente, ao fato de que fezes mais antigas sofrem degradação por fatores abióticos, como radiação solar e umidade, e bióticos, como atividade microbiana e remoção por coleópteros. Isso afeta diretamente as características físico-químicas e, consequentemente, diminui a dissipação do odor. Concluímos que a eficiência de detecção do cão é influenciada pela idade das amostras e pelo trecho percorrido, mas não pelo tipo de hábitat. Por outro lado, o tipo de habitat e o trecho percorrido não tiveram impacto significativo no deslocamento do cão. Dessa forma, amostragens com cães farejadores podem representar defecações feitas a curto prazo e que as condições físicas do cão podem afetar a eficiência de amostragem, devendo esta ser baseada em transectos de menor extensão.
Comissão Organizadora
Estudantes de biologia da Universidade Estadual de Campinas.
Em caso de dúvida, envie um email para contato@caeb.com.br