Área temática: Ambiental
Título: Estrutura de rede de interação em ermitões: Análise de padrões ecológicos e partição de recursos na praia do Flamenguinho, Ubatuba, São Paulo
Palavras-chave: Crustáceos, Nicho ecológico, Especialização
Autores: Vinícius Melloni Zúculo¹, Gabriel Fellipe Barros Rodrigues¹, Mateus Pereira Santos¹, Antonio Leão Castilho¹
Afiliações: ¹Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Instituto de Biociências de Botucatu, LABIAQUA – Laboratório de Biologia de Invertebrados Aquáticos, Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Zoologia), 18618-689, Botucatu, São Paulo, Brasil
Introdução: Estudos a respeito da abundância de espécies e os recursos que utilizam são primordiais para compreensão de padrões ecológicos que regulam a coexistência de espécies funcionalmente semelhantes. Neste contexto, a ferramenta de redes de interação é uma aliada interessante, uma vez que permite a caracterização estrutural de uma comunidade, bem como a relação entre processos ecológicos com padrões topológicos da rede, como: aninhamento, quando espécies com um menor grau de interação comumente interage com espécies com elevado grau de interação, não interagindo com outras espécies com baixo grau de interação; ou modularidade, quando subconjuntos de espécies (módulos) interagem mais entre si do que com o restante da comunidade, indicando a possibilidade de especializações funcionais. Os caranguejos ermitões são excelentes modelos biológicos para tais estudos, uma vez que dependem de conchas de gastrópodes como um recurso para sobrevivência, crescimento e reprodução. A seleção da concha que será ocupada pode ocasionar competição entre ermitões, quando ocorre, por exemplo, uma sobreposição de nicho ecológico entre os crustáceos. O objetivo deste estudo foi caracterizar uma rede de interação entre ermitões e conchas em nível de comunidade e compreender padrões ecológicos que regulam a ocupação de conchas por ermitões. Métodos: As amostragens ocorreram no costão rochoso da praia do Flamenguinho, localizada na região de Ubatuba, litoral norte do estado de São Paulo, nos meses de dezembro de 2024, janeiro e abril de 2025. As coletas foram realizadas nos costões direito e esquerdo da praia, por mergulho livre e busca ativa. Em cada lado, três coletores atuaram simultaneamente durante 45 minutos. Os indivíduos coletados foram acondicionados em caixas térmicas e fixados em álcool etílico a 70%. No laboratório, os ermitões e as conchas foram identificados até o menor nível taxonômico. As associações entre um ermitão e uma concha foram compiladas em uma matriz de interação quantitativa, considerando-se o número de vezes que uma concha foi encontrada ocupada por um ermitão como a frequência de interação, o que possibilitou a obtenção de uma rede de interação e o cálculo das métricas para descrever a estrutura da rede, i.e.: especialização (H2’), aninhamento (wNODF), modularidade (Qw’) e sobreposição de nicho (R0). Para avaliar as métricas da rede, comparou-se os valores observados com aqueles gerados por um modelo nulo, estimando-se intervalos de confiança unilaterais para cada métrica, aplicando-se o software R versão 3.5.3 com os pacotes “bipartite” e “tidyverse”. Resultados e conclusão: Registrou-se 81 interações entre três espécies de ermitões e seis de conchas. Paguristes tortugae ocupou cinco espécies de conchas (62,96% do total das interações), Pagurus brevidatylus, três (24,69%) e Clibanarius vittatus, cinco (12,35%). A concha mais ocupada foi Claremontiella nodulosa, com 32 interações (39,5%). C. nodulosa, Cerithium atratum, Tegula viridula e Stramonita brasiliensis foram ocupadas pelas três espécies de ermitões, enquanto Anachis veleda e Coralliophila aberrans foram ocupadas apenas por C. vittatus e P. tortugae, respectivamente. A rede de interação foi menos aninhada, mais especializada e mais modular, do que esperado ao acaso (wNODF = 31,94, 99%, IC: 38,88-83,33; H2’ = 0,28, 99%, IC: 0,00-0,16; Qw’ = 0,23, 99%, IC: 0,03-0,17, respectivamente). A rede apresentou dois módulos e uma sobreposição de nicho entre ermitões menor que o esperado ao acaso (R0 = 0,48, 99%, IC: 0,51-0,91). No primeiro módulo, a interação se deu entre P. brevidactylus e C. vittatus com as conchas C. nodulosa, C. atratum e A. veleda; enquanto o outro módulo, P. tortugae interagiu com T. viridula, S. brasiliensis e C. aberrans. Evidenciamos uma estrutura de rede não aninhada, especializada e modular, e propomos que os ermitões interagem com subconjuntos bem definidos de conchas de gastrópodes, evidenciando uma partição diferencial de recursos. Embora a interação entre ermitões e conchas de gastrópodes seja diferente de interações nas quais ambos os organismos estão vivos, nossos resultados demonstram padrões de especialização na utilização do recurso pelos crustáceos. A seleção da concha que será ocupada não ocorre de forma aleatória, envolvendo comportamentos exploratórios específicos nos quais os ermitões consideram atributos como tamanho, peso, abertura, volume interno, forma, cor, estado de conservação e manobrabilidade. Conforme descrito na literatura, especializações morfológicas dos ermitões frente a abundância e diversidade de conchas disponíveis no ambiente são importantes moduladores na estruturação da interação ermitão-concha. Além disso, a menor sobreposição de nicho observada pode estar vinculada a diferentes habilidades de exploração e combate por conchas, via comportamentos agonísticos e competição interespecífica, entre os ermitões encontrados, o que também contribui para a partição dos recursos disponíveis no ambiente. P. tortugae integrou um módulo ao qual interagiu preferencialmente com conchas que apresentaram maiores dimensões e morfologia globosa ou cônica com uma base alargada e ápice não afilado, como T. viridula. Já P. brevidactylus e C. vittatus integraram um módulo ao qual interagiram preferencialmente com conchas menores e estreitamente cônicas, com uma base pequena e ápice afilado, mais alto do que largo, como C. atratum. Tais diferenças entre conchas ocupadas podem estar vinculadas a especializações morfológicas, assim como diferentes tamanhos corporais. Tais padrões são semelhantes aos padrões já documentados na literatura em outros substratos rochosos nas Ilhas Anchieta, das Couves e Vitória. Dessa forma, a partição do recurso (concha) entre as espécies de ermitões analisadas potencialmente pode estar vinculada a caracteres funcionais, como características morfológicas e capacidades exploratórias e competitivas distintas.
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Estudantes de biologia da Universidade Estadual de Campinas.
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