As aves desempenham um papel ecológico essencial para o funcionamento de sistemas naturais, uma vez que participam ativamente de processos-chave (e.g., polinização e dispersão) nestes ambientes, o que destaca a importância de conservar tais espécies em ambientes urbanos diante do desmatamento e dos impactos antrópicos de modo geral. Nesse contexto, os atropelamentos de aves se evidenciam como um problema crescente e que demanda atenção por parte da sociedade, tanto no aspecto ecológico, quanto na prevenção de acidentes de trânsito. Tal preocupação se acentua ao considerar que as aves apresentam ciclos biológicos demarcados por sazonalidade, como migração e/ou reprodução, os quais podem modificar seus comportamentos, tornando-as mais vulneráveis a esse tipo de ocorrência. Um exemplo notável é o urubu (Coragyps atratus), que ao se alimentar da carcaça de animais atropelados, torna-se também vulnerável a atropelamentos. Diante desse cenário, este trabalho propõe-se a analisar possíveis correlações entre a sazonalidade e, consequentemente, o comportamento de aves e a incidência de atropelamentos em uma determinada via de Jundiaí-SP.
A área de estudo compreendeu um trecho delimitado (de cerca de 3,1 km de extensão) da Avenida Navarro de Andrade, monitorado ao longo de um ano (março 2024 a março de 2025), através de percursos semanais (n = 42; X = 3,4 percursos/mês) realizados de automóvel a uma velocidade de 5km/h, num total de 130,2 km. As aves encontradas atropeladas foram devidamente fotografadas e o local de cada ocorrência foi georreferenciado com o software QGIS, com o intuito de identificar possíveis padrões espaciais nos atropelamentos. Os dados referentes aos pesos médios e as dietas das aves foram obtidos a partir da literatura.
Foram registrados 9 atropelamentos (Índice = 6/100 km), de 8 espécies diferentes: o urubu (Coragyps atratus, 1940 g) (duas ocorrências), galinha d’Angola (Numida meleagris, 1300 g), inhambu-chintã (Crypturellus tataupa, 281 g), pica-pau-do-campo (Colaptes campestris, 150 g), bacurau-de-telha (Systellura longirostris, 90 g), trinca-ferro-verdadeiro (Saltator similis, 45 g), sanhaçu-cinzento (Thraupis sayaca, 43 g) e o coleirinho ou papa-capim (Sporophila caerulescens, 10,5 g). Todas estas espécies são diurnas, com exceção do bacurau, e silvestres, exceto a galinha d´Angola. As espécies apresentam dietas variadas (um granívoro, dois insetívoros, um frugívoro, três onívoros e um carniceiro). Quanto aos hábitos alimentares, a galinha e o inhambu são ciscadores e forrageiam no solo; já o bacurau adota uma postura de espera, permanecendo no solo à espreita do voo de insetos para capturá-los. Destas, 2 (22,2%) foram encontradas no período mais seco do ano (abril a setembro), e 7 (77,8% do total) foram registradas na época mais chuvosa (outubro a março), período reprodutivo da maioria das aves. Apesar dessa disparidade numérica (com 2,5 vezes mais ocorrências registradas na época úmida), o teste G (p = 0,7088) não revelou diferença estatística significativa entre os períodos, possivelmente devido ao número reduzido de registros. Em relação à distribuição espacial, todas as ocorrências foram registradas nos 2,1 km finais do trecho estudado, sendo 66% concentradas no último quilômetro.
Levando em consideração que 78% dos atropelamentos ocorreu no período de chuvas, infere-se que isso se dê pela abundância de frutos e artrópodes característica dessa estação, além de ser época de grande crescimento de gramíneas, local de forrageio de grande parte dos animais encontrados na via. Coerente com as características do trecho onde a maioria dos incidentes foi registrada; o último quilômetro do transecto é o trecho mais diverso geograficamente, possuindo áreas adjacentes de vegetação e proximidade a clubes e residências, podendo configurar possíveis “hotspots” de atropelamentos.
Em síntese, torna-se cada vez mais relevante a realização de estudos que caracterizem esse tipo de ocorrência, a fim de identificar padrões temporais e espaciais específicos de cada espécie que possam embasar a formulação de estratégias mitigadoras. Assim sendo, para evitar o atropelamento de granívoros, recomenda-se o corte da vegetação herbácea no acostamento, o que evita a atração de aves em época de frutificação. Já para forrageadores de solo, indica-se a instalação de lombadas para redução da velocidade, além da limpeza frequente das margens da avenida.
Comissão Organizadora
Estudantes de biologia da Universidade Estadual de Campinas.
Em caso de dúvida, envie um email para contato@caeb.com.br