As interações predador-presa são mecanismos de controle populacional essenciais para manutenção do ecossistema em fragmentos florestais. Porém essas relações estão vulneráveis a ameaças externas decorrentes de atividades antrópicas, como a perda florestal, alterações no uso da terra e principalmente as espécies invasoras, como o javali (Sus scrofa) visto que elas interagiram diretamente com a teia trófica do local e possuem hábitos destrutivos, territorialistas além da dieta onívora. Este estudo investigou os efeitos diretos e indiretos da perda de cobertura florestal, do uso da terra e da invasão de javalis na estrutura das teias tróficas a fim de entender a intensidade dos impactos que estes fatores causam no fragmento e as possíveis interações que podem ocorrer entre esses agentes. A pesquisa foi realizada em 63 paisagens do Corredor Ecológico Cantareira-Mantiqueira, utilizando armadilhas fotográficas para coleta de dados de abundância de espécies e Modelagem de Equações Estruturais (MEE) via Análise de Caminhos para testar relações causais diretas e indiretas.
Ao longo do estudo, foram registradas um total de 51 espécies de fauna, sendo 29 aves e 22 mamíferos. Destaca-se a alta abundância do javali no nível trófico 2, evidenciando sua presença significativa. No nível trófico 3, predadores de topo como a onça-parda (Puma concolor) foram consistentemente detectados. Os resultados da Modelagem de Equações Estruturais (MEE) revelaram padrões importantes: a abundância de javalis mostrou-se fortemente relacionada é positivamente influenciada pela disponibilidade de consumidores primários , indicando que maiores populações de presas herbívoras favorecem a presença de javalis. A distância das culturas perenes, por sua vez, influenciou negativamente a abundância de javalis, o que significa que as populações de javalis são maiores em áreas mais próximas a essas lavouras, utilizando-as como fontes suplementares de alimento. A cobertura florestal impactou positivamente a abundância dos consumidores primários , sugerindo que áreas florestadas são cruciais para a base da teia trófica. Em contraste, a complexidade da borda exerceu um efeito negativo sobre esses mesmos consumidores primários. Para os predadores de topo, observou-se uma relação negativa com a complexidade da borda e uma relação positiva com a cobertura florestal , o que aponta para uma maior abundância dessas espécies em ambientes florestais mais íntegros e menos fragmentados.
Estes achados confirmam uma dinâmica ecológica predominantemente bottom-up, onde as alterações na vegetação e no habitat repercutem significativamente nos níveis tróficos superiores através dos consumidores primários. A forte associação entre javalis e a proximidade de culturas perenes reforça a hipótese de subsídio de recursos (Resource Subsidy Hypothesis - RSH), apontando para o papel direto das atividades humanas na sustentação e proliferação dessa espécie invasora, favorecendo conflitos e desequilíbrios ecológicos. A sensibilidade acentuada dos predadores de topo à fragmentação da paisagem corrobora a hipótese de nível trófico (Trophic Rank Hypothesis - TRH), indicando que os grandes carnívoros, essenciais para a saúde do ecossistema, são particularmente vulneráveis à perda de habitat e distúrbios. Além disso, a ausência de suporte estatístico para uma interação predatória direta entre javalis e predadores de topo no Corredor Cantareira-Mantiqueira sugere que a hipótese de liberação de inimigos (Enemy Release Hypothesis - ERH) pode ser um fator crucial no sucesso da invasão e expansão populacional do javali, uma vez que enfrentam menor pressão de predação em seu novo ambiente. Este estudo ressalta a complexa interação entre fatores ecológicos e antrópicos na alteração da estabilidade das redes tróficas, com enfoque em ecossistemas tropicais, reforçando a urgência e a importância de estratégias integradas de manejo da paisagem e conservação da biodiversidade que considerem essas interdependências para mitigar os impactos de espécies invasoras e do uso da terra.
Comissão Organizadora
Estudantes de biologia da Universidade Estadual de Campinas.
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