Em um cenário contemporâneo marcado pela expansão e aprofundamento do neoliberalismo, a esfera educacional emerge como um campo estratégico de disputas ideológicas. Contrapondo-se a essa conjuntura, as teorias críticas da educação representam uma ferramenta importante, capaz de permitir ao professor localizar-se nesse contexto e encaminhar sua prática educacional em direção à transformação social. Nesse sentido, a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC), desenvolvida por Saviani e colaboradores, fundamentada no materialismo histórico-dialético e na psicologia histórico-cultural, posiciona a educação como um ato político vinculado aos interesses da classe trabalhadora e compromissado com a socialização dos conhecimentos historicamente produzidos. A partir da PHC, entendemos que o papel do professor de Biologia é intermediar a interação dos estudantes com os conhecimentos científicos historicamente produzidos, de modo que possibilite sua apropriação, situando-os do legado da humanidade, representado pelos conteúdos científicos, pelo pensamento filosófico e pela expressão artística. A psicologia histórico-cultural enfatiza o papel do ensino escolar no desenvolvimento cognitivo, nesse sentido, entendemos que ao promover a socialização dos conhecimentos sistematizados, o professor – através do ensino – colabora para uma alteração qualitativa da forma como o estudante enxerga a realidade e estimula o desenvolvimento de suas capacidades cognitivas superiores. Nessa perspectiva, torna-se imperativo problematizar o conhecimento científico, desvelando os condicionantes sociais, históricos e econômicos que permeiam sua produção, circulação e ensino, a fim de romper com visões pretensamente neutras da ciência. Assim, acreditamos que a apropriação dos conhecimentos efetiva-se de maneira mais consistente quando seu ensino está articulado a uma concepção de mundo dialética, orientada pelos princípios de totalidade, movimento e contradição. Contudo, tradicionalmente, o meio educacional tem se caracterizado por uma quase total hegemonia das “pedagogias do aprender a aprender” inclusive no campo de Ensino de Ciências. O objetivo central desta pesquisa é fazer um levantamento da produção de trabalhos dos últimos 9 anos voltados a explorar o Ensino de Biologia a partir da PHC e discutir a importância desse referencial para avanços na área de Ensino de Ciências. A presente investigação adota uma abordagem qualitativa, configurando-se como um estudo de natureza documental e bibliográfica. O levantamento realizado partiu de duas bases de dados: os Anais do ENPEC (edições XI, XII, XIII e XIV) e o Portal de Periódicos da CAPES; em que foram buscados trabalhos empíricos referentes ao período de 2017 até o presente momento que utilizassem da PHC como norteadora do Ensino de Biologia. Para tal, foram selecionados trabalhos que contivessem o termo “pedagogia histórico-crítica” em seu título e que fossem referentes ao Ensino de Biologia no contexto do ensino médio. Buscando evitar uma quantidade excessiva de artigos desconexos do objetivo, o termo “biologia” foi acrescentado à pesquisa no Portal de Periódicos da CAPES, filtrando os resultados. Foram desconsiderados ensaios teóricos, levantamentos bibliográficos, trabalhos fora da Educação Básica ou estudos voltados ao ensino das demais disciplinas das Ciências da Natureza. Após a pesquisa nos bancos de dados utilizando os termos mencionados, foram encontrados, a princípio, 10 trabalhos nos Anais do ENPEC e 12 artigos no Portal de Periódicos da CAPES. Destes, apenas cinco trabalhos atenderam aos critérios descritos previamente, sendo dois dos anais da XI edição do ENPEC e três do Portal de Periódicos da CAPES. Os anais das demais edições do ENPEC pesquisadas não possuíam nenhum trabalho relacionando a PHC com o Ensino de Biologia. Dos cinco trabalhos selecionados, as temáticas abordadas no Ensino de Biologia foram: a educação ambiental; a educação alimentar; sistemática e taxonomia biológica; o papilomavírus humano (HPV); e a microbiologia. A partir dos resultados apresentados, identificou-se uma escassez de trabalhos empíricos que utilizam da PHC no Ensino de Biologia. Esta conclusão vai ao encontro de resultados encontrados em outros trabalhos da área que, ao investigarem a incorporação da PHC em pesquisas de Educação em Ciências (EC) e Ensino de Ciências, encontraram uma produção minguada de trabalhos e uma menor ainda relacionada com o Ensino de Biologia. A partir do cenário delineado, podemos refletir acerca das possíveis dificuldades enfrentadas por professores e pesquisadores na adoção da PHC no Ensino de Biologia. Estes achados apontam que há uma demanda na área da educação por trabalhos norteados pela PHC – considerada uma pedagogia ainda nova e em estado de construção – faltando assim com exemplos e referências, levando muitos educadores a optarem por pedagogias hegemônicas que apresentam mais trabalhos com direcionamentos metodológicos. Esse obstáculo na apropriação da PHC por parte de professores e pesquisadores pode os levar a uma abordagem pedagógica eclética no ensino, de forma a misturarem teorias da educação, descaracterizando as mesmas. Considerando que o campo da educação carece por pesquisas embasadas na PHC e ainda se alimenta majoritariamente de produções que utilizam de outras pedagogias, chegamos ao paradigma dualista da educação, no qual os professores compreendem a educação como política e histórica, porém ainda assim organizam suas estratégias pedagógicas a partir de pedagogias de bases neoliberais que visam uma educação em ciências supostamente neutra, desconsiderando influências históricas, culturais, sociais e políticas. Apesar das dificuldades enfrentadas na adoção da PHC enquanto norteadora do trabalho pedagógico e das pesquisas em educação, insistimos na importância da mesma. Apesar das adversidades, cabe aos professores atuarem buscando a emancipação popular, mantendo, assim, a luta política. Em meio a tendências pedagógicas contemporâneas de currículos esvaziados, a pedagogia defendida por Saviani surge propondo um ensino voltado à apropriação dos conhecimentos por parte dos filhos da classe trabalhadora, fundamentais para o desenvolvimento de sua criticidade, de forma que percebam que, sem estes conhecimentos, permanecem sujeitos a reprodutividade de uma sociedade cujo modo de produção da vida se baseia na exploração.
Este estudo fundamenta-se principalmente nas contribuições de Campos, L. M. L & Diniz, R. E. S. (2022); Campos, R. S. P. (2017); Duarte, N. (2001, 2001 e 2016); Massi et al. (2019); ; Pasqualini, J. C. (2006); Santos, C. S. (2012); Saviani, D. (2008); Vigotski, L. S. (2008).
Comissão Organizadora
Estudantes de biologia da Universidade Estadual de Campinas.
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