Bioacústica em Lepidoptera e a morfologia do tímbalo em mariposas-liquens (Lepidoptera, Erebidae, Arctiinae, Lithosiini). Tamanho importa?
A tribo Lithosiini é representada por mariposas popularmente conhecidas como mariposas líquen e pertence à Arctiinae, uma subfamília diversa na região Neotropical. Uma das questões que mais se destaca no grupo são as interações interespecíficas com morcegos, através da produção de ultrassom. As mariposas líquen possuem um órgão produtor de som chamado tímbalo. Estes são constituídos por uma câmara de ar localizada abaixo de uma área cuticular menos esclerotizada no metatórax, e que podem apresentar microestrias esclerotizadas, os microtímbalos. Os cliques ultrassônicos emitidos apresentam características bioacústicas (i.e. frequência, pico, tempo de meio ciclo) que podem variar de acordo com a espécie, hábito ou função. Estudos de ultrassom são praticamente inexistentes em outros grupos de Lepidoptera
Atributos morfológicos do tímbalo, como o número de estrias, a área cuticular e o volume da câmara, estão relacionados à quantidade e frequência dos cliques emitidos. Dessa forma, as variações morfológicas e bioacústicas podem nos auxiliar a traçar atributos ecológicos, (sinal aposemático, interferência no sistema de navegação de morcegos, corte) e sua persistência em espécies com diferentes hábitos.
Os cliques são categorizados em dois tipos de resposta: 1) aposemática, com sons produzidos na frequência semelhante ao chamado do morcego ou, 2) Sonar jamming, com sons produzidos em frequências mais altas quando comparadas ao chamado do morcego. O presente estudo tem como objetivos a captação sistemática de respostas emitidas por mariposas de famílias distintas ao chamado de ataque de morcegos e aos estímulos tácteis; e a investigação de possíveis correlações entre o tamanho das mariposas, a morfologia do tímbalo, e o ultrassom produzido em mariposas liquens.
Para comparar a morfologia do tímbalo, utilizamos modelos gerados por micro-CT em colaboração LUOMUS (Museu de História Natural da Finlândia) para acessar o volume da câmara. O número de microestrias e a superfície do esclerito serão acessados por imagens de microscopia eletrônica de varredura, assim que o Laboratório de Microscopia Eletrônica da Unicamp (LME) estiver em funcionamento. Os ultrassons foram coletados através de experimentos em atividades de campo, simulando a interação predador-presa entre o morcego e a mariposa, com estímulos sonoros (chamados de ataque do morcego) e estímulos táteis, a fim de registrar os cliques de resposta da mariposa. Para obter estes dados, os espécimes capturados foram anestesiados, tendo suas asas imobilizadas e justapostas dorsalmente em relação ao eixo do corpo com o auxílio de pinças entomológicas e grampo cirúrgico, de modo a expor o tímbalo e também testar o reflexo de vôo. O reflexo de voo positivo (voo ativo) é uma condição sem a qual não há emissão de ultrassom para muitas espécies de mariposas.
O primeiro estímulo é o sonoro, em que é disparado um playback do som de chamado de ataque de morcegos do gênero Myotis - distribuído na região neotropical - através do software BAT AR1xx e reproduzido por um Transmissor Ultrassônico AT100 - Binary Acoustic Tech, capaz de transmitir até 100Db SLP. O segundo tipo trata-se de um estímulo tátil no qual, com o auxílio de um pincel, os espécimes são tocados com três intensidades diferentes, simulando diferentes condições de predação.
Os sons obtidos foram capturados utilizando um microfone conectado a um codificador digital/analógico Avisoft UltraSoundGate 416h (Avisoft Bioacoustics), de modo a gravar e também amplificar o ultrassom produzido pela mariposa testada. Para as análises de características do som utilizou-se o software Avisoft-SASLab Pro (Avisoft Bioacoustics) e do Adobe Audition (Adobe Inc.)
Por fim, todos os espécimes coletados foram individualizados, previamente identificados e serão depositados no Museu de Diversidade Biológica (MDBio) da UNICAMP, em Campinas - SP.
Até o presente momento 97 espécimes de diferentes famílias de mariposas foram testados, sendo elas: Erebidae, Geometridae, Sphingidae e Megalopygidae. Tais testes geraram 234 arquivos de áudio, dos quais 100 apresentam registros positivos (presença de resposta ao estímulo) para produção de ultrassom, com 62 arquivos sendo de resposta ao estímulo sonoro, 34 arquivos de resposta ao estímulo tátil, e 4 arquivos com respostas à ambos os estímulos.
Dentre os espécimes que responderam a ambos os estímulos, destacam-se os grupos arrolados em Phaegopterina que, caracteristicamente, emitem cliques ultrassônicos que se encaixam no perfil de sonar jamming, sugerindo que a prevalência nesse tipo de resposta possa servir para caracterizar grupos taxonômicos, entretanto, uma maior amostragem é necessária para fazer inferências para outros grupos. Ademais, também obtivemos o registro de um espécime de Ichoria ricincta capaz de emitir sons com as duas características (sonar jamming e aposematismo), produzindo em uma mesma resposta os dois tipos de frequências. Acreditamos que essa característica de som é distinta mas, essa é a primeira vez que se faz uma coleta sistemática de dados bioacústicos de mariposas no Brasil, então com um aumento no número de amostragem, esse padrão raro pode se tornar algo comum. Além disso, Ixora pertence à Ctenuchina, que se destaca por apresentar várias espécies com hábitos diurnos e envolvidas em anéis miméticos com vespas, podendo sugerir que o som encontrado pode estar relacionado com um estratégia multifoco com uma defesa para além dos morcegos.
Os estudos de correlação entre atributos morfológicos e bioacústicos estão em andamento, com a produção de modelos 3D evidenciando a morfologia do tímbalo.
Esses achados contribuem para o entendimento da evolução de estratégias anti-predatórias mediadas por som em Lepidoptera e ampliam o conhecimento sobre interações acústicas em sistemas presa-predadores.
Comissão Organizadora
Estudantes de biologia da Universidade Estadual de Campinas.
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