REDES SOCIAIS REVELAM O IMPACTO NEGLIGENCIADO DE GATOS DOMÉSTICOS NA BIODIVERSIDADE DE ARTRÓPODES

  • Autor
  • Leticia Alexandre
  • Co-autores
  • Raul Costa Pereira
  • Resumo
  • Gatos domésticos (Felis catus) são predadores de uma ampla gama de animais. O impacto de gatos em populações de vertebrados, como aves, mamíferos e répteis, é amplamente documentado na literatura científica. Invertebrados também são presas frequentes de gatos. Apenas nas Ilhas Canárias, por exemplo, gatos consomem 127 diferentes espécies de invertebrados. Entretanto, ainda estamos longe de entender qual é o impacto de gatos domésticos na biodiversidade de artrópodes em ecossistemas urbanos. Nesse contexto, métodos inovadores para documentar a predação de invertebrados por gatos são necessários para entendermos o impacto desses predadores na biodiversidade de cidades.

    Todos os dias, milhões de pessoas publicam fotos e vídeos de seu dia a dia em redes sociais. Esse massivo volume de registros publicados na internet permite que ecólogos obtenham dados sobre padrões e processos ecológicos (e.g., interações e distribuição de espécies) em plataformas digitais, uma abordagem chamada iEcology. Gatos são animais de estimação muito populares, logo, são amplamente registrados por seus tutores em redes sociais. Surpreendentemente, muitos tutores registram momentos de predação e presas trazidas por seus gatos. Nesse estudo, utilizamos essa fonte inexplorada de dados para avançar o atual conhecimento sobre a predação de artrópodes por gatos domésticos. 

    Nosso objetivo é elucidar quais os impactos de gatos domésticos na biodiversidade de artrópodes em áreas urbanas. Especificamente, quantificar quais as ordens de artrópodes mais predadas por gatos domésticos, e avaliar a importância da utilização de métodos inovadores de iEcology para estudos sobre ecologia de ambientes urbanos. 

    Usamos imagens e vídeos publicados em redes sociais para quantificar as ordens de artrópodes mais predadas por gatos. Selecionamos duas plataformas online para a coleta de dados, o banco de imagens iStock e a rede social TikTok. Em ambas as bases de dados, procuramos por imagens e vídeos em que gatos estivessem caçando, interagindo ou consumindo artrópodes. Devido às diferenças de algoritmos de busca das duas plataformas selecionadas, foram realizados dois métodos de pesquisa diferentes, a fim de extrair os melhores resultados para ambas as plataformas. 

    Para o iStock usamos dois conjuntos de termos de busca, o primeiro “cats” e “insects” e o segundo “cats”, “hunting” e “insects”. Para os dois conjuntos de palavras, analisamos as 100 primeiras páginas de registros, cada uma com cerca de 60 imagens ou vídeos, totalizando 12,000 registros analisados. Realizamos a busca apenas em inglês, pois os resultados obtidos para idiomas diferentes são muito parecidos. No TikTok, coletamos os dados em duas etapas. Na primeira etapa foram buscados conjuntos de termos mais gerais como “gatos” e “insetos”, além de termos como “caça”, “presente” e “trouxe”. As buscas foram realizadas em português, inglês e espanhol. Analisamos os 200 primeiros vídeos resultados da busca. Na sequência, realizamos uma busca específica, usando os nomes populares das ordens de artrópodes mais presentes nos vídeos encontrados: “aranha”, “barata”, “grilo”, “gafanhoto”, “libélula”, “borboleta”, “mariposa”, “cigarra”, “mosca”, “mosquito”, “abelha”, “formiga”, “louva-a-deus” e “besouro” em conjunto com o termo “gato”. Realizamos essa busca também em inglês e espanhol e analisamos os 100 primeiros vídeos.

    Após a análise dos dados obtidos nas plataformas online, testamos se esses dados são semelhantes aos observados na literatura (i.e., estudos que utilizaram métodos tradicionais para quantificar a dieta de gatos). Comparamos nossos resultados com os obtidos em uma recente revisão de literatura sobre a dieta de gatos domésticos realizada por Lepczyk e colaboradores (2023, Nat. Commun.). Para testar a congruência entre as duas fontes de dados, comparamos a frequência (%) de registros para cada ordem de artrópode nos dados das plataformas online e nos dados da revisão de literatura. 

    Analisamos 17,150 fotos e vídeos, o que resultou em 550 registros de gatos domésticos predando artrópodes. No iStock obtivemos 31 registros, enquanto no TikTok encontramos 519. No total, documentamos 14 ordens taxonômicas diferentes de artrópodes predados por gatos. A ordem Orthoptera foi a mais frequente nos registros, representando 20,7% dos dados. As ordens Hemiptera (14,5%), Blattodea (14,4%), Lepidoptera (11,5%) e Coleoptera (9,1%) aparecem na sequência como as mais amostradas. 

    Para os dados obtidos através da revisão bibliográfica, a ordem Coleoptera foi a mais frequente nos registros, representando 29,6% dos registros. A ordem Orthoptera, a mais amostrada nos registros da internet, foi a segunda ordem mais amostrada para a literatura, representando 28,3% dos registros. As ordens Hemiptera e Blattodea, segunda e terceira ordens mais registradas em nossos dados, respectivamente, tiveram uma baixa frequência de registros na literatura, apenas 1,9% e 3,1% dos registros respectivamente. 

    Nossos resultados demonstram que gatos domésticos predam uma ampla variedade de artrópodes em ambientes urbanos, destacando seu papel como predadores generalistas. Também corroboram parcialmente com os resultados de uma revisão recente da literatura acadêmica. Por exemplo, a ordem Orthoptera comumente predada por gatos em ambas as fontes de dados. Em contraste, a ordem Coleoptera, a mais predada por gatos de acordo com a revisão da literatura, representou menos de 10% dos registros da internet. Além disso, ambas as fontes de dados apresentaram ordens diferentes em seus registros, como por exemplo, as ordens Megaloptera e Phasmatodea que foram documentadas apenas nas plataformas online. Esses resultados sugerem que dados obtidos em redes sociais podem ser fontes valiosas de informações sobre interações ecológicas, podendo fornecer dados que estão sub representados na literatura científica. 

    Em uma esfera mais geral, nossos resultados indicam como a abordagem de iEcology pode fornecer ferramentas poderosas e ainda pouco exploradas para o estudo da ecologia de ambientes com grande influência antrópica, como cidades. As redes sociais estão cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas em nossa sociedade, portanto utilizar a quantidade massiva de dados publicados todos os dias por usuários na internet é um caminho promissor para ecólogos obterem dados com alta representatividade geográfica e temporal. Em síntese, nossos resultados oferecem novas perspectivas para o estudo sobre o impacto negligenciado de gatos domésticos na biodiversidade de artrópodes. 

  • Palavras-chave
  • Ecologia urbana, Arthropoda, iEcology
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Estudantes de biologia da Universidade Estadual de Campinas. 

 

 

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