Entre pinças e braços: ecologia da curiosa interação entre uma estrela-do-mar e um caranguejo

  • Autor
  • Cecil Adam Marcondes Machado
  • Co-autores
  • Rafael Moreira Cyrino Carvalho , João Antônio Amaral Bertolucci , Maria Luísa Soares Covizzi Alvarez , Enzo Braga Gaião , Letícia Alexandre , Raul Costa Pereira
  • Resumo
  • A ecologia busca compreender padrões e processos que moldam a diversidade biológica. Para isso, mais do que simplesmente documentar quais espécies ocorrem em quais localidades, ecólogos precisam entender as intrincadas interações ecológicas entre os organismos. Entretanto, ainda estamos longe de descrever e compreender toda a diversidade de interações ecológicas, particularmente em ecossistemas tropicais. Ambientes marinhos tropicais são hiperdiversos e sustentados por uma complexa rede de interações. Porém, ainda sabemos pouco sobre essa biodiversidade. Esse cenário é ainda mais evidente considerando associações entre invertebrados bentônicos. Em um trabalho de campo recente no litoral norte paulista observamos uma relação inusitada entre o caranguejo Minyocerus angustus (Crustacea: Porcellanidae) e a estrela-do-mar Luidia senegalensis (Asteroidea: Luidiidae), duas espécies ameaçadas de extinção. Pequenos caranguejos associados ao corpo de estrelas do mar foi descrito como um comensalismo há mais de meio século, porém há uma extrema escassez de informações ecológicas sobre a relação específica entre esses organismos, o que evidencia a necessidade de produção de conhecimento neste tópico e motivou a realização deste trabalho. O presente trabalho buscou dar os primeiros passos para a compreensão da ecologia da curiosa interação entre M. angustus e L. senegalensis. Especificamente, investigamos três hipóteses: (1) caranguejos (M. angustus) preferem associar-se a indivíduos vivos de estrelas-do-mar (L. senegalensis); (2) caranguejos preferem estrelas maiores, pois essas devem fornecer maior quantidade de abrigo e potencialmente alimento; e (3) que caranguejos maiores tendem a associar-se a estrelas maiores. Finalmente, testamos experimentalmente se caranguejos trocam de estrela-do-mar quando existe essa possibilidade. Nosso objetivo é contribuir para o conhecimento sobre interações pouco exploradas no ambiente marinho costeiro, destacando a importância de abordagens ecológicas focadas nas relações entre espécies, e não apenas em suas características isoladas. O estudo foi realizado na Praia da Fazenda, no município de Ubatuba, litoral norte do estado de São Paulo, Brasil. Esta região integra o Parque Estadual da Serra do Mar e caracteriza-se por um ambiente estuarino de mar aberto, com extensa planície arenosa e bancos submersos. As coletas de dados ocorreram nos dias 26 e 27 de maio de 2025, em períodos de maré baixa, o que possibilitou o acesso aos bancos arenosos onde se concentra a fauna bentônica. Utilizamos busca ativa, em um grupo de sete pessoas, percorrendo trajetos em varredura paralelos à linha d’água e inspecionando visualmente e manualmente os indivíduos de L. senegalensis. Para cada estrela encontrada, foram registrados: (1) presença ou ausência de indivíduos de M. angustus; (2) número de caranguejos presentes; (3) condição vital da estrela (viva ou morta); (4) raio da estrela, medido do aparelho bucal à ponta do braço mais longo com o auxílio de um paquímetro; e (5) ocorrência de autotomias, contabilizando o número de braços perdidos. Por fim, os caranguejos foram mensurados ainda em suas estrelas hospedeiras, através da coleta de fotografias do conjunto caranguejo-estrela posicionados sobre uma tábua milimetrada e análise posterior através da medição do comprimento dos caranguejos. Também separamos indivíduos vivos de estrelas-do-mar com e sem caranguejos para um experimento para avaliar a possibilidade de transferência de caranguejos entre estrelas. Para isso, colocamos em oito caixas plásticas com areia no substrato e água do mar, pares de indivíduos de estrelas-do-mar. Para cada estrela portadora de um caranguejo inserida na caixa plástica, foi inserida uma estrela de maior tamanho corpóreo sem M. angustus. Desse modo, o caranguejo teve a oportunidade de se transferir para uma estrela relativamente maior. Após 45 minutos, analisamos cuidadosamente as estrelas para verificar em qual delas o crustáceo estava. Após o manejo, os animais foram devolvidos para o mar e a análise foi concluída a partir de testes estatísticos no RStudio. Registramos 53 indivíduos de Luidia senegalensis. Destes, 22 apresentaram associação com Minyocerus angustus, totalizando 30 caranguejos (41,5%). A análise da condição vital das estrelas revelou que 86,38% dos caranguejos foram encontrados sobre estrelas vivas, o que sustenta a hipótese de que M. angustus prefere associar-se a indivíduos vivos de L. senegalensis. Em relação à hipótese de que caranguejos preferem estrelas maiores, observamos que as estrelas que apresentaram associação com M. augustus exibiram amplitude de tamanhos de média 9,16 cm e desvio padrão de 2,43 cm. Por outro lado, as estrelas sem caranguejos concentraram-se em tamanhos de média 7,36 cm e desvio padrão de 3,44 cm. Nesse sentido, a presença de caranguejos está associada tanto a estrelas de tamanhos intermediários quanto grandes, enquanto as menores foram menos frequentemente associadas a caranguejos. Esses padrões indicam uma preferência potencial por estrelas maiores, possivelmente devido ao maior espaço disponível para abrigo ou ao aumento de recursos associados a indivíduos de maior porte. A terceira hipótese propõe uma correlação entre o tamanho dos caranguejos e o tamanho das estrelas. Os testes estatísticos de Pearson demonstraram uma correlação positiva, mas fraca (r=0,4). Por fim, nas oito réplicas do experimento de transferência observamos um evento de M. angustus que trocou de estrela-do-mar, sugerindo um possível mecanismo de estabelecimento e manutenção dessa relação interespecífica. Este estudo é o primeiro passo para compreender a negligenciada associação entre o caranguejo Minyocerus angustus e a estrela-do-mar Luidia senegalensis na costa sudeste do Brasil. Menções a essa interação foram encontradas em menos de cinco artigos e de forma anedótica. Os resultados obtidos até o momento indicam que M. angustus demonstra preferência por associar-se a estrelas vivas, reforçando a ideia de que a vitalidade do hospedeiro desempenha um papel importante na escolha do substrato. Além de uma tendência de associação a estrelas de maior porte, o que pode refletir aspectos relacionados à proteção, abrigo ou otimização de recursos. Em síntese, este trabalho destaca a importância de estudos de campo focados em interações ecológicas que, apesar de pouco estudadas, podem revelar aspectos essenciais para a compreensão das redes ecológicas marinhas. Futuras investigações poderão esclarecer a natureza desta interação e ampliar o entendimento sobre a ecologia dessas espécies bentônicas.

  • Palavras-chave
  • Minyocerus angustus, Luidia senegalensis, interações ecológicas.
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