“A memória é um ser caprichoso e bizarro, comparável a uma jovem”, escreveu Schopenhauer. Caprichosa e bizarra porque não se cansa de nos enganar. Consertando as tramas de nossas vidas, à vontade. Jogando no fundo do poço do esquecimento lembranças que talvez tivesse sido melhor poder guardar, ou nos costringindo para sempre a olhar o que gostaríamos de esquecer. Essa mulher caprichosa, manipula continuamente as cores que vimos, mistura nossas visões, sons, cheiros, emoções e até pensamentos. Ela continuamente nos recria. Recria a nós e a tudo que nos rodeia, num jogo inexorável de vida e morte, onde não escolhemos o que resta, nem a forma que deve ter.
O projeto deste evento parte desta terrível consciência: não sei bem o que vivi, nem como indivíduo, nem como componente de uma identidade coletiva: só posso saber que tudo o que sei é apenas uma piada caprichosa e bizarra desta jovem menina: a memória. É nesta dimensão - e no trágico contexto de distanciamentos forçados que vivemos - que a reflexão filosófica se confunde com a artística e literária: investigar - e talvez tentar superar - as distâncias entre nós, a nossa história, o nosso passado e nossas esperanças para o futuro.