Afrofuturismo e a luta por um futuro “mais enegrecido” por Esdras Souza.
Seria possível pensar uma forma de humanidade, no futuro, sem pessoas negras existindo? Existiria um futuro sem o povo negro? Como será o futuro do povo negro em meio às políticas atuais de genocídios, epistemicídios e negação do saber negro? Essas questões, por mais estranhas ou esquisitas que pareçam, geraram e ainda geram tensões latentes na mente de artistas, ativistas e pensadores negros, principalmente no campo da estética. Sur Ra, um dos principais nomes do Jazz nos Estados Unidos, começou a pensar em alternativas futuras para o seu povo e empenhou-se em algo que, mais tarde, seria conhecido como Afrofuturismo.
Em linhas gerais, Afrofuturismo seria um movimento artístico, filosófico, cultural e político, que contém elementos da matriz africana, revertida de ficção científica e tecnológica, cuja finalidade seria pensar o sujeito negro no futuro, como produtor de ciência e tecnologia, sem, contudo, perder sua essência filosófica e política matricial. Esse movimento estético inicia-se na música negra, em 1994¹ e reverbera na literatura, na ficção, na arte e na produção cinematográfica, com foco na idealização de um futuro possível e digno para o povo negro.
A necessidade de novas perspectivas para o povo negro, seja em diáspora ou na terra mãe, seria, a priori, uma urgência, com vistas na continuidade do legado científico desse povo. Elementos do cotidiano nos fazem pensar que, por mais absurdo que pareça, a ficção científica atual, produzida sob os moldes da supremacia racial branca, não reserva lugar para os negros no futuro. A exemplo disso, temos produções pós apocalípticas como Planeta dos Macacos, Star Wars, e outras produções que idealizam um futuro exclusivo para o sujeito branco. Assim,
O Afrofuturismo surge como uma nova possibilidade de narrativa para as pessoas negras, já que o (euro)futurismo não nos contempla. Os paradigmas ocidentais de ficção científica não foram concebidos para comportar nem pessoas de rosto africano e tampouco seu imaginário ancestral; ao contrário, tais paradigmas ocidentais tem por objetivo seguir com o embranquecimento espiritual e psicológico dos descendentes africanos (KABRAL, 2017, P. 4).
Nesse sentido o projeto de dominação e extermínio em curso, visa, dentre outras coisas, apagar qualquer forma de representação positiva futura para o povo negro, eliminando da arte, da ciência e da tecnologia todo o legado que esse povo criou. Nas escolas não é diferente, visto que autores (as) como Sueli Carneiro (2005), Jean Gomes (2018) e outros, revelam em seus estudos a ausência de referenciais negros (as) nos livros didáticos, desde a pré-escola até a universidade, o chamado epistemicídios. Sobre o conceito de epistemicídios, a autora nos diz:
É importante lembrar que o conceito de epistemicídio, utilizado aqui, [...] se constituiu e se constitui num dos instrumentos mais eficazes e duradouros da dominação étnica/racial, pela negação que empreende da legitimidade das formas de conhecimento, do conhecimento produzido pelos grupos dominados e, consequentemente, de seus membros enquanto sujeitos de conhecimento (CARNEIRO, 2005, P. 96)
Fica explícito no fragmento acima que o projeto da supremacia branca é aniquilar os dominados de todas as formas possível, inclusive no mundo intelectual. O ofuscamento do legado intelectual de todo um povo, que durante séculos dominou a ciência, a economia, a filosofia e todas as outras formas de conhecimento, seria o primeiro passo para o seu extermínio. Sobre isso, Marcus Garvey, um dos grandes líderes visionários do povo negro, que iniciou um projeto de criação do Estado de soberania negra a partir da UNIA (União Internacional Para o Progresso do Povo Negro), que tinha o propósito de reerguer seu povo no mundo, alertava-os: “Se você não sabe o que aconteceu antes de você chegar aqui e o que está acontecendo no momento em que você vive, você não conhecerá o mundo e ignorará a humanidade” (GARVEY, 2017, P. 100).
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O I Colóquio Afrofuturista, como o próprio nome sugere, nasce de uma proposta Afrofuturista de articulação do pensamento Afrocentrado; da ideia radical de que pessoas negras existirão no futuro; que a arte, a educação e principalmente as abordagens epistemológicas e científicas também estarão em seus campos de perspectiva. O movimento Afrofuturista, que também é um movimento estético cultural que adere a ficção científica e a tecnologia, bem mais do que uma moda afrocentrada, é acima de tudo o empoderamento para se projetar no futuro, sem perder de vista o seu passado e o presente. É uma reivindicação epistemológica que nos projeta no futuro. O colóquio existe, por entender que a educação muda e está inserida como parte integrante desse projeto de vida.
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