Política migratória no Brasil

um longo e sinuoso caminho

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Sexta, 13 de setembro de 2024 Das 14:00 às 15:30

Sobre o Evento

Este evento possui transmissão ao vivo.

POLÍTICA MIGRATÓRIA NO BRASIL – um longo e sinuoso caminho

José Carlos Pereira (Centro de Estudos Migratórios - CEM)

RESUMO

O seminário discutirá arranjos políticos, bem como os grupos sociais envolvidos na formulação de leis e no desenho de políticas migratórias no Brasil. Sem resolver satisfatoriamente o velho problema da migração interna, vários conjuntos de fatores globais pressionam e intensificam a imigração na nossa jovem e ameaçada democracia. o Brasil torna-se um país de emigração, imigração e trânsito de migrantes. Isto ocorre no bojo da globalização econômica, da automação de processos produtivos, de perseguições religiosas, do aumento da pobreza e da fome, da multiplicação das redes de tráfico e contrabando de pessoas, mudanças climáticas, guerras, da maior complexidade das relações internacionais, da ascensão da extrema direita internacional e a difusão de políticas xenófobas, de rechaço e criminalização de migrantes mundo afora. Neste contexto, Será dado destaque aos avanços e recuos na instituição de direitos para migrantes no bojo do fortalecimento do conservadorismo e do extremismo de esquerda e de direita internacionais, mascarados como "nova política".

OLHAR HISTÓRICO

Para que uma legislação e uma política migratória possam ir ao encontro dos reais anseios e perspectivas de migrantes e seus familiares, o poder público não pode concebê-los apenas como destinatários dos direitos. Eles devem ser vistos e tratados, também, como seus coautores. Isto exige alta capacidade de propor e garantir processos democráticos nos quais todas as pessoas possam se sentir pertencentes à comunidade política e social sem deixar de expressar, de viver as suas diferenças.

A história das políticas migratórias no Brasil tem um longo e sinuoso caminho. Sem contar a migração forçada, o comércio e o tráfico de africanos para o trabalho escravo, a primeira lei sobre o tema remete à chegada da Família Real e publicação da Carta Régia de 1808 (Decreto de abertura dos Portos às nações amigas) que liberava o comércio do Brasil com outras nações e a consequente circulação entre seus nacionais ligados a empreendimentos produtivos, comerciais e colônias de povoamento.

De lá para cá, passando pela instituição do Brasil como Reino, Império, as várias fases da República - inclusive seus períodos de ditadura (1937 a 1945; 1964 a 1985) - , pela restauração da democracia (1985), as leis de migração e a política migratória sempre foram caracterizadas por aspectos de segurança nacional.

Em todos os períodos assinalados, a elaboração de leis e o desenho de políticas migratórias sempre estiveram atrelados a interesses econômicos como a substituição do trabalhador escravizado pelo livre nas fazendas de café e indústrias nascentes nas cidades. E não ficam de fora interesses políticos e culturais racistas e xenófobos, como a tentativa de branqueamento da população brasileira. Para isso, foram implementadas e subsidiadas políticas de imigração seletivas para colônias de povoamento com europeus saudáveis, aptos ao trabalho; e bloqueavam a entrada de asiáticos e africanos. Nesse contexto, o Estado brasileiro sempre se alinhou ou foi refém dos “donos do poder” que moldavam a política migratória aos seus interesses.

O Estatuto do estrangeiro (Lei nº 6.815/1980), vigente de 1980 a 2017, condensa bem o espírito das leis e políticas migratórias ao longo daquele sinuoso caminho, qual seja: a imigração sempre foi tratada como questão de segurança pública, caso de polícia. O imigrante – mesmo o branco – só tinha razão de estar aqui a reboque de desenvolvimento etnonacionalista, racial, cultural e econômico.

TRANSFORMAÇÕES POLÍTICAS, ECONÔMICAS, SOCIAIS E CLIMÁTICAS

Aquela trajetória ganha contornos diferentes quando o Brasil deixa de ser “apenas” país de imigração e passa a ser, também, país de emigração. Os crescentes desafios políticos, econômicos e sociais das migrações internacionais se sobrepõem à complexidade das migrações internas, historicamente atreladas à modernização e à violência nos campos, bem como ao desenvolvimento urbano e industrial. Sem resolver satisfatoriamente o velho problema da migração interna, vários conjuntos de fatores globais pressionam e intensificam a imigração na nossa jovem e ameaçada democracia. o Brasil torna-se um país de emigração, imigração e trânsito de migrantes. Isto ocorre no bojo da globalização econômica, da automação de processos produtivos nos campos e nas cidades, de perseguições religiosas, do aumento da pobreza e da fome, da multiplicação das redes de tráfico e contrabando de pessoas – especialmente mulheres e crianças –, mudanças climáticas, guerras, da maior complexidade das relações internacionais, da ascensão da extrema direita internacional e a difusão de políticas xenófobas, de rechaço e criminalização de migrantes mundo afora.

Aqueles fatores, produtos de ações humanas e seus interesses, ora deslocam milhares de pessoas por florestas, desertos e mares, ora as imobiliza em fronteiras, aeroportos, campos de refugiados e albergamentos insalubres – verdadeiros não-lugares (AUGÉ, 2012) da existência humana ou, como diria Martins (2022), da “degradação do outro nos confins do humano”.

Contudo, em determinadas circunstâncias e arranjos sociais, o não-lugar também pode tornar-se o lugar onde é possível ressignificar (SOUSA SANTOS; MENEZES, 2009), começar, reorganizar e mobilizar novos protagonistas, inclusive os próprios migrantes, propor e instituir novas práticas, valores e direitos humanos e sociais até então negados. Em síntese, o não-lugar não é necessariamente o fim da linha, mas, paradoxalmente, o ponto de partida para a instituição de uma nova ordem.

No bojo daquelas profundas transformações sociais, em 2013 um Projeto de nova lei de migração, com acento na perspectiva dos direitos humanos e inspirado na Constituição cidadã de 1988, foi proposto pelo Senado Federal Brasileiro. Depois de intensa mobilização de instituições políticas, da sociedade civil e dos próprios migrantes através de campanhas, fóruns, conferências, manifestações contrárias e a favor, e de ajustes políticos à redação na Câmara e no Senado, a lei foi aprovada pelo Congresso Nacional em abril de 2017. Neste mesmo ano, foi sancionada como Lei 13.445/2017 (Nova Lei de Migração) pelo então Presidente Michel Temer, com 18 vetos, inclusive o de previsão de anistia a imigrantes.

Apesar dos vetos, a Nova Lei de Migração abre importantes perspectivas ao tratamento humanitário ao imigrante. Abre-se um novo paradigma na política migratória brasileira cuja coluna mestra deixa de ser o trato ao migrante como questão de polícia, segurança nacional e passa a ser a migração como um direito humano, com base no princípio kantiano de que “toda pessoa tem direito a ter direitos”. Com isso, ganharam não apenas os imigrantes mas, também, os emigrantes brasileiros para quem, até pouco tempo, a legislação migratória não previa apoios mais objetivos, seja na imigração seja no seu retorno ao Brasil.

CURVAS DO CAMINHO

Mas, como foi sugerido, a história da política migratória no Brasil nunca seguiu um caminho reto e objetivo no que tange à afirmação de direitos. Ao contrário, a sua trajetória sempre teve idas e vindas, muitas curvas que bloqueiam o acesso direto a direitos previstos em lei. Neste sentido, cabe perguntar: o que, efetivamente, imigrantes e emigrantes vivenciam em seus processos migratórios como obtenção de documentação, segurança na mobilidade, revalidação de diplomas, acesso ao mercado formal de trabalho, à moradia, saúde, educação, - em uma palavra - , ao acolhimento? Tudo isso depende de desenho e a implementação de uma política migratória, sem a qual, a lei – por melhor que seja – não garante o que prevê o seu corpus teórico e corre riscos de figurar como letra morta.

Considerando isso, como o Estado e a sociedade civil têm atuado no desenho e implementação de uma política migratória multicultural e inclusiva no Brasil?

Após a aprovação da Nova Lei de Migração, qual tem sido o caráter da participação dos migrantes e suas organizações no processo de desenho e implementação da política migratória brasileira? Quais os atores e arranjos sociais envolvidos na construção dos caminhos que conduzirão à uma efetiva política migratória?

Como atuam na prevenção e combate à xenofobia, à discriminação étnica e racial, à pobreza, às mudanças climáticas, às perseguições religiosas, à violência de gênero como molas propulsoras de migrações forçadas e tráfico de pessoas?

Qual o caráter do diálogo entre instituições governamentais e não-governamentais na perspectiva de uma cultura que viabilize o acolhimento e a inserção social, política e econômica dos migrantes ancorados em direitos de cidadania e cultura de paz?

Como os Estados influenciam o caráter e a aplicação de políticas migratórias bi e multilaterais no bojo das relações internacionais e suas posições de poder?

Como o Brasil, Estado democrático de direito, tem atendido a solicitantes de refúgio, apátridas e refugiados? Como tem integrado socialmente o imigrante, no bojo das transformações e desafios sociais globais contemporâneos?

Os caminhos construídos até aqui têm se mostrado eficientes?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Augé, Marc. Não lugares. Introdução a uma antropologia da super modernidade. Tradução Maria Lúcia Pereira. - 9ª ed. – Campinas-SP: Papirus, 2012.

MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo-SP: Contexto, 2022.

SOUSA SANTOS, Boaventura. Um Ocidente não-ocidental: a filosofia posta á venda, a douta ignorância e a aposta de Pascal. In: SOUSA SANTOS, Boaventura; MENEZES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. Coimbra (PT): Almedina, 2009.

Palestrantes

  • LETÍCIA CARVALHO
  • ELIZA DONDA

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Local

Missão Paz, 01514-000, Rua Glicério, 225, Liberdade, São Paulo, São Paulo
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Organizador

José Carlos Pereira

CENTRO DE ESTUOS MIGRATÓRIOS - CEM
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISA SOBRE HISTÓRIA ORAL E MEMÓRIA - GEPHOM/EACH/USP