II Jornada Meios Eletrônicos para Solução de Conflitos

20 de setembro de 2018, 08h30 - 13h00

Instituto de Estudos Avançados da USP, São Paulo, SP

Foram dois anos desde que foi realizada a I Jornada sobre Meios Eletrônicos para a Resolução de Conflitos - MESC - no CEST.

A evolução que pode ser observada é significativa, influenciando comportamentos e resultados obtidos por milhares - literalmente milhares - de brasileiros e centenas de empresas. Simultaneamente, no entanto, muito pouco pode ser observado no comportamentos da população que evidencie e reforce esta mudança para ser efetivamente considerada como uma mudança cultural, permeando o tecido social, como seria de se esperar em uma mudança sócio técnica efetiva.

Três são os pontos a serem destacados neste texto que provocam o paradoxo em que o mercado e a sociedade brasileira se encontram:

* A aceitação dos meios eletrônicos ou alternativos para a resolução de conflitos;

* O não entendimento e a necessidade de se tornar uma prática social reconhecidas; e

* A cultura de querer se por sob o império da lei e dai judicializar e transformar em litígio toda e qualquer questão.

O avanço dos meios eletrônicos e alternativos

O desenvolvimento de soluções ligadas ao meio jurídico explorando os recursos de tecnologia encontra-se em pleno florescimento. Como demonstrado por organizações como a Associação Brasileira das Empresas de LawTech e LegalTech (AB2L), entre todas as possíveis áreas de aplicação de tecnologia no direito, a resolução de conflitos é uma que se destaca com a presença de diversas empresas com diferentes graus de maturidade.

A despeito dos esforços para se obter dados mais precisos - como em todo o novo mercado - os números reportados tendem a ser influenciados ou pela busca para conquistar espaço ("share of mind") no público, ou pela necessária conquista de mercado, ou ainda pela desvairada busca por repetir modelos e rodadas de investimentos milionárias.

De fato, o conjunto de empresas atuando na área permite estimar que já se tenham tratados centenas de milhares de casos, com resultados positivos. Constitui ainda um objeto de pesquisa de campo a ser realizada definir e realizar uma observação consolidada do mercado que possa ser repetida periodicamente para demonstrar sua evolução.

O não reconhecimento da solução negociada

Embora seja discutível, a busca das soluções negociadas não está presente na cultura do país. O posicionamento do consumidor, frente ao mau serviço ou mau produto, ainda é buscar externar sua frustração via múltiplos canais pessoais ou sociais. Não há confiança de que a busca de solução junto ao provedor do serviço ou fabricante do produto leva ao resultado desejado. Há na verdade uma busca por canais onde possam expor o provedor ou fabricante a um julgamento público, sem possibilidade de defesa. De fato, a resposta a este canal se pauta em três linhas:

* Proteger a imagem da empresa no mercado;

* Ignorar na tentativa de desacreditar o canal; e

* Responder ao cliente diretamente (a partir da própria exposição do problema no canal), ou indiretamente (redirecionando o cliente a falar com a empresa).

De qualquer forma, o dano à imagem da empresa está feito e a qualidade ou velocidade da resposta ou resolução do problema, em geral, não se reflete no mesmo canal.

A cultura do litígio

Assim como a criança busca o conflito quando se sente acuada e sabe ter um protetor que a garanta, a nossa sociedade cada vez mais acredita ter direitos sem deveres, e que há uma entidade mal definida e identificada como governo ou judiciário que tem por objetivo apenas satisfazer tais direitos e protegê-los. Busca-se o litígio sob a égide do judiciário.

Desta forma, dos menores conflitos nas relações interpessoais ou comerciais às grandes questões do país, se busca um paternalismo ou mais gravemente um tutelamento dos conflitos, como se fosse obrigação do judiciário ou do governo e eximisse a todos e cada um de exercer dentro das suas competências e capacidades a negociação e soluções do conflito. Há duas assunções tácitas: do consumidor sempre como incapaz de buscar seu direito e o da empresa sempre como alheia ao problema do seu consumidor. Não há o reconhecimento de que, em uma economia livre e competitiva, é do interesse da empresa manter o consumidor satisfeito e, é interesse do consumidor, ter a empresa que o serve cada vez melhor. Este reconhecimento foi enfraquecido por anos de interferência do Estado, seja em movimentos estatizantes, seja na legislação, em muitos casos irrelevante e excessiva sobre pequenos detalhes da vida comum.

Perspectivas

A evolução e a sobrevivência dos mais adaptáveis é inexorável, até mesmo nos comportamentos sociais ou coletivos. Os esforços das novas empresas de Lawtech ou Legaltech têm demonstrado seus resultados em construir modelos operacionais que levam a melhores soluções para os consumidores e para as empresas. Os custo e prazos de um sistema judiciário sobrecarregado com questões em um espectro de complexidade tão grande, como ocorre hoje, expõe sua ineficiência e falta de praticidade para as questões dos consumidores no dia a dia.

A mudança de expectativas, procedimentos e custos envolvidos é, portanto, natural e deve ocorrer, tanto nas empresas quanto na própria estrutura do judiciário e das associações correlatas, bem como no próprio consumidor. Esta mudança já começou, mesmo que ainda não seja permeada e intrínseca na cultura.

A atuação das novas empresas, as novas lideranças de negócio e a educação prática e formal das novas gerações no uso das tecnologias como facilitadores dos processos do dia a dia, inclusive na solução de conflitos, tende a se impor, mesmo que não na velocidade que deveria ser esperada em uma sociedade livre e competitiva.

As tecnologias mais disruptivas, tais como inteligência artificial, blockchain e ciência de dados terão o seu papel, mas em um horizonte de planejamento visível, ainda serão instrumentos que podem e irão forjar as mudanças na sociedade. E há muito espaço e variantes para seus resultados.

Os paradoxos entre bons resultados, falta de reconhecimento e conflitos culturais serão resolvidos no processo de evolução ou de aplicação de novas tecnologias. Esforços aproximando a academia dos problemas reais em seminários e jornadas de discussão são mais um pequeno bloco de construção neste caminho evolucionário.

Mario Magalhães

Mario E. S. Magalhães é engenheiro graduado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EP-USP) e colaborador do CEST-USP.

 

 

 

 

 

Coordenador Acadêmico: Edison Spina
Este artigo resulta do trabalho de apuração e análise do autor, não refletindo obrigatoriamente a opinião do CEST.