"Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista pela janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicidas,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente."
(Carlos Drummond de Andrade)
Vivemos em tempos sombrios? É com esse questionamento que o oitavo Ephis lança sua proposta de evento, a ser realizado entre os dias 13 a 17 de maio de 2019. Salientamos que nosso encontro, ora encabeçado pela atual comissão organizadora, é o resultado do esforço coletivo das comissões anteriores e fruto do sucesso das edições passadas. No ano de 2018, por exemplo, fomos convidados a estabelecer diálogos necessários e interlocuções que dessem conta de elaborar algum tipo de leitura do nosso tempo. Para o ano que se aproxima, a conjuntura nacional nos demanda a urgência de um evento que denuncie e, ao mesmo tempo, apresente enfrentamentos às situações do nosso presente.
Preocupam-nos os impactos ensejados pelas medidas neoliberais do governo de Michel Temer e suas consequências na relação do fazer da história, que se constitui entre o estudo, a pesquisa e o ensino, bem como a manutenção das instituições públicas ou privadas voltadas para a educação e guarda patrimonial, bibliográfica e documental, como as universidades, os museus, os arquivos, as bibliotecas, os centros de memória.
Por tempos sombrios entendemos, no entanto, mais do que apenas um neoliberalismo tacanho. Sentimos o bafejar de um neofascismo despudorado para com a nossa área e demais campos de produção científica, que mostra confortavelmente seus dentes e ameaça extinguir o diálogo e o projeto democrático. Viveremos submetidos às consequências de um esforço sistemático de realização de uma “histórica única”? Com a negação de uma ética orientada para a liberdade, tem se buscado em discursos e práticas na esfera pública e privada a concretização de definições rígidas que aniquilam as diferenças e a pluralidade. Dessa forma, o estudar, ensinar e pesquisar, como facetas que constituem o âmago do nosso existir no mundo, encontram-se em xeque no contexto contemporâneo e sofrem diferentes desafios de ordens distintas e que nos afetam como coletividade:
Estudar: a não garantia do ensino de História (Lei 13.415/17); descrédito das cotas raciais e socio-econômicas, estudantes endividadados por conta do FIES; fim do PROUNI; criminalização dos estudos de gênero; cerceamento aos estudos políticos; genocídio da juventude negra; evasão e expulsão das pessoas LGBT das escolas, que, na forma como existem hoje, são um ambiente hostil; cerceamento e vigilância do uniforme de alunas sob o argumento de pudor, que na verdade, expõe a misoginia e a identificação do corpo infantil à sexualização precoce.
Pesquisar: cortes, atrasos e falta de reajuste nas bolsas de iniciação científica, extensão, mestrado e doutorado, tanto em nível federal quanto em nível estadual; precariedade das instituições de guarda documental; descaso com a saúde mental de graduandos e pós-graduandos, dentro de uma lógica quantitativa e não qualitativa da produção do conhecimento, e levando a índices alarmantes de sofrimento psíquico e suicídios.
Ensinar: Escola sem Partido e seu incentivo à busca por uma suposta neutralidade há muito superada pela produção de conhecimento científico; ameaça à manutenção da Lei 10.639/03, e ao ensino da história e cultura afro-brasileira e africana; precarização e desvalorização dos professores; repressão policial em atos que reivindicam melhores condições de trabalho e reajustes; parcelamento dos salários; esvaziamento da profissão pelo notório saber previsto na Base Nacional Curricular Comum. Nos vemos obrigadas a aceitar pagamentos via microempresas que se valem das novas leis trabalhistas. Que descarta os profissionais altamente especializados se servindo do desespero dos mais jovens, que vai ao encontro do projeto de terceirização do trabalho.
Como pretendemos responder a tudo isso? Em 2019, o evento se mantém como um espaço de construção coletiva onde se exprime a luta pela construção plural e pela democratização do conhecimento histórico, bem como a fundamental defesa e manutenção da Universidade Pública, gratuita e de qualidade. Organizado desde sua primeira edição por e para estudantes, o VIII EPHIS assume o compromisso ainda maior de promover o diálogo, não só com a construção do fazer histórico acadêmico, mas de abertura para com o fazer da história do ensino de história, entre jovens pesquisadores, professores da rede pública e particular, bem como mobilizando todos os profissionais envolvidos com a produção, difusão e construção do conhecimento histórico na contemporaneidade.
Este é o nosso manifesto: que nosso evento nos encoraje, nos organize e construa resistência!