Local: Auditório - ICH/UFJF
Leão! Vai encontrar Suçuarana
A sombra de uma imburana
Ao lado de mil tracajás.
Num ritual, arara pula no cipó
Lá na beira do igapó, encantados ancestrais
Por seu legado, mãe da mata de Tupi
Neste solo sagrado, ao pajé foi levado
O rei guarani.
Estácio de Sá/Samba-enredo2025.
A sabedoria ancestral indígena ensina que a humanidade precisa reencontrar o equilíbrio com o planeta e resgatar raízes humanas no contato com a terra. Tanto o planeta precisa de revitalização quanto o humano deve voltar-se à sua alma para o sentir do coração. Nossa orientação é “suleadora”. Ou seja, valorizamos nossas culturas latino-americanas. Decolonizar o currículo é também uma descolonização de nosso ser. Reconhecemos nossa dependência, não somos seres autossuficientes. Precisamos de todo o ecossistema. Nossas relações são circulares e nos atravessam de modo que nos completam e (in)completam. A terra quando abusivamente explorada torna-se estéril. Reage às nossas ações. Não há vergonha em precisar dos outros, humanos ou não. Isso é sair do antropocentrismo e assumir papeis no mundo que precisa de todo o ecossistema. O cuidar é reparação histórica. Nisso, os carnavais de 2024 e 2025 trouxeram o mote dos povos originários e seus ancestrais tecendo diálogos culturais, mitológicos, históricos e de regionalidades, como os enredos “Gbalá - viagem ao templo da criação” da escola Unidos de Vila Isabel, e “O Leão se engerou no Encantado Amazônico” da agremiação Estácio de Sá. O lócus, a nossa floresta Amazônica, suas culturas e mitologias ricas em encantamentos que se perpetuam entre gerações, trazendo narrativas históricas das culturas populares.
É nesse sentido que os mitos são parte integrante do currículo escolar de História, estando presentes em documentos normativos como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e nos livros didáticos que circulam pelo país. Entretanto, para além das normativas curriculares, conhecer diferentes mitos, em destaque nessa proposta, os mitos de criação, nos aproxima da cosmovisão e da produção de epistemologias de diferentes povos, etnias, religiões e crenças. Nesse contexto, o trabalho com os mitos de criação apresenta também interdisciplinaridade com discussões do campo das ciências naturais, como as teorias evolucionista e criacionista. Nossa proposta se baseia em uma prática comparativa entre diferentes mitos, não no sentido hierarquizante, mas tendo como objetivo reconhecer suas diferenças e similaridades, assumindo uma posição de curiosidade respeitosa em relação às diferentes crenças. Portanto, serão apresentadas as narrativas mitológicas de povos indígenas do Brasil, mitos afro-brasileiros e da tradição Iorubá, e a partir da discussão inicial sobre suas histórias e estórias, será produzido o material comparativo.
A intenção dessa proposta é lhe encontrar nas esquinas da distância onde somente o ortografar pode nos levar. Deslocamo-nos na direção de outros por meio desta oficina, narrando a trajetória do nosso trabalho pedagógico enquanto professoras da rede municipal de Juiz de Fora, desenvolvido no âmbito do PIBID, como professoras supervisoras dos bolsistas, licenciandos dos cursos de História e de Pedagogia da UFJF.
Propomos aos participantes uma oficina que apresente possibilidades de trabalho pedagógico no ensino de história (nos anos iniciais e nos anos finais do Ensino Fundamental), a partir da mobilização de narrativas mitológicas de povos indígenas do Brasil, mitos afro-brasileiros e da tradição Iorubá. Nossa intenção é provocar outros movimentos docentes e engendrar mudanças. Nesse preâmbulo, narrar essa experiência em trio, cada qual dentro de sua realidade escolar, proporciona o entender e o valorizar do trabalho dos professores.
Escrevemos sobre os cotidianos escolares, apoiadas em Certeau (1996) e autorizamo-nos a escrita com Fernandez (1994). Das possibilidades imbricadas de ensino/aprendizagem do aprendente e o espaço outorgado pelo ensinante. Propomos o questionamento e o desenvolvimento das aprendizagens. Outrossim, o aprender tem a ver com o tocar o outro, pôr-se em contato com este em suavidades intencionais a convite do ensino-aprendizagem. Educar deve permitir ao educando ler o mundo e operá-lo nas suas diversas condições de análise e reconstrução do conhecimento, promovendo o desenvolvimento efetivo de habilidades cognitivas e sócio-históricas..
Para que a aprendizagem aconteça, o trabalho deve ser ordenado, lento, profundo e contumaz, e, sobretudo, desvinculado de uma cultura curricular que prioriza o conteúdo marcado pela erudição. De acordo com Forquin (1993), se pensarmos nos problemas educacionais, muitos deles referem-se à transmissão cultural da escola, algumas confusas e cruciais. Portanto, é preciso reconhecer que a ordem humana da cultura não é um tecido imutável e uniforme, ao contrário, existe uma diversidade de aparências e formas no tempo que variam por entre sociedades. Não há homogeneidade, e os elementos podem provir de fontes e tempos diversos, o que nos leva à “metáfora da bricolagem” (processo criativo com materiais e recursos disponíveis, muitas vezes de forma improvisada e não convencional, para criar algo novo).
A aprendizagem é apropriação e reconstrução do conhecimento do outro, ou uma parte deste, que se encontra com nossos próprios saberes pessoais, como completa Fernandez (1994), sendo gerada na inquietude. Portanto, abrimos a escrita das confidências de sala de aula, que nos permitem contar das aventuras, dos saberes em vivências docentes/discentes na contramão de um mundo de vazios modernos e desencantados[1]. Queremos resgatar o que foi perdido e trazer, novamente, as encantarias humanas para o chão da escola.A memória nasce das vivências pontua Vigotiski (2008). Nenhuma palavra está descolada das emoções. O mundo é formado por sinais cheios de signos e sentidos. Essa atribuição de sentidos não é uma condição inata, são processos da construção social.
A inspiração é a criança, portanto, visualizamos para além de um ser humano isolado e passamos a descortinar o humano existindo em um determinado tempo e espaço. Na educação escolar é dado o nome de “obutchénie”[2]. Esse termo refere-se ao processo pedagógico que envolve professores e alunos. Ele é caracterizado pela unidade da ação de ambos e o foco está na aprendizagem do estudante, e pode ser traduzida como uma aprendizagem desenvolvimental. Quando o cultural e o social se encontram, conseguimos ver a transformação. Em situação concreta, em condição social e de natureza.
Nesse trabalho sobre as narrativas da criação, conseguimos comparar vozes, histórias e dizeres. Segundo Cooper (2006), cabe ao professor constituir com os alunos as noções do tempo a partir do sequenciamento de acontecimentos, fontes e os objetos no sentido cronológico, assim como lançar mão de linguagem própria que demarcam a passagem do tempo, para depois trabalhar ideias transversais como semelhanças e diferenças, causas e efeitos. A intenção, enquanto docente, é o resgate do encantamento de um mundo que foi desencantado pela racionalidade formalizadora. Ou seja, romper com o espírito capitalista que neutraliza existências e dessacraliza a vida no que diz Weber (2014). Tempos espumosos que envolvem nossa sociedade, e a escola precisa se blindar para abrir-se á tempos de respiro, não permitindo que o sufocamento capitalista direcione o nosso fazer pedagógico. Logo, permitindo a densidade do profundo a molde Larossa (2017). A busca é a de não se render ao engessamento canônico, elitista do mesmo, mas sim, olhar para o desconhecido. Convidamos a dúvida para podermos imaginar novos mundos. A partir dos contos criacionistas, trabalhamos o que era mito e ciência, e promovemos a produção a partir dos olhares criativos das crianças. Com elas, pudemos ultrapassar práticas rotineiras e lançar novos caminhos a fim de favorecer o crescimento intelectual, cultural e social dos sujeitos. Nossa intenção foi a de promover costuras entre os saberes, incentivando a prática de relatos para desenvolver conceitos acerca do tempo e outros que envolvam o pensamento histórico.