Local: Sala Capitu - PPGLetras
A Inevitável Diluição do Conhecimento e do Bem Comum na Sociedade Democrática (Cristina de Souza Agostini, UFMS)
No diálogo platônico Fedro, uma das discussões que ocupa grande parte da atenção de Sócrates e do jovem Fedro consiste na constatação de que a escrita é um veículo que dissemina, indiscriminadamente, o conhecimento tanto para entendidos no assunto quanto para ignorantes. Com efeito, enquanto os leitores podem ter acesso a diferentes discursos acerca dos quais não detêm nenhuma ideia, os escritores, habilidosos na composição das letras e palavras, podem elaborar diversos textos sobre inúmeros temas sem que, necessariamente, conheçam o assunto em relação ao qual escrevem. Já no livro VIII da República, Sócrates analisa o modo pelo qual os pilares do regime democrático, a saber, liberdade e igualdade são fundamentais para explicar o porquê na democracia o conhecimento se torna fluido e a autoridade daquele que efetivamente conhece passa a ser questionada. Desse modo, a partir das argumentações do Fedro e da República, procurarei demonstrar de que modo a compreensão radicalizada dos conceitos de liberdade e igualdade está na origem tanto da diluição do conhecimento, quanto da própria democracia.
O Banquete como Gênero no Livro V de "O Banquete dos Sábios" de Ateneu de Náucratis (Liebert de Abreu Muniz, UFERSA)
Ateneu, nascido em Náucratis no Egito - não conhecemos a data de seu nascimento - representa a interseção entre três culturas centrais do mundo antigo: nasceu no Egito, escreveu em grego e viveu em Roma. Sua obra O banquete dos sábios (gr. Deipnosofistái), foi finalizada nos anos subsequentes à morte do imperador Cômodo, ca.192 d.C. Modelada pelo Banquete de Platão (Trapp, M. 2000), o texto de Ateneu interessa não só à pesquisa sobre o evento social do banquete na cultura clássica (a considerar a comida, bebida, mobília, música, poesia, dança e costume), mas também ao estudo desse evento enquanto forma literária (Relihan, J. 1992). Nossa proposta se concentra no Livro V, no qual Ateneu reúne excertos homéricos que versam sobre o banquete como um evento social, formando uma espécie de catálogo de simpósios, suas formas, suas circunstâncias e regras. A obra de Ateneu não parece planejar uma simples reunião de simpósios, mas parece estruturar uma complexa arquitetura composicional que promove uma variação (gr. poikilía) de autores, gêneros literários, temas, e recursos retórico-discursivos (Lukinovich, A. 1990). Além de fazer conhecer Ateneu, seu texto e a tradição literária na qual se insere, nossa proposta pretende abrir uma discussão para o banquete como um tipo composicional mais amplo e presente em literaturas contemporâneas. Dessa forma, esperamos demonstrar que o banquete continua a ser um evento de variação cultural, literária, musical e artística.
Quem é o Alcibíades das Representações Alcibideanas? (Vicente Thiago Freire Brazil, UECE)
Alcibíades, o célebre estratego ateniense, é uma das figuras mais controversas da antiguidade grega. Criado como herdeiro do espólio político de Péricles, educado junto ao “homem mais sábio de toda a Hélade”, multivencedor dos jogos olímpicos, inigualavelmente belo; Alcibíades sintetizava em si o que havia de melhor entre os helenos. Porém, sobre esta personagem também recaiu o desprezo da tradição. De historiadores (Tucídides e Plutarco) a poetas (Aristófanes), incluindo os filósofos (Platão), os registros literários – em um acontecimento raríssimo no mundo antigo – são unânimes em descredibilizar, de algum modo, Alcibíades. A ele não se dedicou nenhum encômio. Chama atenção o fato de que até os acontecimentos que precederam, e constituíram, o fracasso da Expedição à Sicília, Alcibíades usufruía de um verdadeiro salvo-conduto social. Ele não só podia fazer, como agia de modo incontrolável. Esta palestra tem como objetivo problematizar essa aparente homogeneidade depreciativa com a qual a tradição tem avaliado o político ateniense, bem como discutir as implicações históricas, políticas e literárias desse processo. Como hipótese pretende-se demonstrar a artificialidade dessa construção imagética malévola, bem como apontar os usos políticos dos quais a produção literária sobre o Alcibíades se serviu. Num ambiente de fracasso comunitário, de derrota bélico-econômica, o erastes de Sócrates foi convertido no símbolo máximo da derrocada da pólis. Contudo, convém questionar: são sobre Alcibíades as representações alcibideanas? Deste modo, compreender os diferentes vieses nas fontes antigas nos servirá como etapa preparatória à possibilidade de eventuais leituras construtivas sobre Alcibíades.