Coleta de gestos: bordado e fotografia como pesquisa artística

  • Autor
  • Vanessa Santos Ximenes
  • Resumo
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    Minha pesquisa sobre o feminino se iniciou em 2013. O bordado como linguagem artística, no entanto, só assumi recentemente de um ano, no máximo dois, pra cá. Meu tecer é antigo, veio de um saber que atravessa gerações. Aprendi a bordar ainda pequena com a minha mãe que aprendeu com a minha avó. Todo o meu conhecimento sobre bordado veio das mulheres da minha família e a fotografia analógica do meu avô. Meu trabalho é o tempo todo uma rememoração de tudo que essas pessoas me passaram. Enquanto estive na Escola de Belas Artes (na Graduação e no Mestrado) em nenhum momento ouvi falar das técnicas de Arte Têxteis. O bordado é uma técnica quase que invisibilizada pelo seu caráter feminino e íntimo. Na minha família bordávamos no interior de nossas casas, esse conhecimento era passado de geração em geração desde a minha tataravó e muitas das vezes os bordados expressavam sentimentos profundos através de imagens e palavras. Mas até hoje é “mal visto” pelas instituições formais como “apenas Artesanato”. Isso fez com que eu demorasse muito tempo para enxergá-lo como uma possibilidade de problematização da Arte e da Cultura. Porém, hoje o meu fazer é muito claro e certeiro em relação aos meus propósitos e minha forma de estar no mundo. Produzo cotidianamente e até a exaustão. Nos momentos em que meu corpo não dá conta de continuar, eu escrevo. A escrita me organiza e é também o descanso que meu corpo precisa. Meu trabalho é, em sua maioria, resultado de exercícios sobre o corpo, a vivência do tempo presente como cura de memórias subjetivas, sejam em residências artísticas ou em propostas individuais de trabalho. De 2019 para cá eu fotografei 30 mulheres para um projeto que a princípio seria um trabalho só. O projeto começou a crescer em meados de 2019 quando cada uma delas postava em sua rede social o que tinha achado da experiência, aos poucos, isso fez com que mais mulheres me procurassem. No fim, o que era para ser apenas um trabalho ou uma série acabou se tornando várias que têm como enfoque os elementos da natureza referenciados por bordados. O elemento terra se tornou a série nomeada por “Carne-terra”, o ar “Feminino é vento que sopra sementes na terra”, a água “Feminino é um lugar que chove dentro” e o fogo ainda sem título e em processo de construção. O projeto Coleta de Gestos me ensinou e ainda me ensina muito sobre potência feminina, auto-cuidado, compartilhamento de vozes, trocas afetivas. Foram 30 mulheres, 30 corpos, 30 dias (1 com cada uma), 30 histórias, 30 vezes que conheci a fundo cada uma delas na minha casa, ofereci 30 vezes café, acolhimento, escuta. Os ensaios ocorreram de março de 2019, aproximadamente, até janeiro de 2020. E os bordados ainda estão em andamento. A expectativa era de chegar a 50 no ano de 2020, no entanto fui impossibilitada de dar prosseguimento aos ensaios por causa do isolamento social decorrente da pandemia de covid-19. São muitos textos que desenvolvo a partir desses encontros e no decorrer do processo de bordado. Vejo o projeto em si como o ponto de partida na coleta de todas essas vozes, sentidos, afetos e a partir disso vou reorganizando cada peça, cada foto bordada, cada trabalho individualmente e incluindo nas séries "filhas".

    Me interessa a pequenez dos detalhes, imaginar o avesso das coisas, esculpir com a linha como se eu tivesse a mesma proporção que ela, como se os furos de agulha fossem enormes túneis que me acolhem. Me transporto para os detalhes da imagem ao bordar, me faço pequena para caminhar em cada parte, percorrer cada espacinho e ao furar o papel eu vou da imagem ao seu avesso, entro e saio com todo o meu corpo, ao inscrever as linhas na imagem eu me inscrevo inteira nela, caminho, mergulho, me refaço. O avesso do bordado é uma escrita paralela, não dita, velada, vou da casca a polpa de cada palavra, no âmago do ser que cada linha remete através da historicidade do bordado, da memória das coisas, do inconsciente que não é só o meu, ele está na imagem, no bordado, no ser que tudo habita.

    Percebo que sou pequena diante da natureza, me vejo imersa no meio de árvores, da vegetação, me sinto acolhida pela correnteza das águas de cachoeira. Ao bordar a questão da pequenez, do detalhe retorna, sinto quase todas as vezes como se eu entrasse pelo buraco da agulha como quem entra em portais naturais feitos entre duas árvores que têm suas folhas entrelaçadas uma na outra numa floresta. Magicamente me vejo penetrando esses portais e sendo transportada para o outro lado do papel. Percorro como a formiga que anda sobre a fita de moebius e descobre que o dentro é o fora e tudo faz parte de uma mesma superfície. Marco o caminho da linha com a agulha da frente ao avesso, da pele ao organismo do ser, da superfície às profundezas de cada corpo. Nessa caminhada cotidiana do bordado eu teço meu caminho imaginário do corpo à linha, da imagem ao seu conteúdo. O espaço do papel é a minha memória ativada, pulsante, meu feminino vem à tona, inscrevo árvores no interior do espaço da folha de papel fotográfico e sobre a imagem do corpo de várias mulheres. Ao furar a superfície eu tento exaustivamente ir do topo às profundezas de cada uma delas colhendo frutos, raízes, sementes, água em cada imersão da agulha eu mergulho junto tentando resgatar uma língua perdida, esquecida, do conhecimento sobre a terra, sobre os símbolos, sobre os seres vegetais e a nutrição de cada um deles.

     

  • Palavras-chave
  • Arte; bordado; feminino; natureza.
  • Área Temática
  • ST 04 - Periferia é Centro: processos artísticos e culturais em contramão
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O IFRJ campus Belford Roxo promove, anualmente, a Semana Acadêmica do IFRJ campus Belford Roxo, que conta com palestras, mesas redondas, oficinas, minicursos, apresentações artísticas e culturais, além dos resultados de trabalhos desenvolvidos ao longo dos cursos oferecidos no referido campus. O evento costuma acontecer concomitantemente à Semana Nacional de Ciência, Tecnologia e Economia Criativa.

Dentro da Semana Acadêmica, ocorre, ainda, o Encontro de Pesquisadores, momento em que os servidores atuantes no campus Belford Roxo apresentam os resultados de seu trabalho, conectando pesquisa, ensino e extensão.

No ano de 2020, de 19/10 a 23/10, ocorreram a 3a. Semana Acadêmica do IFRJ campus Belford Roxo e a Semana Nacional de Ciência, Tecnologia e Economia Criativa. Ainda compondo os eventos, de 16/11 a 18/11, ocorreu o 3º. Encontro de Pesquisadores do IFRJ campus Belford Roxo. Com o isolamento social decorrente da pandemia do COVID-19, foi a primeira vez que os eventos aconteceram totalmente online. Também foi a primeira vez em que as submissões de trabalhos foram abertas aos pesquisadores de outras instituições e aos estudantes, movimento que só foi possível em razão da expertise adquirida com a realização dos eventos em anos anteriores.

Com o tema “Baixada Fluminense Presente! Diálogos entre Educação, cultura e Arte”, estudantes e profissionais, preferencialmente atuantes na Baixada Fluminense, puderam submeter seus resumos estruturados e/ou relatos de experiências. Estes trabalhos submetidos foram organizados e apresentados em quatro Simpósios Temáticos:

O ST 01 - Direitos humanos, culturas e identidades, coordenado pela professoras Heloisa Santos, Lívia Paiva e em parceria com a coordenadora do ST 06, Jaqueline Gomes recebeu trabalhos que discutiam as questões de gênero, raça e classe, a partir de uma perspectiva crítica que avaliasse o sexismo, o machismo, a lgbtfobia, o racismo e o classismo como violações dos direitos humanos. Considerando tais elementos, trabalhos que abordassem estas questões, especialmente a partir de uma perspectiva interseccional, eram de interesse deste ST, seja em uma perspectiva teórica, seja por meio de trabalhos que trouxessem resultados de práticas educativas, ativistas, artísticas, dentre outras formas de abordar a luta pelos direitos no mundo contemporâneo, especialmente aqueles que buscavam estabelecer diálogos que se voltem para o Eixo Sul-Sul.

O ST 02 - Gestão, design, moda e carnaval, coordenado pelos professores Flávio Sabrá, André Dias em parceria com a coordenadora do ST 06, Cássia Mousinho, se propôs a ser um espaço para a discussão e reflexão crítica de questões relacionadas às práticas de gestão e negócios no campo da moda, carnaval e festejos, observando sua relação com design, arte, vestuário, artesanato, modelagem, administração e as suas interlocuções entre o processo criativo, produtivo, distributivo e de validação dentro da Cadeia Têxtil/Confecção e da Economia Criativa, seja em trocas formais ou informais.

O ST 03 - Cidades, territórios, culturas e educação, coordenado pelas professoras Gabriela Ribeiro e Bárbara Friaça, abordou trabalhos que traziam o debate sobre cidades, territórios e as vivências deles e neles, intermediadas por diversas vertentes culturais e educacionais (artesanato, moda, culinária, acervos de espaços de cultura e memória, patrimônio cultural, espaços culturais, espaços de lazer, urbanismo, design, educação formal, não formal e informal, entre outros). Também recebeu trabalhos que discutiam sobre inclusão social, entendendo que possibilitar acesso e usufruto amplos e irrestritos aos espaços citadinos contribuem para o incremento da inclusão social, propiciando uma formação holística às pessoas, nos âmbitos cultural, social, educacional, de lazer, de desporto, entre outros.

O ST 04 - Periferia é Centro: processos artísticos e culturais em contramão, coordenado pelas professoras Ana Adelaide Balthar e Lucia Vignoli, buscava discutir como os rearranjos espaciais reverberam nas produções artísticas culturais das periferias urbanas frente a questão do distanciamento social devido a pandemia de COVID-19. “Reinventamos e experimentamos existências bidimensionais, através de dispositivos digitais. Telas de telas. Os deslocamentos se restringiram, mas os encontros se constelaram. De repente, a Baixada não sofre de lonjura, de repente a periferia é centro”.

O ST 05 - Corpos, diversidades, identidades e culturas, coordenado pela professora Jaqueline Gomes, objetivava fomentar, em um ambiente complexo, a inclusão de pessoas oriundas de diferentes grupos sociais. Recebia trabalhos que promovessem investigações e propostas de intervenção, considerando os corpos em suas possibilidades na cultura das aparências. 

O ST 06 - Design, artesanato e tecnologia, coordenado pela professora Cassia Mousinho, buscava fomentar a análise do trabalho artesanal, através de seus aspectos estéticos, técnicos, mercadológicos e sociais. Também pretendia reforçar a importância do desenvolvimento de tecnologias e os artefatos a elas associados no âmbito material ou digital, realizando uma ponte entre o artesanato e o design.

Estes Anais são resultantes dos trabalhos aprovados e apresentados no 3º. Encontro de Pesquisadores do IFRJ campus Belford Roxo. É uma das nossas contribuições para a reafirmação da Baixada Fluminense enquanto território potente cultural, artística e educacionalmente.

Boa leitura!

  • ST 01 - Direitos humanos, culturas e identidades: gênero/gêneros
  • ST 02 - Gestão, design, moda e carnaval
  • ST 03 - Cidades, territórios, culturas e educação
  • ST 04 - Periferia é Centro: processos artísticos e culturais em contramão
  • ST 05 - Corpos, diversidades, identidades e culturas
  • ST 06 - Design, artesanato e tecnologia

3º Encontro de Pesquisadores - IFRJ/Campus Belford Roxo

Comissão Organizadora

Docentes

Heloisa Helena de Oliveira Santos - Coordenadora de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação
André Monte Pereira Dias
Flávio Glória Caminada Sabrá
Gabriela Sousa Ribeiro
Lucivania Filomeno Ponte

 

Estudantes
Sara Canto
Gregory Andrade

Comissão Científica

Alicia Romero - UNESA

Ana Adelaide Lyra Porto Balthar - Nena Balthar

André Monte Pereira Dias

Bárbara Boaventura Friaça

Cassia Mousinho de Figueiredo

Charles Leite - UFPE

Denise Loyla Silva

Flávio Glória Caminada Sabrá

Gabriela Sousa Ribeiro

Heloisa Helena de Oliveira Santos

Jaqueline Gomes de Jesus

Lívia de Meira Lima Paiva

Lucivania Filomeno Ponte

Maria Lucia Vignoli Rodrigues de Moraes - INES

Vanessa Santos Ximenes

 

Reitor

Raphael Barreto Almada

Pró-reitora de Extensão

Ana Luisa Lima

Diretor de Implantação - Campus Belford Roxo

Marcio Franklin de Oliveira

Diretora de Ensino

Rosi Marina Rezende

Coordenação de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação do Campus Belford Roxo: extensao.cbel@ifrj.edu.br