17º Encontro Internacional de Música e Mídia

LA VIE EN ROSE? MÚSICA E MÍDIA EM TEMPOS TÓXICOS

15-17 de setembro, 2021

*** SUBMISSÃO DE TRABALHOS COMPLETOS: Clicar em "Submissão de trabalhos", depois em "Trabalhos completos" ***

Em 1905, aos 16 anos, Américo Jacomino, o Canhoto, compunha aquela que seria uma obra obrigatória do repertório violonístico brasileiro: Abismo de Rosas. Elegante valsa de salão, acena a uma Belle Époque citadina de boas maneiras e maneirismos em tom cortês. Pouco se conhece a versão cantada, que trata da desventura amorosa do jovem compositor.

Em 1968, o cantautor Geraldo Vandré apelaria às flores para chamar a população à reação e resistência face à repressão imposta pelo período militar: “Indecisos cordões ainda fazem da flor seu mais forte refrão e acreditam nas flores vencendo o canhão”. Novamente as flores: desta vez, cravos seriam usados, em Portugal, para mudar a história: a Revolução dos Cravos (1974). A imagem marcante da boca de um canhão com um cravo no lugar de uma bala tornou-se um ícone. E por Portugal recordamos que a Virgem Maria era a Rosa Mística, com a qual fez-se a marca da colonização, e escravidão, cantando suas "virtudes" em motetes e missas, mas também em versos do cancioneiro popular.

Percorrendo esse florilegium musicæ, deparamos com um outro lado. Em 1978, em meio ao recrudescimento da ditadura militar, os Secos e Molhados perguntavam insistentemente: “Que fim levaram todas as flores?”. Nessa mesma época, o “Rei” Roberto Carlos estreava no Canecão com uma big-band. De cantor de iê-iê-iê, investe na imagem madura, tomando como exemplo os shows de Frank Sinatra. Dentre os destaques, As flores do jardim da nossa casa; de cunho íntimo e melancólico, contrastando com as “flores astrais” dos Secos e Molhados. “Desbunde” e verve conservadora, simultaneamente, angariavam um público crescente, sempre apelando às flores…

Mais recentemente, em 2013, o grupo Confronto lança a canção heavy metal Flores da guerra, aludindo a heroínas afrodescendentes guerreiras. “Todas se fundem numa só: Xica, Dandara, Maria, Anastácia… Negra, guerreira. (...) Esquecida na história (...) A bela flor. Que sangra pela Guerra (...). A pureza. No ódio. Nas trevas. A resistência se mantém por elas! Cuida, cria, chora. Perfuma. Decide, enfrenta. Luta!”

Pela denotação e, sobretudo, pela conotação, imagens doridas se associam ao belo: flor de fango, lírio do lodo acena à pobreza e prostituição, cravo e a rosa vermelha à passionalidade transbordante. E assim vemos como as flores se lançam às divas, como Maria Malibran ou Augusta Candiani… heroínas da vida representada, consumidas por suas vozes. Também as ideologias se valem das flores para lançar suas pautas (rosa vermelha, copo-de-leite). A também vermelha tulipa remete ao amor verdadeiro, mas também é símbolo de guerra; fonte do ópio viciante, mas analgésico, anestésico, hipnótico, sedativo. O que para Rimbaud ou Artaud servia para estimular a criatividade, serve também para o entorpecimento, o embotamento dos sentidos - quando não resta senão a fuga ou o conformismo, face a uma realidade mórbida. Nas ambivalências das flores, lançam-se mais do que vidas vivas arrancadas da terra. Desterradas, lançam-se em símbolos...

E pelos símbolos podemos falar das paixões... Elas estão quase sempre associadas a canções de cunho amoroso. Existe um cancioneiro imenso que remonta à ambiência noturna-soturna da ambiguidade simbólica das flores. Na cultura latino-americana, os boleros, tangos e sambas-canções são exemplos que nos levam a sentir o perfume de gardênia: “Te quero! Te adoro...” as palavras exploram todo o potencial sinestésico floral. Já dizia Newton Mendonça que o amor e o sorriso, tal como a flor, se transformam depressa demais... muitas vezes, basta virar o disco, como o LP de Silvio César, de 1969, que de um lado declara “Eu te amo” e do outro pragueja, “Quero que você morra”.

Esses sentimentos extremados atrelados às flores encontram terreno fértil no imaginário melodramático latino: a rosa dos tangueiros, seladora de destinos; uma Bossa interpretada por Maysa obscurece o cantar das flores à janela e esgarça qualquer ritmo e andamento, sem alterar uma batida sequer, “por causa de você” ... ou de quem quer que seja.

Os exemplos são inúmeros e se alastram pelo mundo ao longo dos tempos. Os espinhos ferem... Mas falamos também das macias pétalas, da forma, das cores e do perfume. Por que as belas flores estariam relacionadas a acontecimentos e experiências malsãs? Por que amores e ódio se juntam a flores? Quantos malmequeres a história terá registrado e ainda aguarda para anotar? E quando experiências musicais não nos conduzem a uma ambiência floral idílica, e sim a um sufocamento da capacidade de expressão - ao calar e ao cerceamento da voz política de um povo ou grupo social? Ainda, para além de quaisquer imagens binárias, não seriam as flores também construtos imaginários ambíguos e polivalentes, prestando-se a usos que desafiam as categorias de conformismo e resistência, bem e mal, pureza e contaminação? As flores também não impõem seu encanto ao brotarem do e no asfalto?

Em síntese, flores são a mais aveludada e mais espinhosa maneira de falar de ternura e doçura; de rancor e maldizer. Sob um aroma intenso, às vezes beirando o sufocante, elas convidam à vertigem, ao torpor, mas também ao adormecimento das sensações e sentimentos. Extraído o fármaco, pode se transformar em droga poderosa, tal qual a delicada tulipa. Juntando-se às diversas maneiras de criar e pensar música - quer em suas formas autônomas, quer em suas variantes híbridas (audiovisual, teatro, dança, circo etc.) as flores compõem obras que acenam para formas de pensar e viver a vida - quer como droga, quer como inspiração…

Recorremos às flores, ao mesmo tempo veneno e remédio, para motivar as discussões que pautarão o 17º. Encontro Internacional de Música e Mídia. O mundo tem sido palco de acontecimentos que apontam para um retrocesso em relação a conquistas obtidas não raro seculares, cuja bandeira ostentava alguma flor como símbolo: democracia, representada pela igualdade de gêneros, de etnias, respeito e tolerância em relação às manifestações religiosas e diversidade cultural; direito à educação, ao voto, à pluralidade ideológica. O que o mundo presencia hoje é a deterioração dos ecossistemas; o ressurgimento de doenças que se davam como extintas. Pessoas são vítimas de extermínio por motivos banais; falsos mitos são abraçados como santos-mensageiros da verdade. Como se não fosse suficiente, um vírus toma de assalto o planeta, causando desgraça e perplexidade.

Como o século XXI que, com as conquistas obtidas graças ao desenvolvimento das ciências, teria tomado esse rumo em direção a um abismo.... que não seria forrado de rosas? Dentre as diversas justificativas possíveis acreditamos que, em grande medida, tais fenômenos se devem a um desmanche da escolarização – o que implica na formação de professores, nas condições de trabalho, na infraestrutura e, sobremaneira, nas pautas que organizam as diretrizes educacionais. Some-se que a extinção de disciplinas na área de artes em muito contribui para essa falta de capacidade de reflexão. E, dentre as artes, a música, tão presente na vida cotidiana, tem seu quinhão de participação elevado: para além de entretenimento, faz parte da formação educacional básica. É preciso reavaliar este cenário para podermos refletir sobre medidas que venham a oferecer perspectivas futuras mais alvissareiras…

A fim de discutir estes temas e seus desdobramentos, o MusiMid convidou Diósnio Machado Neto (EACH-USP) e Thiago Cazarim (IFG) para idealizar as linhas que orientarão os debates deste 17º Encontro, que será realizado por via digital, com transmissão ao vivo pelas redes sociais.

A programação será composta de três mesas-redondas, contando com a participação de convidados nacionais e estrangeiros, no período da tarde.

O período da manhã dará voz aos pesquisadores que serão selecionados para apresentação, após submissão de propostas de trabalho, avaliadas por um comitê científico. Propõem-se três eixos temáticos que organizarão a programação e a recepção de propostas.

Eixos temáticos:

1- “Abismo de rosas”: Fatores que contribuíram para a configuração do atual cenário mundial. Análise de fenômenos e processos de natureza político-ideológica que levaram a tais consequências e seus protagonistas. O papel das políticas educacionais e culturais, nesse contexto; em particular, a presença/ ausência do ensino de artes.

2- “Para não dizer que não falei de flores…” Reflexões sobre períodos em que liberdades foram cerceadas e direitos cassados. Atitudes, estratégias, proposições poéticas adotadas no sentido de confortar, conformar ou confrontar o estado das coisas.

3- “Vejo flores em você”: artivismos, resistências, reinvenções: novas formas de comunicação e poéticas, visando a manter contato com seu público (fãs, “seguidores”, interlocutores, grupos sociais específicos).

Modalidades de participação:

  • Comunicações orais
  • Ouvintes

Datas importantes:

Chamada para trabalhos: 03 de maio a 14 de junho 28 de junho

Resultado da seleção: 28 de junho 05 de julho

Envio dos trabalhos completos: de 03 a 31 de agosto.

Data do evento: 15 a 17 de setembro de 2020.

Maiores informações e inscrições na página: www.doity.com.br/17encontromusimid


LA VIE EN ROSE? MUSIC AND MEDIA IN TOXIC TIMES.

17th. Music and Media Meeting

September 15th-17th, 2021

In 1905, at the age of 16, Américo Jacomino, a.k.a. Canhoto, composed a work that would become an obligatory piece in the Brazilian guitar repertoire: Abismo de rosas. An elegant salon waltz that leads to a Belle Époque city of good manners and cordial mannerisms. Little is known about the sung version, which resembles the love misfortune of the young composer.

In 1968, the singer-songwriter Geraldo Vandré would appeal to flowers to call on the population to react and resist the repression imposed by the military period: "Indecisive strings still make the flower their strongest refrain and believe in flowers beating the cannon”. Again the flowers: this time carnations would be used, in Portugal, to change the history: the Carnation Revolution (1974). The remarkable image of a cannon's bore with a carnation in place of a bullet became an icon. And for Portugal we remember that the Virgin Mary was the Mystical Rose, with which was made the mark of colonization, and slavery, singing her "virtues" in motets and masses, but also in verses of the popular songbook.

Going through this florilegium musicæ, we come across another aspect. In 1978, in the midst of the military dictatorship, Secos e Molhados insistently asked: "What happened to all the flowers? At the same time, the "King" Roberto Carlos debuted at Canecão with a big band. From being an iê-iê-iê singer, he invested in a mature image, taking as an example Frank Sinatra’s concerts. Among the highlights, The flowers of our home’s garden; intimate and melancholic, contrasting with the "astral flowers" of Secos e Molhados. Simultaneously, "overwhelmed" and conservative verve garnered a growing audience, always appealing to flowers...

More recently, in 2013, the group Confronto released the heavy metal song Flowers of War, alluding to African descendant warrior heroines. "They all merge into one: Xica, Dandara, Maria, Anastasia... Black, warrior. (...) Forgotten in history (...) The beautiful flower. That bleeds for War (...). The purity. In hate. In the darkness. Resistance is maintained by them! Cares, creates, cries. Perfumes. Decide, face. Fight!"

Through denotation and, above all, connotation, painful images are associated with beauty: fango flower, mud lily wave to poverty and prostitution, carnation and the red rose to overflowing passion. And so we see how flowers are thrown to divas, such as Maria Malibran or Augusta Candiani... heroines of a represented life, consumed by their voices. Also, the ideologies make use of flowers to launch their agendas (red rose, milk cup). Red tulip also refers to true love, but it is also a symbol of war; the addictive opium’s source, but also an analgesic, anesthetic, hypnotic, sedative. What for Rimbaud or Artaud served to stimulate creativity, also serves to numb, to dull the senses - when all that is left is escape or conformism, in the face of a morbid reality. In the ambivalence of the flowers, more than living lives plucked from the earth are launched. Exiled, they are revealed into symbols…

And through symbols we can talk about passions. They are almost always associated with love songs. There is a huge songbook that goes back to the nocturnal-soturnal ambience of the symbolic ambiguity of flowers. In the Latin American culture, boleros, tangos, and samba-songs are examples that make us feel the scent of gardenia: "I want you! I adore you..." the words explore all the floral synesthetic potential. Newton Mendonça used to say that love and smile, just like the flower, transform too fast... many times it is enough to turn the record around, like Silvio César's 1969 LP, which on one side declares "I love you" and, on the other, curses: "I want you to die ".

These extreme feelings linked to flowers find fertile ground in Latin melodramatic imagery: the rose of the tangueros, sealer of destinies; a Bossa interpreted by Maysa obscures the singing of flowers at the window and fades any rhythm and tempo, without changing a beat, "because of you" ... or anyone else.

The examples are innumerable and spread throughout the world throughout the ages. Thorns hurt. But we also talk about the soft petals, the shape, the colors and the perfume. Why would the beautiful flowers be related to unhealthy events and experiences? Why do loves and hates come together with flowers? How many marigolds will history have recorded and still waits to note? What about when musical experiences do not lead us to an idyllic floral ambience, but rather to a stifling of the capacity for expression - to the silencing and curtailment of the political voice of a people or social group? Still, beyond any binary images, aren't flowers also ambiguous and polyvalent imaginary constructs, lending themselves to uses that challenge the categories of conformism and resistance, good and evil, purity and contamination? Don't the flowers also impose their charm by sprouting from and on the asphalt?

In short, flowers are the most velvety and thorny way to speak of tenderness and sweetness; of resentment and cursing. Under an intense aroma, sometimes bordering on suffocation, they invite to vertigo, to torpor, but also to the numbing of sensations and feelings. Once the drug is extracted, it can be transformed into a powerful drug, just like the delicate tulip. Joining the various ways of creating and thinking music - either in its autonomous forms or in its hybrid variants (audiovisual, theater, dance, circus, etc.) the flowers compose works that beckon to ways of thinking and living life - either as a drug or as inspiration...

We resort to flowers, at the same time poison and remedy, to motivate the discussions that will guide the 17th International Music and Media Meeting. The world has been the stage for events that point to a regression in relation to conquests obtained not infrequently through the centuries, which flag carried a flower as a symbol: democracy, represented by gender and ethnic equality, respect and tolerance in relation to religious manifestations and cultural diversity; the right to education, to vote, to ideological plurality. What the world is witnessing today is the deterioration of ecosystems; the resurgence of diseases that were thought to be extinct. People are exterminated for banal reasons; false myths are embraced as holy messengers of truth. As if this were not enough, a virus takes the planet by storm, causing disgrace and perplexity.

How could the 21st century, which, with the conquests obtained thanks to the development of sciences, have taken this course towards an abyss .... that would not be lined with roses? Among the several possible justifications, we believe that, to a great extent, these phenomena are due to a dismantling of schooling - which implies in teacher training, working conditions, infrastructure and, above all, in the guidelines that organize the educational directives. In addition, the extinction of subjects in the arts area contributes a lot to this lack of capacity for reflection. And, among the arts, music, so present in our daily lives, has its share of participation elevated: beyond entertainment, it is part of the basic educational formation. It is necessary to reevaluate this scenario so that we can reflect on measures that will offer brighter future perspectives...

In order to discuss these themes and their unfoldings, MusiMid invited Diósnio Machado Neto (EACH-USP) and Thiago Cazarim (IFG) to idealize the lines that will guide the debates of the 17th meeting, which will be held digitally, with live broadcast via social media.

The program will consist of three round tables, with the participation of national and foreign guests, in the afternoon.

The morning period will give voice to researchers who will be selected for presentation, after submission of paper proposals, evaluated by a scientific committee. Three are the thematic axes that will organize both the program and the reception of proposals.

Thematic axes:

1- "Abyss of Roses": Factors that contributed to the configuration of the current world scenario. Analysis of phenomena and processes of political-ideological nature that led to such consequences and their protagonists. The role of educational and cultural policies, in this context; in particular, the presence/absence of arts education.

2- "Not to say I didn't mention the flowers..." Reflections on periods when freedoms were curtailed and rights were revoked. Attitudes, strategies, poetic propositions adopted in order to comfort, conform or confront the state of things.

3- "I see flowers in you": artivisms, resistances, reinventions: new forms of communication and poetics, aiming at keeping contact with its audience (fans, "followers", interlocutors, specific social groups).

Modalities of participation:

  • Oral communications
  • Listeners

Important dates:

Call for papers: May 3 to June 14 June 28

Selection results: June 28 July 05

Submission of complete papers: August 03 to 31.

Date: September 15 to 17, 2020.

More information and registration at: www.doity.com.br/17encontromusimid

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Data do evento

15 de setembro de 2021, 10h00 até 17 de setembro de 2021, 17h00

LOCAL DO EVENTO

Evento Online
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