A literatura adaptada para o cinema constitui uma fonte privilegiada para o estudo das emoções, dentre elas a admiração. Em Noites de Alface (2013), de Vanessa Bárbara, romance adaptado com título homônimo (2021), dirigido por Zeca Ferreira, dois personagens idosos, Otto e Ada,  ensinam a velhez como vitalidade, autossuficiência, experiência, tempo livre e enriquecimento afetivo. Em passo dialético, contudo, manifestam o declínio dos processos naturais, a falibilidade dos laços afetivos, o cansaço das insinceridades, a dor vindoura da solidão. Sem Ada, a casa amarela mal se resigna com suas tintas, a luminosidade atemporal só crepita além das cortinas fechadas. Aos poucos, porém, o presente eclipsado é atravessado por um mistério que intriga Otto. Em ancoragem na Teoria moral exemplarista, de Linda Zagzebski (2017), centrada na emoção da admiração, um dos principais meios de observação dos exemplares ocorre pelas narrativas culturais. A exemplaridade e a contraexemplaridade dos dois personagens mostra-se, num primento momento, bem marcada, mas não subsiste integralmente à autorreflexão conscienciosa, levando à inadequação parcial dessa emoção e de seu reverso. Ada era generosa, bem disposta, ativa social e individualmente, praticante de yoga, atenciosa e cuidadosa com seu esposo e com os demais. Tal admirabilidade desliza, ao final da narrativa, para uma estranha conjugação entre o enigma central da narrativa e sua própria morte prematura. Já Otto, pouco sociável senão misantropo, triste e insone, entorpecido pelas dores do passado, seco da vida que o falecimento da amada aterrou, mostra-se ao final admirável, superador esquecente, refratário e superior às lateralidades da turba. Contra visões globalizantes, simplistas e redutoras (ARTETA, 2002; ARCHER; MATHESON, 2021), a exemplaridade e a contraexemplaridade dos personagens grisalhos se faz de modo tensional e dinâmico, a potencializar o caráter emulativo ou inibitório - porquanto aproximativo e atingível - das excelências e vícios no âmbito de uma educação moral.

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