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O poder relaciona-se, em geral, com o conhecimento. Na América Latina, desde a Conquista e a colonização, o conhecimento foi usado para dominar tanto a natureza quanto os povos originários. Um dos instrumentos eficazes do mundo do conhecimento que o poder político e econômico têm usado para se afirmar, se consolidar e, às vezes, se impor, é o conhecimento jurídico. Este conhecimento é tão relevante ao poder que muitos Estados latino-americanos privilegiam esta área de estudos (Correa, 1995).
Sendo América Latina uma das regiões colonizadas e dominadas pelo Europa ocidental, os Estados herdaram instituições políticas, econômicas, sociais e culturais ocidentais. A problemática de tal herança enquadra-se, em geral, no fato da dissociação entre a matriz cultural de poder colonial que sustenta a organização e funcionamento dessas instituições e a realidade pluricultural do espaço geopolítico latino-americano.
A abordagem da especificidade desta região escapa, em muitos casos, à matriz cultural de poder colonial – chamada modernidade/colonialidade (Quijano, 2000; Grosfoguel, 2007) – simplesmente por limitação do horizonte epistemológico no qual essa matriz está imersa. Este fato vem sendo denunciado, desde a década dos anos 1990, pelos intelectuais, movimentos sociais e ativistas latino-americanos. As reflexões e denúncias destes atores sociais foram alentados não só pela comemoração dos quinhentos anos da Conquista, senão também pela implementação (na mesma década dos 1990) do modelo econômico-hegemônico neoliberal, nesta parte do continente americano.
O neoliberalismo, pensado e nascido do mesmo molde cultural da modernidade/colonialidade, veio dar uma nova pauta a seguir nos setores chaves (política, economia, direito e sociedade) da vida dos Estados-nação latino-americanos. Assim, a maioria destes Estados – é caso do Chile, México, Colômbia, entre outros – foram debilitados em quesitos econômicos e político-jurídicos, desengajando-se paulatinamente das obrigações sociais que lhes incumbiam.
Essa situação, de um lado, agudizou a problemática das violações dos Direitos Humanos na América Latina e, de outro lado, permitiu o surgimento de novos sujeitos de direito que vêm reivindicando antigos e novos direitos negados.
Este panorama apresenta grandes desafios tanto para os juristas quanto para professores e estudantes interessados, em geral, em problemas dos regimes político-jurídicos latino-americanos, e, de forma particular, na defesa dos Direitos Humanos. Como se viu acima, um desses desafios diz respeito a criticar a matriz cultural do poder colonial que tem organizado o conhecimento, neste caso o conhecimento jurídico. Fazendo-o, deve-se ampliar, então, o horizonte epistemológico para enxergar e tratar de responder aos problemas antigos e emergentes que atingem as ciências jurídicas. Para tal propósito, é imprescindível tomar a sério um diálogo interdisciplinar com produções teóricas e empíricas das áreas do conhecimento filosófico, político e sociológico, principalmente.
As críticas da modernidade/colonialidade estão produzindo novos horizontes epistemológicos que se articulam num marco global do pós-colonialismo. Esta corrente de pensamento liga todas as sociedades que saíram da experiência da colonização ocidental, considerada como una relação de violência, servidão e dominação (Mbembe, 2000, 139-140). A produção teórica pós-colonial possibilita outro olhar no campo jurídico, e especialmente no que diz respeito à efetivação dos Direitos Humanos, num mundo globalizado, regido ainda pela lógica da matriz cultural do poder colonial.
Na América Latina, o pensamento descolonial tornou-se uma expressão cabal do pós-colonialismo. Desde o projeto modernidade/colonialidade, os pesquisadores, professores e pensadores descoloniais, demostraram como a colonialidade permeia, como forma de dominação, todos os níveis – econômico, político, social e cultural – sendo que a descolonização não desfez a colonialidade, senão transformou, sensivelmente, os seus contornos (Quijano; Wallerstein, 1992). É obvio que tal elaboração teórica poria também a descoberto o fato de que os sistemas jurídicos latino-americanos estão embasados num marco teórico-filosófico da modernidade/colonialidade.
Outras propostas teórico-empíricas do pensamento descolonial que podem contribuir na ampliação do horizonte epistemológico nas ciências jurídicas são a interculturalidade e o feminismo latino-americano.
A interculturalidade, em perspectiva crítica, coloca o problema estrutural-colonial-racial imposto pela modernidade/colonialidade, bem como sua ligação ao capitalismo (Walsh, 2012); questiona a lógica irracional e instrumentalista do capitalismo, apontando um posicionamento para a construção de um projeto político, social, ético e epistémico – de saberes e conhecimentos –, que deve se consolidar para a transformação das estruturas, condições e dispositivos de poder que mantêm a desigualdade, racialização, subalternização e inferiorização dos seres, saberes e modos, lógicas e racionalidades de vida (Walsh, 2012).
Por sua vez, o feminismo latino-americano vem denunciando o problema da limitação do gozo dos direitos das mulheres e outros grupos subalternizados (negros, indígenas e homossexuais) por uma sociedade imersa na modernidade/colonialidade, cujo padrão idôneo do ser humano é homem branco, proprietário, cristão, heterossexual e capitalista (Bidaseca; Curiel, 2011).
Tanto a interculturalidade quanto o feminismo latino-americano coadjuvam na desconstrução epistemológica que supere a colonialidade do poder e saber para assim dar vozes aos sujeitos sócio-históricos latino-americanos e abordar os antigos e, hoje, emergentes problemas tocantes aos Direitos Humanos. O pensamento descolonial latino-americano torna-se, então, uma opção viável e capaz de não só questionar o paradigma hegemônico neoliberal, senão também abranger a pluralidade da realidade da América Latina.
Este evento é subsequente ao I Seminário Internacional realizado em 2013. Naquele, foi possível reunir vários professores-pesquisadores, profissionais da área de Direito, regionais, nacionais e internacionais envolvidos com uma perspectiva crítica nas ciências jurídicas, para trocarem as experiências, tanto no campo teórico-empírico quanto com respeito às metodologias de pesquisa que têm desenvolvidas.
Por conta disso, o evento atual quer aprofundar mais a temática da produção do conhecimento jurídico, na região latino-americana, focando os debates mais recentes em torno da fundamentação dos Direitos Humanos e suas relações com as perspectivas pós e descolonial. Neste sentido, o evento atual deve abrir, além das temáticas desenvolvidas no seminário passado, temáticas emergentes que não têm sido contempladas. Será o caso de explorar o potencial das propostas intercultural e feminista latino-americano, o problema dos crimes de atrocidade, entre outros.
Também cabe mencionar que o atual evento será um momento importante para seguir consolidando as redes nacionais e internacionais acadêmico-científicas que foram impulsionadas no primeiro encontro. Desta forma, tratar-se-á de assegurar a presença da maioria dos professores-pesquisadores que estiveram no primeiro evento e agregar outros novos que atuam na área de Direitos Humanos, desde um horizonte epistemológico descolonial.
Coordenação Geral: Profa. Dra. Fernanda Frizzo Bragato
Secretária: Jaqueline Deuner
Realização: Núcleo de Direitos Humanos- Unisinos; Escola de Direito- Unisinos; Universidade do Vale do Rio dos Sinos- Unisinos.
Apoio: UNICAP; UFF; USACH; UNESC.
Financiamento: Fapergs
Data do evento
25 de abril de 2017, 09h00 até 26 de abril de 2017, 21h00
Local do evento
Universidade do Vale do Rio dos Sinos- Unisinos
Avenida Unisinos
Cristo Rei, São Leopoldo - Rio Grande do Sul