Trabalhos aprovados

Postado em 14/07/2021

Siguen los pregones, la melancolia: O álbum Mi Tierra (1993) de Gloria Estefan entre colaborações, ressentimento e cubanidades

Igor Lemos Moreira

Lançado em 1993, o álbum Mi Tierra marcou o retorno da cantora cubana exilada Gloria Estefan, ao segmento Latin Pop Music. O disco, produzido como uma forma de tributo as identidades cubanas no exílio, e por desdobramento a uma latinidade global, evocava (re)sentimentos, nostalgias, expectativas e esperanças da comunidade exilada cubana em Miami. Reunindo diversos artistas cubanos exilados renomados na indústria fonográfica, a exemplo de Arturo Sandoval, Cachao Lopez, Paquino Riveira e Jon Secada, Mi Tierra foi lançado no mesmo contexto em que as ondas do exílio cubano os Estados Unidos iniciavam uma nova fase. Marcada pela crise econômica pós-Queda da União Soviética, que levou a instalação do Período Especial Em Tempos De Paz, a população cubana descontente com os rumos do governo revolucionário passou a procurar vias alternativas a saída autorizada do país, sendo esse processo o impulsionador da crise dos balseiros instalada nos anos 1990. Mi Tierra, foi produzido e lançado nos Estados Unidos e globalmente no contexto de crise cubana em que, por um lado, a comunidade exilada percebia o momento como potencialidade para pressionar o governo revolucionário, mas que era atravessado por ressentimentos e nostalgias com uma promessa que país interrompida pela revolução. A presente comunicação analisa o álbum de Gloria Estefan como possibilidade de reflexão sobre tal contexto, observando de que maneira sua composição, narrativa e circulação midiática representava projetos e sentimentos de grupos integrantes anticastristas que eram parte das comunidades exiladas. Inserido na interface entre História do Tempo Presente e Musicologia, ao problematizar os sentidos, significados e representações presentes em Mi Tierra, com ênfase em seu viés narrativo (NAPOLITANO, 2016; RICOEUR, 1994; OLIVEIRA, 2002), este trabalho explora Mi Tierra a partir de três aspectos principais: 1. O processo de colaboração entre artistas cubanos exilados que foi demando para sua composição, tornando o disco uma narrativa coletiva sobre o exílio cubano que manifesta, pela música, sentimentos de nostalgia e saudade; 2. O lugar do ressentimento com a Revolução presente nas narrativas; 3. A formulação de representações de identidades cubanas a partir do álbum e das divulgação midiática associada. Os três aspectos citados, possibilitaram pensar que o álbum ocupou um lugar central na construção de representações e na manifestação de sentimentos sobre o exílio cubano em um contexto de crise política e de novas ondas de deslocamentos.


Referências

ABREU, Christina. Rhythms of race: cuban musicians and the making of Latino new York City and Miami. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2015.

BUSTAMANTE, Michael J. Cuban Memory Wars: Retrospective Politics in Revolution and Exile. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2021.

GONZÁLEZ, Juan Pablo. Pensando a música a partir da América Latina. São Paulo: Letra e Voz, 2016.

NAPOLITANO, Marcos. Histo?ria & mu?sica: histo?ria cultural da mu?sica popular. 3. ed. rev. Belo Horizonte: Aute?ntica, 2016.

OLIVEIRA, Márcia Ramos de. Uma Leitura Histórica da Produção de Lupcínio Rodrigues. Tese de Doutorado - UFRGS, 2002.

 

Palavras-chave: Gloria Estefan, Mi Tierra, Cubanidades, História do Tempo Presente.

 

Festivais e Flores: Brasil e Portugal (1964-1975)

José Fernando S. Monteiro

Desde sempre as flores permeiam a imaginação dos poetas e destes se irradia para os letristas de canções que as cantam tanto quanto às suas musas ou ao amor. Nos festivais da canção isso não é diferente e muitas são as canções que tem as flores por tema ou que a elas fazem menção, no Brasil e também em Portugal. Tendo em conta os festivais da canção destes dois países, nomeadamente, os Festivais da MPB e os Festivais da RTP, vemos muitas canções com referências às flores, das mais diversas. Maysa cantou Dia das Rosas, no Festival Internacional da Canção (FIC), de 1966, no mesmo ano, Roberto Carlos defendia Flor Maior, no II Festival da TV Record, e Gutemberg Guarabyra encantou a todos com Margarida, no FIC do ano seguinte. Em 1968, Geraldo Vandré atingiu o auge da canção de protesto entoando Pra não Dizer que não Falei das Flores, no III FIC, enquanto Taiguara vencia o III Festival da TV Excelsior com Modinha, cantando: “olho a rosa da janela”. Já em 1972, Luli & Lucina levaram Flor Lilás para o palco do VII FIC. Do lado português temos Simone de Oliveira, cantando uma “primavera em flor”, em Sol de Inverno, apresentada em 1965, Flor Bailarina, interpretada por Lilly Tchiumba, no Festival RTP de 1969, Flor sem Tempo, cantada por Paulo de Carvalho, em 1971, e, no mesmo ano, o grupo Efe 5 apresenta Rosa, Roseira. Em 1974 eclode a Revolução dos Cravos, momento em que esta flor toma o lugar das balas nos canos das espingardas dos soldados e, como não poderia deixar de ser, a Revolução e o cravo vermelho, que se tornou seu símbolo, são os principais temas das canções a concurso no festival português de 1975, a exemplo da vencedora, Madrugada, interpretada por Duarte Mendes, que cantava a “arma-flor”, com um cravo vermelho na lapela, no Eurovisão, ou Com uma Arma, Com uma Flor, apresentada por Paulo de Carvalho. Deste modo, vemos que as flores estiveram dentre os temas preferidos do cancioneiro apresentado nos festivais tanto do Brasil quanto de Portugal, seja de forma simples e singela, como corriqueiramente se faz referência às flores, seja relacionadas a momentos turbulentos como uma ditadura ou uma revolução.

Referências:

CASTELO-BRANCO, Salwa (dir.). Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX. 4 vols. (A-C, C-L, LP, P-Z). Lisboa: Círculo de Leitores/ Temas e Debates, 2010.

MANGORRINHA, Jorge. Festival RTP da Canção: Uma história de 50 anos (1964-2014). Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas, 2014.

MELLO, José Eduardo (Zuza) Homem de. A Era dos Festivais: Uma parábola. São Paulo: Editora 34, 2003.

MONTEIRO, José Fernando S.. Festivais RTP e Festivais da MPB: Entre a tradição e a modernidade (1964-1975). Seropédica: UFRRJ, 2020. 467 pp. Doutorado (Tese) – Departamento de História e Relações Internacionais, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2020.

SEVERIANO, Jairo. Uma História da Música Popular Brasileira: Das origens à modernidade. São Paulo: Editora 34, 2008.

 

Palavras-chave: Flores; Festivais da Canção; Brasil; Portugal; Música Popular.

 

Recordar é Viver: práticas de comunicação e dimensões espaço-temporais em um acervo online de bandinhas alemãs

Giovanni de Sousa Vellozo

A prática das chamadas “bandinhas alemãs” consiste em uma manifestação musical de origem em comunidades de imigrantes estabelecidos no Sul do Brasil (STAMBOROSKI JR., 2011), com grupos vinculados a apresentações em contextos de confraternização em bailes e ao ar livre. A sua trajetória discográfica começou no início dos anos 1960 com a gravação pioneira de LPs, como os da Banda Treml de São Bento do Sul/SC (1961, RGE) e do duo Krüger e Vogelsanger de Joinville/SC (1962, RGE), ambos artistas cujas obras do período são objetos de estudo para a dissertação do estudante. Nas décadas seguintes, somaram-se outros grupos, inseridos majoritariamente no segmento de gravadoras e selos da chamada música regional (VICENTE, 2010) assim configurada na segunda metade do século XX. Nesse sentido, o presente trabalho busca, segundo as propostas do eixo temático, analisar um acervo online desta música, em um canal na plataforma YouTube. O canal “Xirú Brasiguaio”, criado e curado pelo paraguaio residente no Brasil Daniel Kernechi, trabalha desde 2016 com o upload de discos e faixas avulsas, majoritariamente de lançamentos das décadas de 1960 a 1990 não disponíveis em relançamentos oficiais e plataformas de streaming. Até o último 30/05, o canal abrigava 359 vídeos e pouco mais de 10 mil inscritos, estabelecendo contato com estes a partir da doação de LPs para digitalização e disponibilização de downloads não-oficiais. A escolha se deu devido à proximidade do pesquisador com o acervo em seu objeto de pesquisa, que se relaciona diretamente com a trajetória discográfica desta música. Essa proposta tem dois objetivos principais. O primeiro é o de perceber as práticas de comunicação associadas a um acervo musical na Internet, tanto entre os agentes (colecionadores e apreciadores inscritos no canal) no ambiente online quanto em relação às institucionalizações do mercado fonográfico e da memória musical brasileira. Tal análise será feita à luz dos conceitos de estratégia e tática de Certeau (1998) e norteada por discussões levantadas por Machado (2015) e Vinci de Moraes (2020). O segundo objetivo é o de compreender as dimensões espaço-temporais abrangidas pelo catálogo construído no canal, por meio da demarcação dos artistas, das cidades de origem, dos anos de lançamento dos fonogramas e das gravadoras com mais aparições.

Referências

CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Editora Vozes, 1998.

MACHADO, Cacá. Entre o passado e o futuro das coleções e acervos de música no Brasil. In: rev. hist. (São Paulo), n. 173, p. 457-484, jul.-dez., 2015.

STAMBOROSKI JR., Amauri Antonio. Música Popular Germânica no Sul do Brasil: um panorama histórico da “bandinha” ao “pop do sul”. Funarte. Ministério da Cultura. São Paulo, 2011.

VICENTE, Eduardo. Chantecler: uma nova gravadora popular paulista. Revista USP, São Paulo, n. 87, p. 74-85, set./nov. 2010. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/13831>. Acesso em 30 mai. 2021.

VINCI DE MORAES, José Geraldo. Criar um mundo do nada. A invenção de uma historiografia da música popular no Brasil. São Paulo: Intermeios; USP – Programa de Pós-Graduação em História Social, 2019.

 

Palavras-chave: Acervos Sonoros, Acervos Online, Memória Musical, Música Regional, Bandinhas.

 

A presença ruidosa de Thelmo Cristovam

Paulo Dantas

Nascido em Brasília, Pernambucano por escolha e pelo tempo vivido em Olinda, Thelmo é improvisador, pesquisador, ruidista, radioasta e técnico de som responsável por inúmeros trabalhos em meios diversos como o cinema, projetos instalativos, entre outros. Considerado um dos maiores artistas envolvidos com gravação de campo no Brasil, ele também é uma figura importante no cenário nacional dos gêneros Noise, reconhecido principalmente por seu trabalho junto ao grupo de música extrema Hrönir, em parceria com Túlio Falcão e outros. Um aspecto interessante da visão de mundo de Thelmo me foi revelado por meio de entrevistas que conduzi em 2017, focadas em seu trabalho com gravação de campo. Essa prática era inicialmente entendida por Thelmo como uma forma de obter material sonoro para as suas composições, mas a partir de determinado momento passa a ser considerada como um método para “retirar o véu do mundo”. E é com o auxílio dessa escuta mediada que Thelmo busca incorporar informações que antes lhe eram vedadas por seus filtros sociais e culturais. Nesse sentido, a prática da gravação de campo é utilizada por Thelmo como um meio para expandir ao máximo a sua própria 'razão Sinal-Ruído', mas não através da otimização de um sinal. Na verdade, Thelmo pretende ter acesso irrestrito a todos os ruídos, para então incorporá-los. Esta é, creio, a medida de sua presença nas gravações que realiza: elas podem ser encaradas como documentos de um processo de auto-reprogramação. Um modelo potente para o uso da gravação de campo como um instrumento do fazer político nos é então oferecido: nestes tempos difíceis, a escuta mediada poderia funcionar como 'redutor de ruído', como um meio de fazer ouvir---e potencialmente começar a entender e compreender---o que normalmente é deixado de fora por nossos filtros: o outro.

Referências

CHAVES, R., Performing sound in place: field recording, walking and mobile transmission. Tese de doutoramento. Belfast, 2013. Disponível em

https://www.academia.edu/11339600/Performing_sound_in_place_field_recording_walking_and_mobile_transmission. Acesso em 13/01/2018.

DANTAS, P., Being in the Field: Process, Narrativity and Discovery in the Field-Recording Work of Thelmo Cristovam and Alexandre Fenerich. Making it Heard: a History of Brazilian Sound Art. New York: Bloomsbury Academic, 2019.

LANE, C.; CARLYLE, A. In the Field. The Art of Field Recording. Devon: Uniformbooks, 2013.

VOEGELIN, S. A new generation of field recordists is challenging the myth of the invisible figure with a microphone in work that celebrates presence rather than absence. Wire, edição 364, 2014. Disponível em https://www.thewire.co.uk/in-writing/collateral-damage/collateral-damagesalome-voegelin. Acesso em 03/01/2018.

WRIGHT, M. P. The Noisy-Nonself: Towards a Monstrous Practice of More-than-human Listening. Evental Aesthetics, 2017a. Disponível em http://eventalaesthetics.net/vol-6-no-1-2017-sound-art-and-environment/. Acesso em 03/01/2018.

 

Palavras-chave: gravação de campo, escuta, presença, ruído.

 

O videoclipe saiu da TV ou a TV entrou no videoclipe? Performances de um televisor -personagem a serviço da música

Jhonatan Mata / co-autores: Melina Simão, Clara Portella e Marcos Amato

Idolatrada e malquista, a televisão se configura como a ambígua flor dos meios, que converte e reproduz em imagens e sons o mundo em suas metáforas idílicas ou espinhosas. Na vida cultural e política, cumpre um papel social que mescla alienação, espetacularização e legitimação de identidades. Nesse contexto, a música atua como potente aliada da TV. Trilhas sonoras de telenovelas que resistem ao tempo, canções que ajudam a compor narrativas diversas nos telejornais, reality shows pautados em eleições de melhores bandas ou vozes são exemplos dessa simbiose. Estandartes desta relação, os videoclipes são priorizados neste trabalho, que trata da “aparição” do televisor nestas produções. Tendo como marco inicial o lançamento de Bohemian Rapsody, da banda Queen, na TV, em 1975, o formato se desamarra dos domínios televisivos na contemporaneidade. E conquista solos férteis nas telas de computadores e smartphones, nos campos da produção e difusão. Curiosamente, na era dos álbuns visuais, com versões 3D e 360 graus, notamos crescente e expressiva presença da televisão-aparelho nos videoclipes atuais. Por meio da análise da materialidade audiovisual de Coutinho (2018), mapeamos 200 produções em que a TV, em sua “materialidade” é personagem- por vezes principal- dos videoclipes, com “vestimentas” que vão dos tubos retrôs às smart TVs. Revelamos relações complexas na representação da TV na música, que não excluem a função decorativa da “TV souvenir”, papel de parede eletrônico da canção, mas vão da performance de “companheira de solidões compartilhadas” entre intérpretes e públicos à “deflagradora” de toda a linha narrativa do videoclipe. Considerando que há uma lógica de organização dos elementos significantes, ligada às atitudes produtivas, este trabalho integra o rol de reflexões tecidas no Projeto “Música para olhos e ouvidos” (UFJF), cujo principal objetivo é delimitar, num viés multiplataformas, as diferentes concepções de televisão retratadas na/pela música.

Referências

COUTINHO, ILUSKA. Compreender a estrutura e experimentar o audiovisual – Da dramaturgia do telejornalismo à análise da materialidade. In: Cárlida Emerim; Iluska Coutinho; Cristiane Finger. (Org.). Epistemologias do Telejornalismo Brasileiro. 1ed.Florianópolis: Insular, 2018, v. 7, p. 175-194.

COSTA, Stéphanie & ALVES, Wedencley. (2019). Evaluating resistances to health promotion campaigns : Thresholds of Interpretation. Cambridge University, 1997ParatextsGENETTE, G.

MACHADO, A. A televisão levada a sério. São Paulo: Senac, 2000.

MATA, Jhonatan. “Morte e vida em telas: análise das estratégias sensíveis entre profissionais e público nas dez maiores lives musicais do planeta num cenário de pandemia”.MusiMid2, no.1 (2021): 77-94

SOARES, Thiago. A Estética do Videoclipe. João Pessoa. Editora da UFPB, 2013.

 

Palavras-chave: audiovisual, videoclipe, música, televisão, representação.

 

Resistindo a discursos conservadores e ataques às artes: que a educação musical semeie um futuro melhor

Patricia Kawaguchi

O ensino de Artes nas escolas sempre foi relegado a uma posição subalterna dentro das sociedades capitalistas, que priorizam uma formação cada vez mais tecnicista para atender aos interesses do mercado de trabalho. Com a ascensão dos setores mais conservadores da sociedade ao governo, artistas e as Artes como um todo vêm sofrendo uma escalada de perseguições, ataques e censuras. Nesse cenário, houve o desmonte de políticas culturais, o Ministério da Cultura foi extinto, ao mesmo tempo em que foi construída e propagada uma ideologia de que artistas são pessoas degeneradas, contra a “moral e os bons costumes” e por isso seria necessário incentivar uma arte “nacional heroica”, como disse o ex-Secretário da Cultura, Roberto Alvim, em discurso assustadoramente repleto de apologia ao propagandista nazista Joseph Goebbels. Sua sucessora, Regina Duarte, apresentou uma postura negacionista, falando que as pessoas deveriam ter leveza e pararem de carregar mortos – referindo-se às vítimas da Covid e da ditadura militar. Na educação, sofremos com a perseguição a professoras e professores com o projeto Escola Sem Partido, a proposta de retirar a obrigatoriedade das aulas de Artes na reforma do Ensino Médio, a controversa elaboração da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) com forte influência de institutos empresariais e na qual a Música é citada de forma considerada incoerente pela ABEM (Associação Brasileira de Educação Musical). Em mais um infeliz exemplo recente, o candidato a prefeito de São Paulo, Arthur do Val, disse que as escolas precisam ensinar a ganhar dinheiro e que “chega de aula de picho e break dance”, falando pejorativamente sobre as aulas de Arte. Este trabalho se propõe a fazer uma análise de como esses discursos conservadores que atacam as Artes e artistas ganharam espaço na mídia e no senso comum e por consequência influenciaram nos ataques à arte-educação e à educação musical. Aponta em seguida a importância das Artes e da educação enquanto resistência nestes tempos tóxicos que vivemos e sobrevivemos, para que possamos esperançar dias melhores.

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 50 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.

LINARES, Alexandre; BEZERRA, José Eudes Baima. Obscurantismo contra a liberdade de ensinar. In: CÁSSIO, Fernando. (Org.) ? Educação contra a barbárie? : por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar. São Paulo: Boitempo, 2019. p. 127-133.

SANTOS, Micael Carvalho dos. A educação musical na Base Nacional Comum Currricular (BNCC) – Ensino Médio: Teias da política educacional pós-golpe 2016 no Brasil. Revista da Abem, v. 27, n. 42, p. 52-70, jan./jun. 2019.

SNYDERS, Georges. A escola pode ensinar as alegrias da música? 5 ed. Tradução de Maria Felisminda de Rezende e Fuzari. São Paulo: Cortez, 2008.

SUBTIL, Maria José Dozza. Marxismo, arte e educação: as potencialidades de humanização pela educação artística. In: SCHLESENER, Anita Helena; MASSON, Gisele; SUBTIL, Maria José Dozza. Marxismo(s) e educação. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2016. p. 227-244.

 

Palavras-chave: educação musical; conservadorismo; políticas públicas.

 

Sobre arte viva e relações: gravadores e plantas em dois casos de field recording

Gabriela Nobre

Em seu pequeno texto “Arte viva”, Flusser propõe que a matéria viva é como um contraponto ou oposição ao suporte finito que serve a toda e qualquer arte. “Não importa qual significado queiramos dar ao termo arte, sempre implica elaboração de informação a ser preservada (em pedra, bronze, tela, papel…).” (FLUSSER, 1998, p.83). Essa aparente cisão entre mundo vivo e não vivo, na arte, pode ser pensada e transformada a partir do acolhimento de relações. Especificamente, da relação entre “indivíduos técnicos” (Simondon) - tais como gravadores e microfones - , e plantas - seus ecossitemas e paisagens. Tal relação amplia a ideia sobre o que é construir um coletivo e estabelecer o comunitário, uma vez que itens técnicos e ecossistemas passam a ter seus limites borrados, e passam a ser reconhecidos como nossas “espécies companheiras”, tal como conceituado por Haraway: “Cada uma delas (…) une, sob formas inesperadas, o humano e o não humano, o orgânico e o tecnológico, natureza e cultura.” (HARAWAY, 2016, p.58. Tradução nossa).Para pensar como se dão essas relações, proponho investigar a prática de gravações de campo (field recording) a partir de dois trabalhos recentemente lançados: "Silêncios, assim como as montanhas, serão consumidos pela vida (eventualmente)" dos artistas Paulo Dantas e Thiago Rocha Pitta (BR) para o Festival Novas Frequências, e “Ficções”, de Verónica Cerrotta (CH), publicado pelo selo Música Insólita em 2021. Em ambos os trabalhos, objetos técnicos que gravam, paisagens que são gravadas e sujeitos que gravam estão em relação. Se por um lado é possível identificar cada um desses organismos como forma individual de vida, é perceptível, igualmente, sua mistura. Seus modos de existência são como extensões de um corpo ao outro: da ponta dos dedos de quem grava ao corpo do gravador; do corpo que grava, à paisagem que o recebe e o altera e é, igualmente, por ele alterado. Para discutir o tema da natureza no plano das artes é preciso habitá-la e pensar suas figuras. Recuperando, assim, alguma forma de existência possível. Suspender o binarismo que se impõe entre distopia x utopia e produzir entre lugares habitáveis é papel da arte, assim como pensar em um plano estético o que convencionamos chamar de “natureza”.

Referências

CERROTTA. Verónica. Entrevista concedida a Gabriela Nobre. Maio, 2021. Disponível em: <https://musicainsolita.com/2021/06/08/veronica-cerrotta-ficcoes/>

CHAVES. Rui. Field recording: presença, lugar e processo no trabalho de Lilian Nakao Nakahodo e Paulo Dantas.

COCCIA, Emanuel. A vida das plantas. Florianópolis, Cultura e Bárbarie, 2018.

DANTAS, Paulo. Entrevista concedida a Gabriela Nobre. Agosto, 2020. Disponível em: <https://musicainsolita.com/2020/08/28/paulo-dantas-02022020/>

FLUSSER, Vilém. “Arte Viva” in Ficções Filosóficas. São Paulo, EdUSP, 1998.

HARAWAY, Donna. Staying with the trouble. Duke University Press., 2016.

________________. When Species Meet, Minneapolis: University of Minnesota Press, 2007.

SIMONDON, Gilbert. Du mode d’existence des objets techniques. Editions Aubier, 1989.

 

Palavras-chave: formas de vida, gravações de campo, relação, mistura.

 

Responsividade e Responsabilidade em Si se Calla El Cantor, de Horácio Guarany: uma leitura crítica-bakhtiniana da canção.

Paula Maria Lima Galama, Andressa Zoi Nathanailidis

A Argentina, ao longo do século XX, atravessou uma série de golpes militares decorrentes da aliança da elite composta por proprietários de terra, grandes exportadores, banqueiros e corporações estrangeiras com os militares, a fim de se manterem no controle político-econômico nacional. (SANDER et al, 2006). Em 28 de junho de 1966, Juan Carlos Ongania, tenente-general do exército e representante de um movimento autodenominado “Revolução Argentina”, assumiu a presidência do país. Seu governo fora caracterizado por diversas repressões: dissolveu partidos políticos, forneceu poderes de caráter legislativo a uma junta de comandantes-chefes, perseguiu professores, estudantes, sindicalistas e líderes estudantis; além de ter instituído a censura, incluindo a apreensão de livros. (BEIRED, 1996, p. 66). Durante a vigência deste governo, consolidava-se na Argentina o “Nuevo Cancionero”, movimento estético- literário, que defendia a arte como instrumento de comunicação capaz de conscientizar e instigar a população à ação política, tornando-a conhecedora acerca da realidade do país; suas potencialidades folclóricas e culturais, suas dores, esperanças, injustiças, violências, relações de exploração, etc. (DÍAZ, 2004). Mercedes Sosa, nascida na cidade de San Miguel de Tucumán, cidade onde foi assinada a independência da Argentina, em nove de julho de 1935, assinou o “Manifiesto del Nuevo Cancionero”. Durante toda a sua carreira foi defensora dos direitos civis, da luta dos trabalhadores e tornou-se um dos símbolos do movimento estético-literário desencadeado pelo documento. Através de suas interpretações, as obras folclóricas argentinas ganharam os Estados Unidos e a Europa, principalmente as registradas por Violeta Parra, Atahualpa Yupanqui, seu conterrâneo e Horácio Guarany. De autoria deste último, interpretou (e gravou) uma de suas mais célebres canções Si se Calla El Cantor, levada ao público pela primeira vez no álbum “El Potro” (1970), de Guarany. Com o intuito de compreender o lugar de fala assumido pelos artistas de então, adotamos como objeto de estudo a supracitada canção, representativa deste movimento e por diversas vezes performada por Mercedes Sosa. Por meio de uma leitura crítica, buscamos apresentar o potencial de engajamento inerente às produções desse período. A fim de viabilizar a presente leitura, nos valemos da perspectiva dialógica sustentada pelo filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin. Dentre as obras a que recorremos estão: Arte e Responsabilidade (2003) e Para uma Filosofia do Ato Responsável (2010).

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato responsável. Sâo Carlos. Pedro & João Editores, 2010.

CHRISTENSEN, Anette. Mercedes Sosa, uma lenda: um tributo à vida de uma das maiores artistas da América Latina. Tektime, 2020.

DÍAZ, Claudio Fernando. “Una vanguardia em el folklore argentino: canciones populares, intelectuales y política em la emergencia del “Nuevo Cancionero”.” In: Atas do II Congresso Internacional de Literatura Argentina/Latinoamericana/Española, Mar del Plata, 2004.

BEIRED, José Luis Bendicho. Breve História da Argentina. São Paulo: Editora Ática, 1996.

SADER, E.; JINKINGS, I.; NOBILE, R. e MARTINS, C. E. (orgs.). Latinoamericana: Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: Boitempo, 2006.

 

Palavras-chave: Ética, estética, dialogismo, canções de protesto, Nuevo Cancionero.

 

Ruído subversivo: reflexões sobre (anti)música e política

Brennan Cavalcanti Maciel Modesto

Desconforto. Barulho constante não é aprazível aos ouvidos humanos. Berros. Não é possível entender o que se “canta”. Em meio a estas características, pretendemos compreender como é possível transmitir uma mensagem por meio de tal sorte de produção artística. De pronto, vamos aos aspectos estéticos: a desconstrução do belo, na subversão dos padrões de beleza enraizados no mercado musical – obrigando-nos à voltar até a acepção grega de aesthesis, enquanto “afecção”, enquanto aquilo que te toca. Talvez o efeito de causar aversão, quiçá ojeriza em ouvintes desprevenidos não seja de todo coincidência. Quem produz arte tem um objetivo mais ou menos delimitado. E mesmo os que tem crença na “arte pela arte”, objetivam a aesthesis, num maior ou menor grau. Naquilo que convencionou-se como “antimúsica”, é patente o engajamento político. Embora nos dias de hoje já existam artistas de vertentes correlatas que não abordem liricamente temas correlatos à política, ainda são exceções os que não se posicionam à esquerda – desde seus princípios, na primeira metade dos anos 1980 - é ávido e potente o discurso político dentro dos meios perpassados pelo grindcore. A união entre o espírito contestador inerente ao punk, à despeito dos usos comerciais posteriormente atrelado ao movimento. As vanguardas artísticas, não raro, se posicionam politicamente. Nas décadas de 1930 e 1940 intelectuais de todo o cone sul se organizaram em frentes antifascistas, num movimento de reação ao avanço do autoritarismo. De maneira semelhante, os punks do ABC e de São Paulo se organizaram junto à classe trabalhadora durante a ditadura militar. Deste modo, ainda que permeado por uma maneira não ortodoxa de fazer música, que torna inaudível ou, melhor dizendo, ininteligível a temática abordada pelos compositores. O meio da música extrema, entendido enquanto contracultura, tem se mostrado, antes de qualquer coisa, um espaço propício ao fortalecimento de resistência; de debate e de fortalecimento do antifascismo.

Referências

COSTA, Fabiana Vieira da. Arte e Política na Filosofia de Herbert Marcuse. 2017. 123 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Ufop, Ouro Preto, 2017. Disponível em: http://www.repositorio.ufop.br/bitstream/123456789/8250/1/DISSERTA%C3%87%C3%83O_ArtePol%C3%ADticaFilosofia.pdf. Acesso em: 24 jun. 2021.

FAVARETTO, C. A contracultura, entre a curtição e o experimental. MODOS. Revista de História da Arte. Campinas, v. 1, n.3, p.181-203, set. 2017. Disponível em: http://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/mod/article/view/872?

OLIVEIRA, Ângela Meirelles. Palavras como balas. Imprensa e intelectuais antifascistas no Cone Sul (1933-1939). São Paulo: Alameda, 2015. Resenha de BEIRED, José Luis Bendicho. Para compreender o antifascismo na América Latina. Topoi. Revista de História, Rio de Janeiro, v. 19, n. 37, p. 226-231, jan./abr. 2018. Disponível em: .DOI: https://doi.org/10.24978/mod.v1i3.872.

 

Palavras-chave: Política, Música, Antimúsica, Antifascismo, Subversão.

 

Músicas de reabertura: o cancioneiro de Milton Nascimento no final da ditadura militar brasileira

Fernanda de Araújo Patrocinio

Quais cenas históricas um cancioneiro é capaz de montar, a partir da paisagem sonora oriunda de discos? Ou, ainda: como canções e articulações artísticas podem reverberar tempos e identificar estruturas sociais de um determinado território? Embasado em tais questionamentos, o presente artigo apresenta a produção e a circulação da obra de Milton Nascimento na primeira metade da década de 1980, considerando-se também o contexto brasileiro acerca da abertura política e, consequentemente, o fim dos Anos de Chumbo. Desse modo, Nascimento e sua obra são os objetos analisados neste artigo, de forma a auxiliarem na compreensão de economias simbólicas (BOURDIEU, 2015), no que diz respeito à representação de um período histórico e às negociações destas mimeses, a partir de expressões artísticas (com especial destaque à música), bem como às estruturas de sentimento (WILLIAMS, 2011), que retratam também a experiência coletiva histórica e sua expressão na cultura. Assim, a leitura das narrativas presentes nos discos e nas parcerias de Nascimento (DUARTE, 2009) e também a circulação do próprio artista, além de sua posição em meio ao movimento de abertura política, culminam também na leitura de uma geografia audível (ROBBINS, 2019). Ou seja, onde os sons do território e suas experiências sociais reverberam também especificidade e identidade. A partir das possíveis interpretações oriundas das narrativas dos discos de Nascimento, lançados entre 1980 e 1985, procura-se destacar as estruturas que permitiram a construção de tais montagens e cenas, considerando-se as experiências sensoriais (nos discos e no contexto vivido), bem como as possíveis mediações. A análise aqui proposta usará como metodologia a pesquisa bibliográfica, com acesso a materiais históricos, como biografias, textos publicados em jornais e revistas, bem como os discos lançados por Nascimento no referido período. Assim, o artigo aborda aspectos de micro e macrouniversos para compreender os desdobramentos e as articulações, no que diz respeito à indústria fonográfica e sua contribuição aos debates e diálogos da época, bem como à configuração da Indústria Cultural brasileira. O contexto, da censura à reabertura democrática, e sua influência direta nas peças musicais produzidas durante o período da Ditadura Militar são o ambiente essencial para entender as construções sonoras possíveis no período. Do mesmo modo, este é o pano de fundo para compreender potencialidades e articulações políticas também a partir do campo das artes, sobretudo da música.

Referências

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2015.

DUARTE, Maria Dolores Pires do Rio. Travessia – a vida de Milton Nascimento. Rio de Janeiro: Record, 2009.

ROBBINS, Dylon Lamar. Audible Geographies in Latin America. Londres: Palgrave/Macmillan, 2019.

WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade. São Paulo: Companhia de Bolso, 2011.

 

"Um bom tempo para não fazer nada" - a atuação e a poética de Chico Buarque, na Itália, durante seu autoexílio, em 1969.

Rodrigo Vicente Rodrigues

A italianidade é uma constante em nosso País, como aponta Cenni (2003); exemplos disso são muitos, como a ação de artistas italianos no contexto acadêmico, a perenidade da ópera da Península no Brasil e, obviamente, a herança cultural e etnográfica de milhares de imigrados. Posteriormente, outros modos de inserção dessa cultura dizem respeito às dinâmicas das mídias de massa, sobretudo o sucesso da canção italiana a partir da década de 1950; San Remo também foi ponte entre Brasil e Itália (Roberto Carlos vence em 1968 com Canzone per te). Mais tarde, como contraponto à hegemonia estadunidense na cena musical, tivemos os álbuns em italiano Per amore e Passione (Zizi Possi), Equilibrio distante (Renato Russo) e Brasiliano (Jane Duboc), todos da década de 1990, recuperando a memória da canção italiana. Vê-se, a partir de obra organizada por Heloísa A. D. Valente (2018), que o período ditatorial foi extremamente permeável a essa canção, tanto via rádio, como também através da venda de discos. No mesmo período, porém, vemos uma dinâmica em sentido contrário: a ida de brasileiros à Itália, como Maysa e Astrud Gilberto, além de Roberto Carlos e outros. Especificamente, observamos que Chico Buarque, incitado pela ditadura, se autoexila na Itália em 1969, justamente por ter se tornado o paradigma do artista subversivo naquele contexto, conforme explicita Napolitano (2004), algo que ratifica que a arte é sempre permeada por questões políticas. Lá, grava e lança um álbum no mesmo ano, demonstrando que a canção ligeira brasileira continuava a ser difundida internacionalmente, mas agora noutro registro: poder-se-ia interpretá-lo como um eco da tropicalidade representada pelo samba e potencializado pela bossa nova (atualizando quiçá a atuação de Carmem Miranda). Chico não apresenta algo muito distante disso, levando (a partir de traduções) à Itália uma imagem da cena musical brasileira compreensível pelos europeus. Partindo do estudo de Susan Bassnett (2005) sobre a tradução, vemos que esta é sempre uma área intersticial entre realidades; daí observar-se-á como a música brasileira no contexto italiano se deu através de negociações, importando sublinhar que foi a política que propiciou o tráfego cultural entre os dois países, no contexto das mídias de massa. Assim, propõe-se verificar a atuação de Chico na Itália a partir de seu álbum de 1969 (Na Itália), num momento crítico da vida cultural brasileira (lembremo-nos que o AI-5 data de dezembro de 1968), sobretudo a partir da faixa Far niente (Bom tempo), e como o artista negociou para transitar entre duas realidades e como se inseriu no panorama da música ligeira italiana (BORGNA, 1985).

Referências

BASSNETT, Susan. Estudos de tradução. Porto Alegre: UFRGS, 2005.

BORGNA, Gianni. Storia della canzone italiana. Roma: Laterza, 1985.

CENNI, Franco. Italianos no Brasil. São Paulo: Edusp, 2003.

VALENTE, H. A. D. A canção romântica no Brasil nos “anos de chumbo”. São Paulo: Letra e Voz, 2018.

NAPOLITANO, Marcos. A MPB sob suspeita: a censura musical vista pela ótica dos serviços de vigilância política (1968-1981). Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 24, nº 47, p.103-126 – 2004.

 

Palavras-chave: Chico Buarque, canção ligeira, canção italiana, canção brasileira, ditadura militar brasileira.

 

Blocos de sensação e a força afetiva dos timbres no rock independente brasileiro

Marcelo Bergamin Conter, Ligia Maria Lasevicius Perissé, Juliana Henriques Kolmar

No livro O que é a filosofia?, Deleuze observa a arte como "a linguagem das sensações" (2010, p. 208), sugerindo que ela é capaz de se fazer entrar "nas palavras, nas cores, nos sons ou nas pedras" (idem). Ela conserva blocos de sensação na matéria, um composto de perceptos e afectos. Deleuze ainda reflete sobre como este fenômeno ocorre na música, observando como os acordes se comportam, pensando-os como afetos. A fim de desdobrar estas teses de Deleuze e inspiradas pelos estudos sobre timbre de Blake (2012) e Elferen (2021), buscamos entender o papel das timbragens na formação de blocos de sensação que induzem músicos e audiência a estados de alteração de percepção similares ao êxtase e ao transe, responsáveis também por potencializar sentidos e criação de perceptos durante performances musicais. As teorias do afeto são chave para este estudo, pois "o afeto levanta a questão sobre se o sentimento pode ou deve ser descrito como significado" (GARLAND, 2020, p. 138), além de nos fazer voltar a atenção para a materialidade do evento musical. Analisamos registros fonográficos e de shows ao vivo de bandas independentes (ativas entre 2015 e 2020) publicados no YouTube, bem como entrevistas que realizamos com seus membros. Os blocos de sensação que nos interessam analisar são aqueles presentes em momentos em que a performance musical converge para uma experiência de escuta sem centro de gravidade, onde é recorrente, por exemplo: a busca pela criação de paisagens sonoras complexas e ricas em parciais harmônicos; ampla e complexa utilização de faixas de frequências dentro do espectro sonoro de mixagem; trechos instrumentais longos; momentos de introspecção; estratificações sonoras através do recurso de looping, que induzem o espectador a uma escuta mais atenta e a uma experiência similar ao transe e ao êxtase. Barry Shank (2014) comenta que tais experiências de escuta conformam uma espécie de força política da beleza musical e que é preciso reconhecermos a força dos afetos que emanam desses momentos. A partir destas constatações, descrevemos os processos de singularização via timbragem desenvolvidos pelos músicos em suas performances ao vivo (ou em estúdio), bem como por eles descritos em seus depoimentos. A presente pesquisa parece apontar que os blocos de sensação analisados, que surgem a partir da interação de elementos humanos e não-humanos, convergem à expansão da virtualidade do timbre e à potencialização de estéticas e políticas dentro do rock independente brasileiro.

Referências

BLAKE, David K. Timbre as differentiation in indie music. Music Theory Online, vol. 18, n. 2, 2012.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. O que é a filosofia? São Paulo: Editora 34, 2010.

ELFEREN, Isabella van. Timbre: Paradox, Materialism, Vibrational Aesthetics. New York: Bloomsbury Academic, 2021.

GARLAND, Shannon. Exigimos o Amor: A Música como Articuladora de Afetos Políticos. In: CASTANHEIRA, J.C. S. et. al. Poderes do Som: Políticas Escutas e Identidades. Florianópolis: Editora Insular, 2020. p. 127-152.

SHANK, Barry. The political force of musical beauty. Durham and London: Duke University Press, 2014.

 

Palavras-chave: Timbre, Blocos de Sensação, Afeto, Comunicação, Semiótica.

 

Sua Harmonia Branca Não Afeta o meu Canto

Thiago Barbosa Alves de Souza

As produções de funk brasileiro que são feitas para os bailes de rua, chamados fluxos, têm uma construção musical e estética bem particular, diferente do funk pop comercial difundido por grandes produtoras e que atingem setores sociais mais endinheirados. No funk de fluxo, há uma diferença marcante que será abordada neste artigo: o canto fora do tom, produzido propositalmente. Este canto que conflita com uma base harmônica e melódica mostra as intenções estéticas e sugere significados musicais, sociais e políticos de funks tocados em bailes de favelas. Analisando diversos desses funks de baile, encontramos um paralelo com a capoeira que, em diversos casos, traz um canto melódico que difere das notas tocadas no berimbau, por exemplo.Estas observações nos permitem mapear os diversos critérios musicais, estéticos e políticos que existem em cada subgênero de funk, e nos permite ver que os funks comerciais tem uma produção musical que opta, via de regra, por construções melódicas e harmônicas mais tradicionais, vindas do tonalismo europeu. Enquanto que os funks destinados aos bailes de favelas têm critérios de produção que desafiam e pedem um outro tipo de análise musical. Qual a melhor forma de analisá-los? É o que tentaremos expor neste artigo.

Referências

EWELL, Philip. A. Music Theory and the White Racial Frame. Music Theory Online, novembro de 2019. Disponível em: <https://mtosmt.org/issues/mto.20.26.2/mto.20.26.2.ewell.html>. Acesso em 28 de junho de 2021.

FACINA,Adriana; MOUTINHO, Renan Ribeiro; NOVAES, Dennis; PALOMBINI, Carlos. O errado que deu certo: Deu onda, o debate da harmonia e a construção da batida numa produção paulistana de funk carioca. Revista Eletrônica da ANPPOM. Disponível em: <https://www.anppom.com.br/revista/index.php/opus/article/view/opus2018a2411>. Acesso em 28 de junho de 2021.

LOPES, Adriana Carvalho. Funk-se Quem Quiser: no batidão negro da cidade carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto, Faperj, 2011.

NOVAES, Dennis. Técnica, produção e circulação musical no funk carioca. Tese de doutorado do programa de pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <https://www.academia.edu/44132827/Nas_Redes_do_Batidão_técnica_produção_e_circulação_musical_no_funk_carioca>. Acesso em 28 de junho de 2021.

 

Palavras-chave: funk brasileiro; música afrodiaspórica; baile funk.

 

Esboço sobre a recepção dos aparelhos tecnológico-musicais: A invenção das tradições, costumes e rituais

Joabe Guilherme Oliveira

A música advinda das máquinas falantes era parte importante de uma nova era, de uma fase do desenvolvimento do capitalismo liberal, batizada a posteriori pelos teóricos de “Segunda Revolução Industrial”. E da mesma forma que, em algumas propagandas podiam-se ver fábricas dentro dessas máquinas, pode-se, por assim dizer, perceber uma nova ideia de música que vem acoplada a elas, um espírito industrial, e que pode ser percebido em outros meios de comunicação. A era mecânica da gravação e reprodução registra não só um acontecimento econômico, cognitivo e cultural, mas também político, ela registra o início e fim da Primeira República. Horas antes da proclamação da República, fazia-se, no palacete do Príncipe D. Pedro Augusto, de acordo com Franceschi (1984, p. 19), uma demonstração do segundo fonógrafo, que para cá veio por intermédio do comendador Carlos Monteiro de Sousa. A divulgação dos aparelhos de forma efetiva se dará pelas mãos de Figner no desenrolar da República. O corpo e a alma dessas máquinas estavam, em seu sentido pleno, em simpatia com o capitalismo liberal/industrial. Para um novo produto, novas tradições, hábitos, costumes, reivenções e rituais tinham que ser criados, seja por meio de um passado estabelecido por outros instrumentos, ou por meio das problemáticas técnicas que surgiram com esses aparelhos. Isso era necessário, dentro do processo de recepção, como fator de operação para essa indústria fonográfica. Contudo, o distanciamento de aproximadamente um século do período compreendido aqui, faz com que o pesquisador, que estuda a primeira metade do século XX, fique cada vez mais dependente de dois tipos de fontes, como bem lembra Hobsbawm (1997, p. 9), sendo elas: a imprensa diária ou periódica, e outras publicações de governos nacionais e instituições internacionais. No nosso caso procuramos fazer uma análise dos textos e propagandas, sobre as tecnologias musicais, veiculados pela revista Fon-Fon, uma das revistas ilustradas mais populares de sua época.

Referências

FON-FON: Semanário Alegre, Político, Crítico e Espusiante. Biblioteca Nacional - Hemeroteca Digital. Disponivel em:<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=259063&PagFis=1>. Acesso em: 24 março 2019.

FRANCESCHI, H. M. Registro Sonoro por meios mecânicos no Brasil. Rio de Janeiro: Studio HMF Ltda, 1984.

FRANCESCHI, H. M. A Casa Edison e seu tempo. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Sarapuí, 2002.

HOBSBAWM, E. J. E.; RANGER, T. A invenção das tradições. Tradução de Celina Cardim Cavalcante. 6ª. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

MILLARD, A. America on record: a history of recorded sound. 2ª. ed. New York: Cambridge University Press, 2005.

 

Palavras-chave: Fon-Fon, Tecnologias musicais, Recepção.

 

S.P. Metal: a flor-cadáver da contracultura paulista

Milton Medusa, Rodrigo Kurita, André Felipe Simões

O Heavy Metal representou desde um princípio um espaço de manifestação da contracultura típica da década de 1970. No Brasil, o movimento rapidamente se enraizou nos territórios "esquecidos"das cidades industrializadas, como os antigos centros comerciais e as periferias. Esta comunicação visa descrever e analisar a emancipação do Heavy Metal na década de 80 com o intuito de correlacionar o nascimento de seus subgêneros assim como os principais festivais que ocorreram à época. A proposta tratará de mostrar as referências dessas bandas, como Iron Maiden e Judas Priest, assim como os festivais que serviram de difusor do movimento como o Metal 4, realizado em 1986, no clube Palmeiras, em São Paulo, e o South American Death Festival, em 1987, em Santos. Ademais, far-se-á também um comparativo acerca dos produtores bem como do papel da mídia na divulgação de novas bandas e/ou eventos de grande porte. Especificamente a comunicação parte do lançamento das coletâneas S.P. Metal I e II, entre os anos de 1984 e 1985. Essas coletâneas lançaram luz em bandas como Avenger, Centúrias, Salário Mínimo, Vírus, Santuário, Performances, Korzus e Abutre. Ao redor desse movimento surgiram festivais e gravadoras independentes como a Baratos & Afins. Mediante tais justificativas, o intuito desta pesquisa é avaliar as estratégias midiáticas de divulgação bem como resgatar a importância do contexto histórico da cena do rock pesado paulistano. Por fim, o estudo propõe uma comparação com a cena atual do heavy metal brasileiro, principalmente discutindo como a era da "live" representa a perda de uma energia vital do Heavy Metal: a interação performática. Este estudo nasce do Grupo de Estudos Rock no Brasil, desenvolvido no Laboratório de Musicologia da EACH-USP.

Referências

ARNETT, Jeffrey Jensen (1996). Metalheads: Heavy Metal Music and Adolescent Alienation. Westview Press.

AZEVEDO, Cláudia Souza Nunes de (2009). É para ser escuro! - codificações do Black Metal como gênero audiovisual. Tese de Doutorado em Música. Programa de Pós-Graduação em Música – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

CHRISTE, Ian (2003). Sound of the Beast: The Complete Headbanging History of Heavy Metal. HarperCollins

DAPIEVE, Artur (1996). Brock: o rock brasileiro dos anos 80. São Paulo: Editora 34.

 

Palavras-chave: S.P. Metal; Heavy Metal no Brasil; Música e Ideologia.

 

De ratos e carniças: análise discursiva das bandas de punk rock do ABC

Fernando Tavares, Ana Mara Alves, Diósnio Machado Neto

Este texto está vinculado ao grupo de Estudos de Rock da EACH-USP e tem como objetivo analisar as práticas discursivas dos grupos de Punk Rock do ABC Paulista entre o final dos anos 1970 e início dos 1980. Apresentamos o cenário histórico do período, as relações de poder por meio da formação discursiva musical das bandas Inocentes, Ratos do Porão e Garotos Podres, sem perder de vista as diversas formações de sentido bem como estratégias musicais comparadas com grupos estrangeiros, que eram a base referencial e musical dos músicos brasileiros. Tais temas se justificam pelo período em que o movimento ocorreu e que coincidiram com a mobilização dos movimentos sindicais da região. Se desdobra como espaço de resistência e identidade que, de certo modo, construíram as condições para o florescimento do movimento musical de maior impacto na atualidade nas regiões que formavam o antigo cinturão operário do Grande ABC, o Rap.

Referências

ESSINGER, Silvio (1999). Punk: anarquia planetária e a cena brasileira. São Paulo: Editora 34.

FOUCAULT, Michel (2015). Microfísica do poder. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

MELÃO, Cesar Augusto. O punk sob o olhar da mídia: um estudo léxico-discursivo. 2013. Dissertação (Mestrado em Filologia e Língua Portuguesa) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo

TEIXEIRA, Aldemir Leonardo. O movimento Punk no ABC Paulista: anjos: uma vertente radical. 2007. 227 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007.

 

Palavras-chave: Punk Rock, Movimento Operário do ABC, Análise Discursiva.

 

Circle of Bakhtin ou Bakhtin cabeça – A performance dialógica na Música Extrema

Renan Marchesini de Quadros Souza

Este estudo busca compreender como a performance e o dialogismo estão interligados por meio da música extrema. Para tanto, organizamos o estudo a fim de conceituar e contextualizar a música extrema. Afinal do que se trata este fenômeno cultural tão fragmentado? A partir disso, verificamos como se dá a performance neste tipo de apresentação, onde a sonoridade preza pelo ruído e por um tipo de violência confrontadora que descentraliza o emissor e empodera o ouvinte que passa a ser parte fundamental da apresentação. Para nos ajudar a responder tais questionamentos temos em nossos aportes teóricos autores que nos balizam para entender este tipo de música, como: Janotti (2003, 2004), Kahn-Harris (2007) e Cogan (2008); já para compreendermos corpos, performances e seus comportamentos na cultura temos bases em Lótman (1990), Žižek (2014), Baitello (2014), Menezes (2016), Paul Zumthor (1997, 2001, 2014), além de alguns de seus comentadores; já sobre dialogismo alguns autores que nos ajudam são Voloshinóv (2018), Bakhtin (2016) e alguns estudiosos que se debruçaram sobre o tema e o conceito. Além deles colocamos alguns links do youtube para que o leitor possa visualizar como este tipo de música convoca os corpos para uma performance que, por meio da violência, permite o ouvinte se expressar e passar de um mero receptor a um participante ativo de uma grande catarse performática.

Referências

COGAN, Brian. The Encyclopedia of punk. New York: Sterling Publishing, 2008.

HARRIS, Keith Kahn. Extreme metal: music and culture on the edge. Oxford: Berg, 2007.

VOLOCHÍNOV, V. Marxismo e filosofia de linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na filosofia da linguagem. 2ª ed. São Paulo: Editora 34, 2018.

_____________. A palavra na vida e na poesia: Ensaios, artigos, resenhas e poemas. São Paulo: Editora 34, 2019.

ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. São Paulo: Cosac Naify, 2014.

 

Palavras-chave: Música extrema, dialogismo, performance, metal, punk.

 

Entre cheias e vazantes: professores de música no interior do Amazonas

Renato Antonio Brandão Medeiros Pinto

Não é de hoje que o Brasil não conhece o próprio Brasil. O médico Djalma Batista, já em 1976, quando publica sua obra “O complexo da Amazônia”, revela a intimidade de um país, no caso, a Amazônia, com elementos muito característicos e únicos quando comparados com o resto da nação. Nestes 45 anos passados, quando se faz nova leitura do trabalho do médico, percebe-se como muito do que é dito pelo observador não mudou. Assim, diante dos 40 anos de formação de professores de arte no Amazonas, permanecem inquietudes sobre como a complexidade apresentada por Batista reflete na atual configuração do ensino das artes nos diferentes vales de rios amazônicos. O estudo propõe uma abordagem bibliográfica partindo do trabalho do Professor Doutor Jackson Colares à cerca da fundação do curso de Licenciatura Plena em Educação Artística em 1980, dentro da então denominada Universidade do Amazonas, ao qual este levantamento identifica a historicidade da formação de professores de arte até a criação da Faculdade de Artes em 2017. Por este viés, é feita a contabilidade de alcance do esforço para cobrir as dimensões do espaço territorial amazonense. Por isso, é justo refletir sobre como até hoje as cadeiras de arte, sobretudo nas escolas do interior do estado, estão vazias quando estas mesmas existem.  A vida ribeirinha e suas especificidades teimam em entortar os padrões de formação acadêmica no universo dos rios e matas. Não obstante a isso, ainda temos as considerações feitas pela Professora Doutora Rosemara Staub de Barros, quando coordenadora  do PARFOR faz público um relatório de ações deste programa nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Itacoatiara, Barreirinha e Manicoré, praticamente nas principais calhas fluviais que o curso de música se fez presente.  Para tanto, em específico, a investigação traz números importantes sobre alunos formados, vagas criadas nas sedes municipais, características do processo de formação dos professores e mapa do alcance das atividades no estado. Aos detalhes de teorização confiamos à Professora Doutora Lia Tomás, membro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música(ANPPOM) as questões sobre pesquisas em música no Brasil como estado de conhecimento(2015), uma tese de verificação dos planos de ensino no  Amazonas pela pedagoga Cátia Lemos(2020) e fechando, um suporte sobre trajetórias de criação artística no interior do estado pelo Mestre Pedro Vanuzo Costa e sua dissertação defendida em 2020. Tais trabalhos permitem criar uma imagem do que é o ensino da arte perante a complexidade amazônica, tempo e espaço criativo. Dessa forma, o texto considera os anos de desenvolvimento do curso de artes na Universidade Federal do Amazonas(UFAM), obstáculos e avanços, visibilidade do real ao contrário do imaginário brasileiro sobre a região e por fim, o potencial e esforço dos que decidem trabalhar para a educação mesmo tangenciando indiferenças governamentais. De maneira qualitativa e quantitativa, os resultados são exclusividade de uma leitura bibliográfica e produção de conhecimento para o crescimento  do ensino no norte do país.

Referências

BATISTA, Djalma. O complexo da Amazônia. (análise do processo de desenvolvimento). Conquista. Manaus. 1976.

MOREIRA, Dulciane et al. INTEGRANDO APPS NAS AULAS DE MUSICALIZAÇÃO INFANTIL DA ESCOLA DE ARTES-UFAM. AEC&D-Arte, Educação, Comunicação & Design, v. 1, n. 1, p. 1-10, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufam.edu.br/index.php/dcae/article/view/7478

RAMOS, Evandro José Santos; ZAGO, Rosemara Staub; NAJAR, Núbia Silva. Licenciatura em Artes Visuais a Distância no Amazonas/BR. Octaedro. V.1, pl 2926 2933. Manaus. 2016.

TEIXEIRA, Wagner Barros; BRANDÃO, Raimunda Julia de Freitas. Parfor no Amazonas: fronteiras, deslocamentos, e formação de professores de Espanhol. Polifonia, v. 27, n. 47, 2020. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/polifonia/article/view/10776

 

Palavras-chave: PARFOR; Amazônia; Faculdade de Artes; UFAM

 

Disputas de capital e dinâmicas de gênero musical no contexto da música experimental

Fernando Gonzalez

Questões peculiares sobre nomenclatura e definição, assim como questionamentos que circulam em torno destas, não são novidade no reino da música de concerto. Grande parte destes questionamentos é justificado e encontra respaldo entre diferentes grupos de ouvintes. O objetivo deste trabalho é refletir sobre disputas e dinâmicas de capital envolvidas na nomenclatura e classificação da música, no contexto da produção e consumo da música experimental. Buscamos, também, fomentar a reflexão sobre o que se entende por gênero musical nesse contexto, assim como propor uma análise da música experimental, compreendida aqui como objeto estético anti-hegemônico, enquanto gênero musical. Gêneros e classificações musicais parecem operar, como grande parte das dinâmicas de atribuição de identidade, pela definição de fronteiras mais ou menos explícitas delimitando aquilo que pode ou deve fazer parte de um grupo. Considerando sua complexidade, "os gêneros musicais permitem que músicos e audiências estabeleçam balizas para as disputas de gosto, ao mesmo tempo que permitem a construção de assinaturas específicas que se tornam as marcas distintivas do artista" (Janotti Jr; Sá, 2019, p.131). As relações complexas em torno das noções de gênero musical sempre se deram de forma dinâmica, resultando em implicações que vão muito além de questões musicológicas, como apontam Janotti Jr e Sá (2019). Reconhecendo e enfatizando a dimensão do caráter extramusical das noções de gênero na música, Janotti Jr (2003) oferece uma metodologia de estudo desses com base em três eixos analíticos, baseados em “regras econômicas que envolvem práticas de consumo e endereçamento dos produtos musicais, regras semióticas e regras técnicas e formais” (Janotti Jr e Sá, 2019, p.130). Seria possível empreender em uma análise da música experimental a partir deste direcionamento? Partindo em ordem inversa, podemos encontrar algumas pistas das possíveis regras técnicas e formais, que correspondem ao terceiro eixo da análise, e das regras semióticas, correspondentes ao segundo eixo, nos arcos teóricos discutidos por Gottschalk (2016) em sua análise da música experimental. O primeiro eixo envolve o que Janotti Jr e Sá (2019) descrevem como “regras econômicas que envolvem práticas de consumo e endereçamento dos produtos musicais” (p.130). Podemos considerar que, apesar de sua proposta estética muitas vezes apontar para a direção contrária, a música experimental em grande medida depende das regras mercadológicas já estabelecidas para sua produção e circulação. A constituição de circuitos de consumo, mesmo que distintos do que é distribuído de forma massiva e produzido em série, ainda assim demanda o estabelecimento de dinâmicas de mercado que, por fazerem parte de um contexto maior (em uma sociedade fortemente ligada à indústria cultural), não conseguem se apresentar inteiramente livres ou isolados destes. Faz-se necessário, também, reconhecer que, em grande parte por conta da centralidade do consumo no processo de fruição musical, as divisões dos gêneros musicais de caráter inicialmente comercial acabaram se convertendo em elementos geradores de práticas, conceitos e significados, se mostrando centrais para as diversas dinâmicas e práticas de consumo observadas pelos ouvintes.

Referências

BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Zouk, 2015

GOTTSCHALK, Jennie. Experimental Music since 1970. Nova York: Bloomsbury Publishing, 2016.

JANOTTI JR, Jeder. À procura da batida perfeita: a importância do gênero musical para a análise da música popular massiva. Revista Eco-Pós. Rio de Janeiro. UFRJ. v.6, n.2, p.31-46, 2003

_________________. SÁ, Simone Pereira de. Revisitando a noção de gênero musical em tempos de cultura musical digital. Galaxia (São Paulo, online), n. 41, p. 128-139, mai-ago., 2019

SOARES, Thiago. O videoclipe no horizonte de expectativas do gênero musical. Ecompós. Brasília, v. 4, p. 1-18, dez. 2005.

 

"É necessário quebrar os padrões/ É necessário abrir discussões": Criolo e população LGBT entre controvérsias e alianças possíveis.

Leandro Stoffels

Essa pesquisa se interessa em analisar o videoclipe da música ‘Etérea’, do rapper Criolo, protagonizado por corpos LGBTs e dissidentes, sob a perspectiva das ‘visualidades cuir/queer’ (LOZANO, 2019). Por ser o vídeo da música de um artista que não se identifica como LGBT, entendemos que essa obra é ideal para analisar disputas, conflitos e alianças mobilizados pela aparição de sexualidades não-hegemônicas na cena musical, em especial em suas relações com o hip-hop e com o público tradicional desse artista, acostumado a uma performance de masculinidade hegemônica em suas canções e vídeos. A metodologia está assentada nos estudos de cultura visual decolonial e cuír/queer (BARRIENDOS, 2011), e nos estudos do videoclipe ‘pós-MTV’ (SÁ, 2019). A partir dos caminhos indicados por essas metodologias, a pesquisa não se restringe à análise do conteúdo das obras, mas, e principalmente, as articulações entre a obra e os contextos políticos e sociais. Interessa não apenas a análise visual, mas também os contextos de produção e de sua recepção (comentários e curtidas), levando em conta as controvérsias anteriores do artista com a comunidade LGBT, além de entrevistas e making ofs que ajudem a compreender o processo de criação e produção desse videoclipe. Nos interessa inquirir quais posições essa obra audiovisual demarca na trajetória do cantor, e quais leituras essa obra propõe sobre esses corpos que estão à margem do hetero-patriarcado. Nesses tempos tóxicos em que vivemos, onde os corpos dissidentes são tantas vezes repudiados publicamente por autoridades políticas, ou por outro lado, celebrados falsamente pelo capital, visando cooptá-los enquanto produto ou consumidores, o que significa esse gesto artístico de Criolo? Estaria ele propondo alianças (BUTLER, 2018), ou apenas reproduzindo uma retórica visual colonial, que extrai lucro de corpos dissidentes ao mesmo tempo que os alienam de seu valor? Esperamos que essa pesquisa possa representar uma contribuição à musicologia queer no Brasil (CAVALCANTI, 2018), ao permitir entender alguns sentidos e valores agenciados pela visibilidade que vem sendo conquistada pelas sexualidades dissidentes na cultura midiática contemporânea.

Referências

BARRIENDOS, Joaquín. La Colonialidad Del Ver. Hacia Un Nuevo Diálogo Visual Interepistémico. Nómadas (Col), núm. 35, outubro de 2011, pp. 13-29.

BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Editora José Olympio, 2018.

CAVALCANTI, Guilherme Marelli Cardoso. Gênero, Militância LGBT e Musicologia queer no Brasil. Música em Foco, v. 1, p. 6-10, 2018.

LOZANO, Rían. Cuir visualities, survival imaginaries. In: IQANI, Mehita; RESENDE, Fernando (Ed.). Media and the Global South: Narrative Territorialities, Cross-cultural Currents. Taylor & Francis, 2019.

SÁ, Simone Pereira de. 'O dia em que Beyoncé se tornou negra': notas para análise do videoclipe 'pós-MTV'. In: Adriana Amaral; Ivan Bomfim, Marcelo Bergamin Conter, Gustavo Daudt Fischer, Michael N. Goddard, Fabricio Silveira. (Org.). Mapeando cenas da música pop: materalidade, redes e arquivos. 1ed.João Pessoa: Marca de Fantasia, 2019, v. 2, p. 17-47.

 

Palavras-chave: Criolo; artivismos; videoclipe; visualidades queer; corpos em aliança;

 

Lançamentos

Postado em 21/06/2021

 

Título: Uma vereda tropical...: A presença da canção hispânica no Brasil 
Organizadores: Heloísa de A. Duarte Valente, Raphael F. Lopes Farias e Simone Luci Pereira
Ano: 2020
Preço: R$ 36,00
Sinopse: A letra da famosa canção de Gonzalo Curiel é a inspiração do título deste livro, que reúne estudos abordando uma fabulosa variedade de assuntos – como a “mexicanização” na cultura brasileira, na teledramaturgia e no audiovisual e na música – tendo como eixo principal o bolero das décadas de 1940 e 1950 e suas repercussões na cultura brasileira, no cerne das “latinidades conexas”. “Os textos deste livro mostram que nem as fronteiras nacionais nem as barreiras linguísticas conseguiram minar o desejo de diálogo entre diversas tradições em nossos territórios. Sua grande contribuição está em pôr em pauta um assunto até há poucos anos pouco tratado no mundo acadêmico. Sua importância está, sobretudo, em tornar visível o que vários anos da historiografia musical não conseguiram avaliar de forma pertinente: os diálogos entre as tradições musicais que construíram o latino-americano” — Julio Mendívil.

 

Título: A França na Música Popular Brasileira do século XX: Visões e impressões de sambistas e chansonniers. 
Autor: Nancy Aparecida Alves
Ano: 2021
Preço: R$ 76,00 ou R$20,00 (e-book) 
Sinopse: Durante os anos 1930, quando as transmissões radiofônicas evoluem significativamente e as gravações em 78 rpm pipocam de todos os lados, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, o samba se consolida como ritmo nacional. Época nacionalista por excelência, alavancada pelo governo de Getúlio Vargas, a chamada fase de Ouro da música brasileira acaba privilegiando o debate acalorado entre o nacional e o estrangeiro; a busca de um sentimento de brasilidade não é menos recorrente no período e, a Rádio Nacional, um fio condutor que leva para todo o Brasil sambas, marchinhas e outros ritmos vindos do morro e do asfalto. Em abordagem inédita (foi o primeiro trabalho acadêmico sobre o assunto), a autora Nancy Alves mergulha fundo nessa discussão, indo buscar primeiramente no maxixe – e depois no samba, nas marchinhas e em outros ritmos –, os primórdios desta relação intercultural que se intensificou com os Oito Batutas, o grupo de Pixinguinha, dando lugar, anos mais tarde, a outras interfaces musicais extremamente importantes entre os dois países.

 

 

 

Revista MusiMid

Postado em 12/05/2021

Chamadas abertas para submissão de artigos na Revista Brasileira de Música e Mídia!

http://musimid.mus.br/revistamusimid/index.php/musimid

Informações

Postado em 07/05/2021

Coordenação: Heloísa de A. Duarte Valente.

Comitê Científico e organização: Diósnio Machado Neto, Fernando Magre, Raphael F. Lopes Farias, Ricardo Santhiago e Thiago Cazarim.

Equipe técnica: Daniel Trevisan de Araújo,  Felipe Tavares da Silva, Fernando Pedro Moraes.

Arte: Roberto Bispo e Fernando Magre.

Tradução: SaraTomazeli Monrroe.

 

Contato:

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