Palestra de Abertura - A partir da perspectiva da zona de contato: a compreensão mútua entre Japão e Brasil ? a desconstrução da autoimagem dos japoneses e da cultura japonesa na era da globalização
As relações entre o Japão e o Brasil se desenvolveram como uma história de contatos múltiplos: de um lado, a história da imigração japonesa, que tem sua origem na vinda do navio Kasato Maru em 1908; de outro, a história das relações diplomáticas entre os dois Estados, que já somam 130 anos. Essas trajetórias se entrecruzam, abrangendo desde o mundo vivido dos indivíduos até as dimensões políticas e econômicas. A sociedade brasileira, até os dias de hoje, oferece ao Japão o mais intenso e amplo “espaço de contato”.
Nesta conferência, introduzo o conceito de “zona de contato”, entendido como um espaço dinâmico no qual sujeitos de diferentes culturas se encontram em condições de poder assimétricas e são forçados a transformações mútuas. A partir dessa perspectiva, busco analisar os entrecruzamentos históricos e culturais dos discursos sobre a “cultura japonesa” e refletir sobre as possibilidades dos estudos japoneses no Brasil e na América do Sul.
Desde a modernidade, os discursos sobre a cultura japonesa foram construídos tendo o Ocidente como principal referência, gerando uma autoimagem do “povo japonês” e da “cultura japonesa” ao longo de processos como a formação do Estado-nação, a emigração para o exterior, a reorganização no pós-guerra e o período de alto crescimento econômico. Contudo, a partir da década de 1990, com a estagnação econômica e o aumento do número de trabalhadores estrangeiros no Japão, essa autoimagem passou a apresentar abalos significativos.
No contexto atual, o conhecimento crítico produzido pela sociedade brasileira — incluindo a comunidade nipo-brasileira — e pelos pesquisadores brasileiros tem o potencial de desconstruir os impasses dos discursos sobre a cultura japonesa, contribuindo para a construção de uma nova reflexão sobre o “ser japonês” para além dos limites do nacionalismo. Ao focalizar a geração recursiva da cultura na zona de contato entre Japão e Brasil, proponho a possibilidade teórica de reposicionar a autoimagem da cultura japonesa como um “ethno-scape” global.