Mesa-redonda:  Psicolinguística e Neurociência em interface com a Educação 
 
Seguem os títulos e resumo das apresentações desse mesa redonda:
 
1) Leitura estrutural e linear de períodos em português brasileiro: um estudo de monitoramento ocular comparando leitores de curso superior e do oitavo ano do curso fundamental
 
Professor Marcus Maia (UFRJ/CNPq)
 
Hyöna, Lorch e Kaakinen (2002) investigaram padrões de fixação e movimentação ocular para identificar estratégias de leitura de adultos ao ler textos expositivos. O processamento de leitores lineares rápidos foi caracterizado pela ausência de fixações regressivas, em contraste com o de leitores estruturantes que, geralmente, regressam ao tópico frasal. O presente estudo teve como objetivo comparar a leitura de 16 conjuntos de períodos subordinativos compostos por 4 orações, em português brasileiro, por parte de 32 alunos do curso de Letras e de 32 alunos de oitavo ano do curso fundamental. A hipótese entretida foi a de que a oração principal, que expressa o ponto de vista, nesses períodos, exibiria latências de fixação mais elevadas e taxas de lookback regressivo mais altas do que as verificadas nas orações subordinadas, no primeiro grupo de participantes, mas não no segundo grupo. As variáveis independentes foram (i) tipo de estrutura (oração principal, orações subordinadas) e (ii) grupo de sujeitos (superior, fundamental). As variáveis dependentes foram as durações médias de fixação e os índices de resposta às questões interpretativas. Um exemplo de conjunto experimental é fornecido abaixo, sublinhando-se a oração principal:
 
Como os policiais foram bem pagos, o índice de crimes abaixou, fazendo os políticos comemorarem porque a população ficou tranquila.
Pergunta: O índice de crimes abaixou?
Para abaixar o índice de crimes, os policiais foram bem pagos, levando os políticos a comemorarem porque a população ficou tranquila.
Pergunta: os policiais foram bem pagos?
Como os policiais foram bem pagos, a população ficou tranquila, havendo os políticos comemorado porque o índice de crimes abaixou.
Pergunta: A população ficou tranquila?
Quando os policiais foram bem pagos, os políticos comemoraram, porque a população ficou tranquila, visto que o índice de crimes abaixou.
Pergunta: Os políticos comemoraram?
 
Os resultados de uma ANOVA bivariada por sujeitos indicaram um efeito principal altamente significativo do fator estrutura, (F (3,1020) = 336 p <0,000001***). No grupo de nível superior, as orações principais apresentaram tempos de fixação significativamente maiores do que cada uma das orações subordinadas. Por outro lado, no grupo de alunos de oitavo ano do curso fundamental, as latências de fixação mais altas foram identificadas na primeira oração do período, que diferiu significativamente de todas as outras orações. Uma subanálise dos dados de refixação na oração principal revelou que cerca de 40% das fixações totais dos estudantes universitários foram constituídas por refixações. As orações subordinadas obtiveram taxas significativamente mais baixas de refixações regressivas. As refixações do grupo do ensino fundamental foram marginais. O índice de respostas às questões interpretativas indicou uma percentagem de acertos de 83% para os estudantes universitários e de 44% para o grupo do ensino fundamental (p = 0,0001). Concluímos que os leitores mais proficientes parecem saber que o ponto de vista das orações não se encontra necessariamente na primeira oração, engajando-se em uma análise estrutural do que leem, tentando identificar hierarquias para extrair o ponto de vista do período. Por outro lado, os leitores do ensino fundamental que, frequentemente, nem mesmo completam a leitura do período, parecem adotar uma estratégia de inspeção linear minimamente estruturante, que requer o armazenamento de itens em justaposição, o que torna a leitura progressivamente mais difícil, porque não se beneficia da estruturação hierárquica. Os resultados sugerem que, além dos leitores lineares rápidos e vagarosos de Hyöna et al, há também um grupo de leitores lineares incompletos.
 
HYÖNA, J., LORCH, R. F., Jr., & KAAKINEN, J. K. (2002). Individual differences in reading to summarize expository text: Evidence from eye fixation patterns. Journal of Educational Psychology, 94, 44–55.
 
2) Escrita como processo: contribuição da Psicolinguística para o ensino
 
Professora Erica dos Santos Rodrigues (LAPAL/PUC-Rio)

A despeito das orientações presentes em documentos oficiais do Ministério da Educação que focalizam as etapas de elaboração de textos escritos, com ênfase em atividades de revisão e de reescrita, a escrita enquanto processo não tem sido objeto priorizado pela escola. De modo geral, a avaliação do desempenho do aluno recai quase que exclusivamente sobre o produto final da escrita e, nas aulas de redação, são trabalhados poucos gêneros textuais, muitos dos quais com funções bastante específicas, como é o caso da redação do vestibular. Esse cenário tem consequências altamente negativas, claramente evidenciadas pelos baixos resultados em avaliações de competência em escrita. Em nossa comunicação, pretendemos discutir como a Psicolinguística, com uma abordagem da escrita como processo, pode contribuir para o desenvolvimento de habilidades de escrita de crianças e jovens (Rodrigues, no prelo). Iremos apresentar como a investigação do processamento on-line da escritura, a análise dos movimentos da escrita por meio de ferramentas específicas – como keyloggers (Latif, 2008; Leijten & Van Waes, 2013), pode ser informativa sobre os fatores que representam custo nas diferentes etapas do processo de escritura e sobre as estratégias cognitivas e metacognitivas empregadas pelos escritores, na elaboração de diferentes gêneros textuais. 

 

3) Leitura, transtornos de leitura e memória de trabalho
 
Professora Janaina Weissheimer - UFRN

 

Ler e escrever é um direito essencial, que envolve dimensões individuais e coletivas; além de ser importante para o desenvolvimento socioeconômico e político, e para o aprimoramento do pensamento crítico e da participação ativa na sociedade (UNESCO 2005). Sob o ponto de vista neurobiológico, o cérebro não está pronto para a leitura, e esta prática deve ser adquirida deliberadamente através da instrução. No entanto, os transtornos de leitura e déficits em funções executivas, como, por exemplo, na capacidade de memória de trabalho, podem tornar essa atividade árdua e dificultosa. Apresentamos um estudo transversal e longitudinal em que investigamos o desenvolvimento da competência leitora e sua relação com a capacidade de memória de trabalho de 45 alunos do Ensino Fundamental I, matriculados em 6 escolas públicas de Natal-RN ao longo de 2014 a 2016, todos participantes do projeto ACERTA - Avaliação de Crianças em Risco de Transtorno de Aprendizagem (CAPES/OBEDUC). Os participantes realizaram atividades de avaliação de leitura e escrita (tempo de leitura, ditado balanceado e leitura de palavras e pseudopalavras) e avaliações de memória de trabalho (AWMA – Automated Working Memory Assessment) de 2014 a 2016 para responder às seguintes perguntas de pesquisa: (a) Qual a relação entre a memória de trabalho e a leitura nas crianças avaliadas?; (b) a memória de trabalho pode predizer o desenvolvimento de leitura das crianças avaliadas? Os resultados da análise transversal indicam que a competência leitora dos participantes está diretamente ligada à capacidade de memória de trabalho dos mesmos, principalmente no que diz respeito ao componente fonológico. Os resultados longitudinais obtidos por regressão linear revelam a memória de trabalho verbal como um preditor significativo da leitura no caso de crianças com baixa capacidade de memória de trabalho. A discussão proposta pretende lançar luz sobre as variáveis que impactam o processo de aquisição da leitura, sob um ponto de vista neurocognitivo, e as implicações pedagógicas para a instrução da leitura e da escrita.

 

4) Avaliação computadorizada adaptativa de habilidades preditoras da leitura

 

Carla Alexandra Moita Minervino - UFPB

Pedro Miguel da Silva Moita - Universidade de Lisboa/Vodafone

 

Neste mesa redonda pretende-se apresentar resultados de pesquisas sobre a avaliação computadorizada adaptativa de habilidades preditoras da leitura, entre elas: consciência fonológica e memória visual. Serão apresentados os resultados encontrados a partir de uma análise comparativa entre instrumentos no formato papel-e-lápis e computadorizado. Em análise sistemática realizada em 2017 foi verificado um crescente aumento na última década de publicações sobre evidências psicométricas de instrumentos para a análise da leitura e de habilidades envolvidas neste processo, entretanto menos de 1% desses instrumentos são computadorizados e adaptativos. Um teste adaptativo computadorizado, Computerized Adaptive Test (CAT), é aquele administrado pelo computador, que procura encontrar um teste ótimo para cada sujeito. Para atingir isso, a proficiência do indivíduo (também conhecida como o traço latente ou a habilidade do indivíduo naquela área de conhecimento) é estimada interativamente durante a administração do teste. Desta forma, só serão selecionados os itens que mensurem de modo eficiente à proficiência do indivíduo. O objetivo básico de um teste adaptativo é assemelhar-se de forma automática ao que um sábio examinador faria.  De modo diferente dos testes papel-e-lápis, em que cada sujeito, geralmente, responde aos mesmos itens, tipicamente na mesma ordem. Os procedimentos de seleção e administração de itens no teste e atualização das estimativas das proficiências em cada fase são feitos de modo interativo até que algum critério de paragem seja satisfeito. O término do teste poderá ser alcançado por um ou pela combinação de vários critérios, entre eles: nível pré-estabelecido de habilidade, quantidade máxima de itens num teste, tempo do teste, erro padrão do cálculo da habilidade. Porém como toda e qualquer ferramenta informatizada, existem vantagens e desvantagens na sua utilização.

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